Teologia

domingo, 23 de novembro de 2014

QUANDO DEUS NÃO FAZ SENTIDO



Amin A. Rodor

E, passando os mercadores midianitas, os irmãos de José o alçaram, e o tiraram da cisterna, e o venderam por vinte siclos de prata aos ismaelitas; estes levaram José ao Egito. Gênesis 37:28

Alguma vez você já se sentiu injustiçado, enganado, em amargura e revolta, e para sua surpresa os reveses sofreram uma mudança? Já passou pela experiência em que tudo parecia perdido, mas novas circunstâncias mostraram outra leitura, e os desacertos foram revertidos em seu benefício? Você teve algum plano que deu errado e, em meio às vidraças partidas, foi possível compreender que precisamente o que era visto como perda tornou-se ganho? Para aqueles que estão nas mãos de Deus, buscando sinceramente viver conforme Sua soberana vontade, não há coincidências. Os “golpes do acaso” tornam-se pela ação divina coobreiros de Deus para executar Seus desígnios. Os cristãos têm uma palavra para isso: providência.

O histórico Catecismo de Heidelberg descreve a providência divina de maneira bastante determinista: “Pelo Seu permanente e infalível poder, Deus sustenta Céus, Terra e todas as criaturas, e assim os governa de tal forma que, cara ou coroa, chuva ou seca, anos de fartura ou períodos de fome, saúde ou doença, prosperidade ou pobreza, todas as coisas de fato nos vêm não por acaso, mas das mãos paternas.”

A história de José é uma das mais claras demonstrações da providência divina em ação. Lançado num poço pelo ódio obstinado de seus irmãos, ele é providencialmente salvo pela intervenção de Rúben, seu irmão mais velho. Aos 17 anos, é vendido a beduínos que surgem no momento exato. No Egito, ele é providencialmente vendido a um alto oficial de Faraó. Por sua integridade, contudo, é lançado na prisão. O presente e futuro não poderiam parecer mais escuros. Nenhuma perspectiva. A história parecia terminar ali. Indefeso em terra estranha!

Entretanto, quando o drama é visto em seu alcance mais longo, as linhas que parecem pontas soltas, sem qualquer relacionamento ou propósito, começam a tomar forma. Os eventos absurdos começam a seguir direção inesperada. Interpretando o sonho de Faraó, José torna-se o segundo homem do Egito. Como fica claro mais tarde, é precisamente sua intervenção que salva da morte por fome o povo que Deus escolhera como depositário de Seus planos. Não por sorte ou acaso, as peças do quebra-cabeça se encaixaram afinal. O bordado apenas estava sendo visto pelo avesso.

VINTE ANOS DEPOIS…

O arremate da história de José é de extraordinária beleza. Seus irmãos nem de longe poderiam fazer a conexão entre o irmão que eles haviam vendido e esse poderoso príncipe de autoridade ilimitada no Egito. Deus, não as escolhas humanas, havia levado José até onde ele estava. Aparentemente Deus estivera indiferente quando os irmãos o jogaram num poço, quando estrangeiros o venderam como escravo, quando as mentiras da Sra. Potifar acrescentaram novos sofrimentos às suas desgraças e o colocaram na prisão.

Mas cada fato nessa lista de eventos tinha leitura diferente das aparências. Precisamente os acontecimentos que pareciam golpes cegos do acaso levavam sua vida para mais perto da realização do propósito divino. Três vezes, na narrativa, José indica sua percepção da providência divina: “Não foram vocês, mas Deus.” Afinal, não foi a inveja de seus irmãos o fator decisivo. Eles foram atores menores. O principal ator do drama é o Altíssimo. Cada detalhe da história é utilizado nas malhas de um propósito superior, invisível e incompreensível aos olhos humanos.

Nisso não há nada de determinismo nem “carma” inescapável. A providência divina é vocabulário exclusivo das Escrituras cristãs. Note, Deus não tem qualquer sociedade com o mal. Quando as pessoas pecam, as falhas são exclusivamente suas. A parcialidade de Jacó foi seu pecado. Deus não forçou os irmãos de José a invejá-lo. Deus não é culpado pela licenciosidade da Sra. Potifar. Ele não foi responsável pela ingratidão do copeiro. Mas, sem que fosse culpado ou causador de tais males, de uma maneira misteriosa, nos conselhos de Sua providência, o Todo-poderoso não é tomado de surpresa. Seus planos não são frustrados pelo pecado ou a fraqueza humana. Em todos os pecados contra José, Deus pacientemente trabalha em favor dele, para a glória final de Seus propósitos.

É a compreensão da providência divina que capacita José a elevar-se acima de qualquer sentimento de vingança, revanche ou revolta. Se ele tivesse se tornado amargo, desafiador ou cínico, teria perdido a percepção das novas possibilidades. Tal compreensão também o torna humilde e grato, atribuindo a Deus todo o êxito de sua vida. José “lembrou-se dos sonhos” (Gn 42:9, ARC). Deus também nos deu um sonho glorioso: reinar com Cristo, afinal. E nada, a não ser nós mesmos, poderá frustrar esse sonho.

FONTE: Encontros com Deus [MD 2014], pp. 329 e 330.

Nenhum comentário:

Postar um comentário