Teologia

sexta-feira, 20 de maio de 2016

O ANO MAIS TRISTE DA MINHA VIDA



Ricardo André

Desde que me tornei cristão adventista do sétimo dia, ainda na minha tenra idade, aos 11 anos, que amo a Bíblia Sagrada, e creio profundamente que ela é a Palavra de Deus, e que nela nosso compassivo Deus revelou Seu plano para salvar a raça caída. Sempre gostei de estudar as profecias do Antigo Testamento, notadamente as do livro do profeta Daniel. Contudo, tive dificuldade de compreender algumas partes do Antigo Testamento, porque, de fato, há algumas porções que são difíceis para nós de mente pós-moderna entender plenamente. Isso, porém, nunca abalou minha confiança nas Escrituras Sagradas como a Palavra revelada de Deus. Afinal de contas, sempre tive o entendimento de que, assim como em todo aspecto da vida natural encontramos coisas difíceis de entender, na Palavra de Deus, a qual nos revela realidades espirituais e sobrenaturais, há também partes difíceis de compreender.

A escritora cristã, norte-americana, Ellen G. White falou dessa verdade claramente: “Mesmo as mais simples formas de vida apresentam problemas que o mais sábio dos filósofos é impotente para explicar. Encontram-se por toda parte maravilhas que escapam à nossa concepção. Deveríamos, então, surpreender-nos ao verificar que no mundo espiritual existem também mistérios que não podemos sondar? Toda a dificuldade jaz na debilidade e estreiteza do espírito humano. Nas Escrituras, Deus nos deu suficientes provas de Seu caráter divino, e não devemos duvidar de Sua Palavra pelo fato de não podermos entender todos os mistérios de Sua providência” (Caminha a Cristo, p. 106).

Foi justamente no Velho Testamento que encontrei auxílio, ao saber que minha mãe Noêmia Cordeiro de Souza tinha sofrido um AVC e paralisado um lado do seu corpo. Após uma noite insone, em que fiquei preocupado com o estado de saúde dela, li pela manhã o Salmo 23, o famoso Salmo do Pastor. Enquanto lia, pensava: “Será que mamãe vai nos deixar? E se ela morrer? Tenho uma irmã com 13 anos de idade, que ainda precisa muito dela. Como será a vida de minha irmã mais nova Rayane Cordeiro, sem mamãe? Em meio a essa angústia li a expressão “(...) nada terei falta” (Salmos 23:1). E me concentrei na leitura: “O Senhor é o meu pastor; de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranquilas; (...) Sei que a bondade e a fidelidade me acompanharão todos os dias da minha vida, e voltarei à casa do Senhor enquanto eu viver” (Sl 23:1, 2 e 6, NVI).

Tinha esses versos memorizados, pois precisava de algo que amenizasse meus temores. E me apeguei durante todo o tempo em que minha mãe esteve doente. Todos os dias pedia a Deus que a curasse. Em 2002, recebi um telefonema de minha irmã Roberlane Cordeiro que informou que ela não estava bem, e que encontrava-se no hospital para submeter-se a uma cirurgia para a retirada de mioma. Ela falou que seu eu quisesse vê-la ainda com vida fosse lá. O pensamento de perdê-la doía tanto que eu mal conseguia puxar o fôlego entre um soluço e outro. Então clamei a Deus: “Senhor Jesus, Tu sabes o quanto eu desejo que minha mãe viva, por isso peço-Te que cures minha mãe. Eu não quero que mamãe morra, mas não sei como orar”.

Contei a situação de minha mãe as minhas duas amigas Vânia Higino e Luzinete Carvalho, que me orientaram a ir rapidamente ver minha mãe em Pernambuco. O valioso conselho daquelas irmãs em Cristo e amigas foi fundamental para que eu tomasse a decisão de ir ver minha mãe. Sou eternamente grato a essas preciosas amigas. Um dia depois da minha chegada ao Cabo, fui com meu irmão Roberval André visitá-la no IMIP (Instituto de Medicina Integral, em Recife). Ao chegar lá encontrei minha querida mãe. Que emoção! Que alegria para nós! Que abraços gostosos! Vi a alegria estampado no seu rosto por me ver ali. Lembro-me que ela nos apresentou para sua colega de quarto, com as seguintes palavras: “Esses são os meus dois gatos”! Mas, ao mesmo tempo fui tomado por um sentimento de tristeza ao ver minha mãe tão debilitada, com andar trôpego, resultante do derrame que havia sofrido. Eu contive minhas lágrimas. Eu não queria que ela me visse chorando, e aumentasse o seu sofrimento. Ela precisava da minha força naquele momento. Ficou vários dias naquele hospital. Sua pressão arterial estava descontrolada. Ela era hipertensa. Somente depois que a sua pressão foi controlada, os médicos puderam realizar a cirurgia para retirar o mioma. Minha mãe teve oito filhos e lutou por eles. Penso que ela lutou pela família, mais até do que por si mesma.

