Teologia

sábado, 11 de fevereiro de 2017

MARIA, MÃE DE JESUS, FOI “SEMPRE VIRGEM”?



Ricardo André

No dia 03 de fevereiro, o Site do jornal O Globo publicou uma matéria a respeito de uma Freira dominicana denominada Lucía Caram, que utilizou o Twitter “Celebridade no Twitter” para afirmar que Maria, mãe de Jesus Cristo, teve relações sexuais com seu marido, José. E, num Programa de Televisão espanhol “Chester in love”, afirmou categoricamente que “Maria estava apaixonada por José e que eles eram um casal normal, e ter relações sexuais é uma coisa normal”. No mesmo programa fez a defesa de que a sexualidade é dada por Deus, portanto, é uma bênção, não é algo sujo nem algo a ser condenado, mas uma parte básica de cada indivíduo e uma forma de expressão própria. Ainda assim, a Igreja tem lutado contra isso

Como era de se esperar as ideias da religiosa geraram uma reação do mundo católico. Muitos católicos sentindo-se ofendidos destilaram ódio contra ela na internet, incluindo uma petição on-line para que ela fosse suspensa de sua Ordem. Caram conta que em virtude de suas observações no Programa de TV sofreu ameaças de morte, e pediu desculpas aqueles que se sentiram ofendidos.

Este episódio suscita o debate sobre o dogma católico da “perpétua virgindade de Maria.  Continuou Maria virgem após o nascimento de Cristo? Em que consiste essa crença? A pergunta mais importante é: O que as Sagradas Escrituras dizem sobre esse tema? Diante da polêmica suscitada pela religiosa Lucía Caram, cumpre-nos examinar tal crença a respeito de Maria à luz das Escrituras. Estas devem ser aceitas por todos os cristãos como autorizada e infalível revelação da vontade de Deus. Elas são a regra de fé e prática, o revelador das doutrinas, a pedra de toque da experiência religiosa. “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.” (II Tim. 3:16 e 17).

O que ensina a Igreja Católica?

Antes de submetermos tal dogma a uma avaliação bíblica a fim de elucidar a questão, entendemos ser importante expormos a crença católica. A Igreja ensina veementemente que Maria foi virgem “antes, durante e depois do parto de Jesus”. Ou seja, ela viveu toda a sua vida como virgem e morreu virgem. Segundo o Site católico “Franciscano”, esse caráter tríplice da virgindade de Maria “foi proclamado em 649, pelo Concílio Ecumênico do Latrão. (http://www.franciscanos.org.br/?page_id=5520). O referido Sínodo decidiu:

“Se alguém, segundo os Santos Padres, não confessa que própria e verdadeiramente é Mãe de Deus a santa e sempre Virgem e Imaculada Maria, já que concebeu nos últimos tempos sem sêmen, do Espírito Santo, o próprio Deus-Verbo (…), e que deu à luz sem corrupção, permanecendo a sua virgindade indissolúvel mesmo depois do parto, seja anátema.” (http://cleofas.com.br/dogmas-marianos-parte-2/).

O Catecismo da Igreja Católica ratifica esse dogma, quando afirma: “(...) O nascimento de Cristo não lhe diminuiu, mas sagrou a integridade virginal de sua mãe. A liturgia da Igreja celebra Maria como a “Aeiparthenos”, ‘sempre virgem’” (p. 499).

O Catecismo sintetiza o dogma da virgindade perpétua de Maria dizendo: “Maria permaneceu Virgem concebendo seu Filho, Virgem ao dá-lo à luz, Virgem ao carregá-lo, Virgem ao alimentá-lo de seu seio, Virgem sempre (...)”. (p. 510).

Ao analisarmos a crença católica na virgindade perpétua de Maria, percebemos que ela fundamenta-se não nas Escrituras Sagradas, mas em suposições dogmáticas.

