DA DESILUSÃO AO DESPERTAR DA ESPERANÇA

Ricardo André

 “Eis que vem o Noivo!” (Mateus 25:6)

Hoje, 22 de outubro de 2025, completam-se 181 anos daquele dia memorável que marcou profundamente a fé de milhares de crentes sinceros: o Grande Desapontamento de 1844. Guilherme Miller (1782-1849), um agricultor, converteu-se à Igreja Batista e começou a estudar intensamente a Bíblia. Utilizando uma Bíblia e um material de estudo de textos bíblicos conhecido como Concordância de Cruden, conclui que o Santuário descrito na profecia de Daniel 8:14 referia-se à Terra e a purificação do mesmo ao retorno de Jesus. Fazendo uso de um método de interpretação de profecias bíblicas conhecido como princípio dia-ano (Números 14:34; Ezequiel 4:6), concluiu, depois de 16 anos de estudo das profecias (1816-1832) que as "2300 tardes e manhãs" referidas, iniciavam-se em 457 a.C e se cumpriam entre março de 1843 e março de 1844. Como o fato não ocorreu (a volta de Jesus), o retorno aos estudos sobre o assunto gerou uma compreensão mais acurada. Samuel S. Snow, ministro protestante milerita, concluiu que a purificação do santuário descrita na profecia ocorreria de acordo com o calendário judaico dos caraítas em 22 de outubro de 1844.

Miller sentiu o desejo de exclamar: “Não posso expressar a alegria que encheu meu coração!” (Miller, Apology and Defence, p. 12. Citado em A Visão Apocalíptica e a Neutralização do Adventismo, p. 33). Durante 14 anos Guilherme Miller pregara sua mensagem. Aproximadamente 50 mil pessoas em todos os Estados Unidos, aceitaram-na. Eles aguardavam com sinceridade a volta de Jesus. Todos acreditavam que finalmente havia chegado a hora da vinda do Salvador a este mundo, para terminar a triste história do pecado. A esperança daqueles crentes era tão forte que a própria morte não tinha poder sobre eles. Ellen G. White afirmou: “As alegrias da salvação nos eram mais necessárias do que a comida e a bebida. Se as nuvens nos obscureciam o espírito, não ousávamos repousar ou dormir antes que fossem varridas pela certeza de que éramos aceitos pelo Senhor” (Vida e Ensinos, p. 53).

Naquela data, homens e mulheres piedosos na América do Norte haviam deixado suas casas, empregos, plantações e até amigos, certos de que, ao cair da tarde, contemplariam o Salvador vindo nas nuvens dos céus. Que desejo ardente de ver o Senhor Jesus! Entre eles, encontrava-se a adolescente Ellen G. Harmon. A respeito desse dia de espera, ela escreveu: "Este foi o ano mais feliz de minha vida. Meu coração transbordava de alegre expectativa" (Testemunhos Para a Igreja, v. 1, p. 54). O dia tão esperado chegara. Não havia dúvidas. As últimas horas haviam sido gastas em fervorosa oração e reestudo da Bíblia, para confirmação das datas anunciadas na profecia. O dia era este, sem dúvida. O dia tão esperado; o dia da segunda vinda de Jesus Cristo.

DESILUSÃO

Mas, de repente, suas esperanças foram destruídas; suas certezas foram substituídas pela desorientação, porque o dia passou, e Jesus não veio. A noite caiu, e com ela o silêncio da dor, da confusão e das lágrimas. Aqueles fiéis experimentaram o mais amargo desapontamento da história cristã moderna. Em 23 de outubro, os mileritas decepcionados se viram em meio a uma crise de identidade repentina e inesperada.

C. M. Maxwell narra a intensa expectativa entre eles: “As sombras do acaso estendiam-se serena e friamente por toda a terra. As horas da noite passavam vagarosamente. Em desconsolados lares de mileritas, os relógios assinalaram doze horas da meia-noite – 22 de outubro havia terminado. Jesus não viera. Ele não voltara!” (História do Adventismo, p. 34).

Será que temos uma compreensão clara do que passaram aqueles primeiros “adventistas”? Compreendemos o significado da dor e da decepção que sofreram? Já pensamos o que significa caírem por terra todos os seus sonhos e a esperança da volta de Cristo desvanecer-se com o amanhecer do dia 23 de outubro, ao invés de raiar uma nova vida para os filhos de Deus? Foi um golpe terrível para os antepassados e pioneiros do Adventistimo. Aquela multidão de homens e mulheres pregava uma mensagem clara e inequívoca: Jesus voltará no dia 22 de outubro de 1844! É difícil compreender o grande drama experimentado pelos pioneiros naquela época.