Aquele dia no IMIP marcou indelevelmente minha vida. Nunca vou esquecer aquele encontro. Foi o meu último encontro em que ela falava e estava lúcida. Meses depois sofreria o segundo, terceiro e quarto derrame que lhe tiraria sua capacidade motora, sua fala e memória.

Em junho de 2004, recebi um outro telefonema de minha irmã Roberlane Cordeiro. Usando quase as mesmas palavras dois ano antes, informou-me que nossa mãe ficou muito doente e que estava hospitalizada, que eu precisava ir ao Cabo de Santo Agostinho se quisesse vê-la ainda com vida. E Deus novamente usou um texto do Antigo Testamento para ajudar-me. Dessa vez foi o profeta Daniel. Li a corajosa resposta de Sadraque, Mesaque e Abednego deram ao rei, a caminho da fornalha de fogo ardente: “Se formos atirados na fornalha em chamas, o Deus a quem prestamos culto pode livrar-nos, e ele nos livrará das suas mãos, ó rei. Mas, se ele não nos livrar, saiba, ó rei, que não prestaremos culto aos seus deuses nem adoraremos a imagem de ouro que mandaste erguer" (Daniel 3:17,18, NVI).

As palavras de Sadraque, Mesaque e Abednego me deram coragem para orar: “Senhor, por favor, cura minha mãe. Tu tens poder para restaurar sua saúde. Mas, faça-se a Tua vontade. Não importa o que acontecer, continuarei a Te amar e a Te servir.”

No dia 20 de junho de 2004, viajei ao Cabo de Santo Agostinho/PE para ver minha mãe, que se encontrava em coma no Hospital São Sebastião.  Fui ao hospital vê-la nos dias 22 a 25. Ela não mais se movia nem falava. Ao vê-la naquele leito do hospital definhando e inerte tive a certeza de que minha mãe guerreira e batalhadora, e que amava muito estava bem próximo de encerrar sua vida aqui. A certeza de que aquela indesejada despedida estava chegando aumentava a cada dia de internação. Eu não queria que ela partisse, mas, no fundo, eu sabia que não sairia mais daquele hospital com vida.

Nessa hora difícil, eu precisava de Deus mais do que nunca. Abri a Bíblia e li: “(...) Transformarei o lamento deles em júbilo; eu lhes darei consolo e alegria em vez de tristeza” (Jeremias 31:13). No dia 25, fui pela tarde ao Hospital novamente. Quando cheguei no hospital, sentei ao lado do seu leito, peguei em sua mão, desabei.  Não consegui segurar. Chorei copiosamente. Eu queria orar, mas o que devia pedir? Então clamei: Senhor, salva minha mãe! Tenha misericórdia dela! Senti que a misericórdia do Senhor se estendeu sobre nós. Isso não mudaria minha dor, mas me ajudaria a suportá-la. Mais tarde, li Lamentações 3:22, que diz:  “As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim”.

Minha mãe faleceu na madrugada do dia 25 de junho de 2004, aos 53 anos. Infelizmente, tivemos que dizer adeus à mãe mais forte e maravilhosa que conheci. Não poderia estar mais impressionado por sua força e me sinto um afortunado por tê-la como minha mãe. Foi uma grande tristeza para mim, para meus irmãos, para sua mãe (que faleceu meses depois), seus irmãos e amigos. Ao longo do ano fartei-me de chorar. Eu havia vivido o ano mais triste e difícil da minha vida. E durante esse tempo Deus usou os profetas do Antigo Testamento para trazer-me conforto. Tenho a esperança bíblica de que um dia nos encontraremos, não muito longe, no Novo Céu e na Nova Terra. Caminharemos pelas ruas de ouro da Santa Cidade que Deus preparou para aqueles que O amam (Ap 21). Estaremos juntos por toda eternidade sem fim com o nosso compassivo Salvador Jesus e todos os remidos do Senhor.

Esta separação que nos causa tanta dor não será eterna. Quando nosso querido Jesus voltar em glória e Majestade poderemos reencontrar todos os nossos queridos que morreram em Cristo, se crermos em Jesus. Esta ESPERANÇA está baseada sobre um sólido e indestrutível fundamento... Sim, ela se baseia na realidade de um Cristo vivo (I Co 15:4). A ressurreição do Senhor é o fundamento de nossa esperança (I Ped. 1:3; I Co 15:12-19). Assim como Deus, o Pai, trouxe Jesus, nosso Salvador, dentre os mortos na manhã de Sua ressurreição no jardim, fora dos muros de Jerusalém, assim com Ele também trará nossos queridos mortos à vida novamente, quando voltar a segunda vez. Ela também está fundamentada no prometido e esperado retorno do Senhor à Terra (I Tes. 1:10; Atos. 1:10, 11).

Haverá, então, uma feliz e eterna reunião! Viveremos por toda a eternidade sem fim com todos os remidos de todos os tempos. No Mundo do Amanhã que Deus trará para todos os que crerem nele não haverá mais morte. Ele nos promete: “Ele enxugará de seus olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas." (Ap 21:4).

Fotos de minha mãe:








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