O ensino bíblico

A Bíblia Sagrada afirma nitidamente que Maria era virgem quando se achou grávida do Espírito Santo (Is 7:14; Mt 1:18-25; Lc 1:26-38) e na hora do nascimento de Jesus. Neste ponto, católicos e protestantes estão em harmonia. Todavia, a Bíblia não sugere em parte alguma que ela permaneceu virgem depois disso. Vejamos o que diz Mateus 1:25: “Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus.”



O termo “conhecer” era frequentemente utilizado pelos hebreus no sentido de relações sexuais normais entre marido e mulher, como Adão que “conheceu Eva, sua mulher; ela concebeu e deu à luz Caim”(Gn.4:1).

Várias das mais recentes versões já traduzem da mesma forma, tal como é o caso da NVI, que verte por: “não teve relações com ela enquanto não deu à luz a um filho (...)”.

A Bíblia “Pão Nosso”, versão católica com Imprimatur do Cardeal D. Paulo Evaristo Arns, arcebispo metropolitano de São Paulo (04.10.1982), traduz Mateus 1:25, assim: “E não a conheceu até que deu a luz um filho, e nele pôs o nome de Jesus”.

Na nota do rodapé, comenta: “a expressão até que de per si nada afirma e nada nega a respeito do futuro. Quer apenas afirmar que a concepção de Jesus não houve relações conjugais. Não se afirma aqui, portanto, a virgindade perpétua de Maria, mas esta decorre do resto do evangelho e da Tradição da Igreja”, pág. 1179.

Esta nota reconhece que embora “nada afirme” e “nada negue”, admite que este texto não apoia categoricamente, a doutrina da Virgindade Perpétua de Maria. Doutrina esta atribuída à Tradição da Igreja Católica. Pois no “resto do Novo Testamento”, nada encontramos para consubstanciar esta fábula.

Agora, vejamos esse texto na Bíblia de Jerusalém, importante tradução católica da Bíblia:

“Mas não a conheceu até o dia em que ela deu à luz um filho. E ele o chamou com o nome de Jesus”.

No comentário de rodapé desse versículo encontramos o seguinte comentário: “O texto não considera o período ulterior e por si não afirma a virgindade perpétua de Maria, mas o resto do Evangelho, bem como a tradição da Igreja, a supõem” (p. 1839).

Note que o comentário da Bíblia de Jerusalém admite que o texto em lide não prova a perpétua virgindade de Maria. Segundo o mesmo comentário, a virgindade perpétua dela é supostamente ensinada pelo  “resto do Evangelho” e pela “tradição da Igreja”. Acontece que o comentário não cita um único texto do Evangelho que a confirme. A verdade é que o dogma é sustentado pela tradição da Igreja, e não pela Bíblia.

O texto de Mateus 1:25 coloca claramente  um limite de tempo definido para a virgindade de Maria. Ele afirma que José não a conheceu até que ela deu á luz ao menino e lhe colocou o nome de Jesus.

De acordo com o Dr. Samuele Bacchiocchi, “a expressão “não conheceu” sugere que José não manteve relações sexuais com Maria até após o nascimento de Jesus. Nas Escrituras um homem conhece uma mulher mantendo intimidades sexuais com ela. “E conheceu Adão a Eva, sua mulher, e ela concebeu” (Gn 4:1, ARC). (...) O adverbio “enquanto” [heos hou] na frase josé “não a conheceu, enquanto ela não deu à luz seu filho, o primogênito” (Mt 1:25, KJV) dá a entender que, após o nascimento de Jesus, o casal manteve relações conjugais normais. Como ressalta Jack Lewis, “em outras parte do Novo Testamento (Mt 17:9; 24:39; Jo 9:19), a palavra enquanto (heos hou), seguida por uma negativa, sempre sugere que a ação negada realmente ocorria posteriormente” [The Gospel According to Matthew, v. 1, p. 42]. Não há razão válida para supor que Mateus 1:25 seja uma exceção. Se Mateus quisesse comunicar a ideia da perpétua virgindade de Maria, ele simplesmente teria escrito: ‘Ma José jamais a conheceu’” (Crenças Populares – O que as pessoas acreditam e o que a Bíblia realmente diz, p. 249).