EM BUSCA DE RESPOSTAS

Contudo, o que parecia o fim de um movimento de fé, foi, na verdade, o início de uma nova compreensão profética e de uma missão mundial. Na madrugada da desilusão, um pequeno grupo se voltou novamente à Palavra de Deus, buscando entender onde haviam falhado. E ao estudar as Escrituras constataram que a profecia de Daniel 8:14, sobre os 2.300 dias-anos, deveria realmente cumprir-se naquela data. Contudo, o acontecimento foi interpretado de forma equivocada. Eles compreenderam que a profecia não tratava da volta de Cristo e sim de eventos celestiais relatados no livro de Hebreus. Um desses grupos foi liderado pelo capitão aposentado José Bates e pelo casal Tiago White e Ellen G. White. Após o período sombrio do desapontamento, Ellen G. White relata: “Muitos de nosso povo não reconhecem quão firmemente foram lançados os alicerces de nossa fé. Meu esposo, o pastor José Bates, […] o pastor [Hiram] Edson e outros que eram inteligentes, nobres e verdadeiros achavam-se entre os que, expirado o tempo em 1844, buscavam a verdade como a tesouros escondidos. Reunia-me com eles e estudávamos e orávamos fervorosamente. Muitas vezes ficávamos reunidos até alta noite, e às vezes a noite toda, pedindo luz e estudando a Palavra” (Cristo em Seu Santuário, p. 10).

Depois de reexaminarem as profecias, esse grupo compreendeu que havia um santuário real no Céu (Hb 8:1-5; Ap 11:19) e que a “purificação do santuário” de Daniel 8:14 não tinha nada ver com a Terra, mas com o Santuário Celestial, do qual o santuário terrestre era cópia ou tipo, e que, ao invés de Jesus voltar nessa data, Ele entrou como nosso Sumo Sacerdote no segundo compartimento do Santuário celestial, o Santo dos Santos, para iniciar o juízo investigativo predito na profecia de Apocalipse 14:6 e 7, e antes prefigurado no ritual do Dia da Expiação do santuário terrestre (Lv 16).

“Levítico 16 trata de um ritual de “purificação” do santuário israelita, incluindo a “purificação” (taher) de seu altar externo (v. 19), mediante as aplicações do sangue sacrifical pelo sumo sacerdote. Essa remoção de pecados e impurezas no comando central terreno de Deus representa a restauração ou a justificação do Seu santuário. O governo de Deus só é vindicado quando ele reconfirma as pessoas leais a quem já perdoou ao longo do ano (ver Lv 4-5) e quando rejeita aqueles que cometeram “transgressão” (Lv 16:16). [...] Depois de uma primeira fase de expiação, na qual Deus perdoava os israelita arrependidos que levavam ao santuário os sacrifícios durante todo o ano (Lv 4:20, 26, 31, 35; etc.), ocorria o Dia da expiação, que era uma espécie de segunda e última fase de expiação. Essa segunda fase purificava o santuário dos pecados do povo, representando o fato de que Deus como juiz foi vindicado, isentado da responsabilidade judicial na qual havia incorrido por perdoar pessoas culpadas (ver 2Sm 14:9), atitude que um juiz justo não adota (Dt 25:1; 1 Rs 8:32). O supremo sacrifício de Cristo, para o qual apontavam os sacrifícios de animais ao longo do ano e no Dia da Expiação, torna possível que Deus seja ao mesmo tempo justo e justificador (mediante o perdão) daqueles que creem (Rm 3:26). (Roy E. Gane. “O Que é a ‘Purificação do Santuário’ de Daniel 8:14?”, Interpretando as Escrituras. Tatuí, SP: CPB, 2019, p. 213.

Portanto, estamos vivendo no antitípico Dia da Expiação, em que Cristo, como nosso Sumo Sacerdote, entrou no Lugar Santo dos Santos ou santíssimo, em 1844, para realizar a segunda e última fase de Sua obra de expiação (purificação) dos pecados do seu povo registrados nos livros no Céu (Hb 8:1, 2; 7:25). “Quando, portanto, se ouve um adventista dizer, ou se lê na literatura adventista, mesmo nos escritos de Ellen G. White, que Cristo está fazendo expiação agora, deve-se compreender que queremos dizer que Cristo está agora fazendo aplicação dos benefícios da expiação sacrifical que efetuou na cruz; que está tornando eficaz para nós individualmente, conforme nossas necessidades e petições” (Questões sobre Doutrina. “Expiação Sacrifical Provida e Aplicada”. Tatuí, SP: CPB, 2009, p. 260).

SURGIMENTO DO REMANESCENTE FIEL

Aqueles crentes entenderam que essa era uma parte importante do plano de salvação. A partir disso, no devido tempo, surgiu um grande movimento religioso mundial: A Igreja Adventista do Sétimo Dia, que hoje conta com cerca de 22 milhões de membros em mais de 130 paises. Esta recebeu uma grande missão: Anunciar a última mensagem de salvação a todo mundo. Ultrapassar os limites territoriais, culturais e linguísticos para alcançar toda a população da Terra, apresentando a tríplice Mensagem Angélica descrita em Ap 14:6-12, e chamar a atenção do mundo para o juízo e Sua segunda vinda. Para isso fundaram-se instituições médicas e educacionais em muitas parte do Globo. Foram erigidas igrejas, escolas, hospitais e casas publicadoras para ajudar a levar o evangelho eterno a toda não, tribo, língua e povo. Essa Igreja encara com seriedade a ordem: “Importa que profetizes novamente” (Ap 10:11).

Ellen G. White, co-fundadora da Igreja Adventista, afirmou: “Em sentido especial foram os adventistas do sétimo dia postos no mundo como atalaias e portadores de luz. A eles foi confiada a última mensagem de advertência a um mundo a perecer. Sobre eles incide maravilhosa luz da Palavra de Deus. Confiou-se-lhes uma obra da mais solene importância. (...) Não devem eles permitir que nenhuma outra coisa lhes absorva a atenção” (Testemunhos Seletos, vol. 3, p. 288).

Assim, o movimento milerita não morreu - ele foi purificado, iluminado e transformado na mensagem adventista que hoje alcança o mundo inteiro.

Aquela decepção não foi um fracasso, mas uma provação da fé - semelhante à dos discípulos após a crucifixão de Cristo, que acreditavam que Jesus iria estabelecer Seu reino terrestre nos seus dias, o que, obviamente, não aconteceu, gerando profunda decepção nos discípulos (Lc 24:21; At 1:6). Após terem estudado cuidadosamente as Sagradas Escrituras e logo capacitados pela graça de Deus, fundaram um novo movimento religioso, a Igreja Cristã. O choro da noite de 1844 tornou-se o alvorecer de uma esperança eterna, pois dali nasceu o povo que guarda os mandamentos de Deus e tem a fé de Jesus (Ap 14:12).

Seis semanas depois do desapontamento de 22 de outubro de 1844, Guilherme Miller escreveu muitas linhas que ainda guiam minha jornada como fiel adventista. Ele escreveu: "Tenho fixado minha mente em outro tempo, e pretendo permanecer aqui até que Deus me conceda mais luz - para hoje, hoje e hoje, até que Ele venha e eu possa ver Aquele por quem minha alma tanto anseia" (The Midnight Cry, 5 de dezembro de 1844, p. 180. In: Revista Adventista, Outubro 2019, p. 19).

Hoje completamos 181 anos desse dia do Desapontamento. Com base nos capítulos 7 a 9 de Daniel, temos anunciado que o juízo investigativo que precede a segunda vinda de Cristo começou em 1844 e será concluído pouco antes desse glorioso evento. “Esse juízo procura essencialmente vindicar o povo de Deus, conforme se vê em Daniel 7, onde os santos são julgados e absolvidos. O povo de Deus permanece num atitude de completa dependência de Deus nas circunstâncias mais angustiosas. Os registros de sua vida são examinados e seus pecados, apagados; ao mesmo tempo, o nome dos falsos crentes é retirado dos livros (cf. Êx 34:33; Lv 23:29, 39). Aqueles cujo nome é conservado nos livros, inclusive os santos mortos, herdam o reino (Dn 7:22; 12:1, 2). Assim o santuário é purificado.” (Ângel M. Rodriguez, “O Santuário”, Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia. Tatuí, SP: CPB, 2011, p. 455, 456).

Quando essa obra investigativa terminar, é proferida a sentença de juízo. Então, Jesus virá como justo juiz para executar a sentença.

Ao lembrarmos os 181 anos daquele dia histórico, somos convidados a refletir: Quantas vezes também nós nos sentimos desapontados quando Deus não age como esperamos? Quantas vezes o silêncio divino parece ser o fim, quando, na verdade, é o começo de algo maior?

O Grande Desapontamento nos ensina que Deus nunca erra nos Seus planos - Ele apenas cumpre Suas promessas no tempo certo. O que para nós é atraso, para Ele é preparação.

Caro amigo leitor, que esta data não seja lembrada com tristeza, mas com gratidão e fé renovada. Pois o mesmo Cristo que não veio em 1844 virá em breve, agora de forma visível, gloriosa e triunfante (Mt 24:30, 31; Ap 1:7). Continuemos a aguardar a volta de Jesus. Ele virá! Que possamos ouvir dos lábios do Mestre as boas-vindas para a eterna Pátria celestial.

Que possamos, como os pioneiros, manter acesa a chama da esperança e proclamar com convicção:

“Ainda que tenha havido desapontamento, a mensagem é verdadeira. O Noivo vem! Preparemo-nos para encontrá-Lo!”

Oração:

Querido Deus e bom Pai que estás no Céu, obrigado pelos homens e mulheres que, mesmo em meio à decepção, permaneceram fiéis à Tua Palavra. Dá-nos hoje o mesmo espírito de perseverança e fé. Que o Grande Desapontamento nos lembre que Tu sempre transformas lágrimas em vitória. Conserva em nós a esperança viva da Tua volta. Em nome de Jesus, amém.

 

 

 

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