O Prof. Pedro Apolinário, mestre em línguas bíblicas pela Andrews University (EUA), opina sobre Mateus 1:25: “Segundo nossa sintaxe, as palavras até que pressupõem o fim de uma situação e o início de uma outra contrária”. – Leia e Compreenda Melhor a Bíblia, p. 58.

Portanto, Mateus 1:25, afirma que José não a conheceu (no sentido de ter tido relações sexuais) até que Jesus nasceu. Não fala sobre o permanecer virgem após o parto como diz o credo católico.



A família de Jesus

Um outro ponto relacionado à “Virgindade Perpétua” é a problemática da família de Jesus. Teve Maria filhos além de Jesus? Quem eram então os “irmãos” e “irmãs” de Jesus mencionados nos Evangelhos, a exemplo de Mateus 12:46? Três pontos de vistas têm sido mantidos:

a) Eram parentes de Jesus, uma vez que era um costume chamar parentes e amigos íntimos de irmãos.

b) Eram irmãos de Jesus literais, filhos de José e Maria.

c) Eram filhos somente de José e não de Maria, visto que José era viúvo quando casou com Maria.

Os Adventistas do Sétimo Dia tem optado pela terceira posição. O Comentário Bíblico Adventista sugere algumas evidências:

“O fato de Jesus ter confiado Sua mãe aos cuidados de João indica que os irmãos e irmãs de Jesus não eram propriamente filhos de Maria (Jo 19:26, 27) indica que os “irmãos” (e irmãs) de Jesus não eram filhos de Maria. A atitude e o relacionamento desses irmãos com Jesus mostram que eram mais velhos que Cristo. Eles tentaram impedi-Lo, trataram-No com escárnio (ver Jo 7:3, 4) e interferiram em sua missão (cf. Mc 3:31) de uma forma que apenas irmãos mais velhos ousariam fazer naquela época. Para alguém familiarizado com a vida nas terras bíblicas, esse argumento por si só parece conclusivo. Os registros dos evangelhos afirmam que os irmãos eram filhos de José, mas não de Maria. Embora esses “irmãos” não cressem em Jesus nessa ocasião (Jo 7:3-5), mais tarde, aceitaram-No e foram contados entre Seus seguidores (At 1:14)” (vol. 5, p. 418 e 419).


Este posicionamento é endossado pelo Espírito de Profecia. Ellen G. White afirma: “Seus irmãos, como eram chamados os filhos de José, tomavam o lado dos rabinos. Insistiam em que a tradição deveria ser atendida, como se fossem ordens divinas. (...)Tudo isso desgostava os irmãos. Sendo mais velhos que Jesus, achavam que Ele devia estar sob sua direção” (O Desejado de Todas as Nações, p. 86, 87).


O sexo é uma bênção de Deus

Ao analisamos a razão pela qual a Igreja Católica defende veementemente o dogma da perpétua virgindade de Maria, descobrimos que ela decorre da crença equivocada de que o sexo é pecaminoso. Foi Santo Agostinho que, influenciados por ideias pagãs, ensinou que o pecado original se transmitia através da procriação mediante relações sexuais.

“A associação de sexo com pecado fez surgir a ideai de que era inconcebível Maria ter mantido relações conjugais normais após o nascimento de Jesus. Para ser impecável e santa, Maria tinha de ser virgem antes e depois do nascimento de Jesus. Seu hímen precisava permanecer intacto durante e após o parto, a fim de ela alcançar o mais elevado estado de santidade. Essa ideia se consolidou na tradição do celibato para padres e freiras” (Samuele Bacchiocchi, Crenças Populares – O que as pessoas acreditam e o que a Bíblia realmente diz, p. 247).

A Palavra de Deus, entretanto, não apoia essa crença irrazoável. A freira Lucía Caram está completamente certa em sua defesa de que o sexo é uma bênção de Deus. Ele não é contra o sexo nem do prazer que dele decorre. Sexo não é e nunca foi pecado, desde que praticado dentro dos padrões bíblicos, dentro da vontade de Deus. O sexo é um dom que Deus dá às pessoas casadas para o prazer de ambos. Foi Ele quem fez o sexo e o deu de presente para o ser humano. Antes mesmo que houvesse pecado no mundo, Deus já tinha ordenado ao homem e à mulher: “Sejam férteis e multipliquem-se” (Gn. 1:28). E não havia outra forma para o homem e a mulher se multiplicarem senão por meio do sexo. Portanto, o sexo foi criado por Deus antes de qualquer pecado ter surgido no mundo. Tudo o que Deus criou é bom. É importante que se diga que, após a criação do ser humano como macho e fêmea, a Bíblia diz que Deus viu que “era muito bom” (Gn 1:31).

A respeito dessa avaliação positiva de Deus ao criar o primeiro casal, o Dr. Samuele Bacchiocchi afirma:

“Essa primeira avaliação divina da sexualidade humana como “muito boa” mostra que, para as Escrituras, as relações sexuais entre homem e mulher são parte da existência e perfeição da criação original de Deus. No entanto, o dogma da virgindade perpétua de Maria nega a concepção positiva da Bíblia a respeito do sexo, além de depreciar as mulheres que optam pelo casamento em vez do celibato. Nos ensinamentos católicos, uma mulher que se devota à família, educando os filhos no temor de Deus, dificilmente pode alcançar o estado de santidade de uma mulher que escolhe permanecer virgem para servir ao Senhor. Um ensino como esse jamais pode obter o apoio da Bíblia, que elogia mulheres consagradas a Deus como Ana por se dedicar à educação de Samuel (1 Sm 1 e 2)” (Crenças Populares – O que as pessoas acreditam e o que a Bíblia realmente diz, p. 248).

O restante das Escrituras confirma o que Gênesis revela acerca do sexo como bênção de Deus. A exemplo do livro de Provérbios que orienta seus leitores a desfrutarem do sexo: “Seja bendita a sua fonte! Alegre-se com a esposa da sua juventude. Gazela amorosa, corça graciosa; que os seios de sua esposa sempre o fartem de prazer, e sempre o embriaguem os carinhos dela” (Pv. 5:18,19).

A Bíblia também diz: “Desfrute a vida com a mulher a quem você ama” (Ec. 9:9). E não dá pra ler essa recomendação e entender que ela não inclui a intimidade sexual. Não podemos esquecer que Deus inspirou um livro inteiro da Bíblia para tratar desse tema: O Cântico dos Cânticos.

Além de tudo isso, Paulo ensina que cada cônjuge deve cuidar da satisfação sexual do outro: O marido deve cumprir os seus deveres conjugais para com a sua mulher, e da mesma forma a mulher para com o seu marido. A mulher não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim o marido. Da mesma forma, o marido não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim a mulher. Não se recusem um ao outro, exceto por mútuo consentimento e durante certo tempo, para se dedicarem à oração (...)” (1 Coríntios 7:3-5, NVI).

Diante do exposto, percebe-se claramente que o dogma católico da virgindade perpétua de Maria não tem sustentação bíblica, mas é baseada unicamente na tradição da Igreja, como reconhece o comentário católico da Bíblia de Jerusalém. “É uma superstição antiga imposta a devotos que nunca tiveram oportunidade de estudar esse assunto pela perspectiva da Bíblia” (Samuele Bacchiocchi, Crenças Populares – O que as pessoas acreditam e o que a Bíblia realmente diz, p. 254).

A minha oração é no sentido de que Deus mostre Sua vontade aos nossos queridos irmãos católicos, tornando claro para eles este e outros assuntos, por meio de Sua Palavra, a Bíblia Sagrada.

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