Teologia

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

HÁ ESPERANÇA PARA OS FILHOS QUE DEIXARAM A IGREJA?


 Ricardo André

Texto bíblico: Provérbios 6:20-22; 22:6

No salmo 127:3 o salmista declara serem os filhos “herança do Senhor”, legada aos pais. Certamente, como cristãos, devemos considerar os filhos como presentes de Deus. Depois da vida em si (tanto temporal como eterna), são os mais maravilhosos de todos os presentes. As Escrituras Sagradas consideram os filhos como presente de Deus. Realmente, os filhos pertencem a Ele; assim, os pais são responsáveis a Deus pelo modo de tratar essa descendência.

Nessa mesma linha de pensamento, Ellen G. White escreveu: “Os filhos são herança do Senhor e Lhe somos responsáveis pela administração de Sua propriedade” (O Lar Adventista, p. 159). Portanto, os pais devem sempre se lembrar a quem os seus filhos realmente pertencem. Este é certamente um caso em que nenhum de nós quer ser julgado “administrador infiel” (Lc 16:8).

Se os filhos são herança do Senhor e nós, pais, somos mordomos, Ele espera que administremos bem essa propriedade preciosa. Uma das formas de cuidar da herança do Senhor, que são nossos filhos, é cumprir em relação a eles a missão que Deus nos incumbiu: “Instrua a criança segundo os objetivos que você tem para ela, e mesmo com o passar dos anos não se desviará deles” (Pv 22:6, NVI). Segundo o texto sacro, a missão dos pais é, por meios do exemplo, palavras e pela experiência, instruir os filhos a respeito dos valores e princípios do evangelho, conduzindo-os a Jesus. É ensiná-los a amarem a Jesus e a tornarem-se discípulos Dele.

Nesse sentido, Ellen G. White escreveu: “Aos pais é comissionada a grande obra de educar e preparar os filhos para a vida futura e imortal. [...] Nenhuma obra jamais empreendida pelo homem requer maior cuidado e habilidade que o devido ensino e educação dos jovens e das crianças” (Orientação da Criança, p. 38, 39). Tal educação tem um efeito eterno. O apóstolo Paulo parece ter se referido a esta passagem quando elogiou Timóteo por sua educação desde criança no conhecimento das “Sagradas Letras, que [podiam torná-lo] sábio para a salvação” (2 Tm 3:15).

A serva do Senhor escreveu esse pensamento poderoso: “[...] Trabalhem igualmente os pais para a família com amor, fé e oração, até que possam ir a Deus com alegria e dizer: ‘Eis-me aqui com os filhos que me deu o Senhor’” (O Lar Adventista, p. 159).

Parafraseando o que a filha de Faraó disse à mãe de Moisés (Êx 2:9), penso que Deus diria algo parecido a cada pai e mãe: “Toma esta criança e cria-a para Mim; Eu te darei a tua recompensa”. Entendemos que os pais têm para com os filhos grande responsabilidade porque, antes de tudo, eles pertencem a Deus, e só depois aos pais. Mas tenhamos a certeza de que se formos mordomos fieis ao educar nossos filhos nos caminhos do Senhor, Ele nos recompensará com o título de “servo bom e fiel”. E ainda nos dirá: “Você foi fiel no pouco; eu o porei sobre o muito. Venha e participe da alegria do seu senhor!” (Mt 25:21, NVI).

Se os nossos filhos são propriedades de Deus. Ele espera que os filhos voltem são e salvos para Suas mãos.

Voltando ao texto de Provérbios 22:6, note que o verso diz que se os pais educarem bem os filhos, estes não se desviarão das instruções quando tornarem-se adultos. Em outras palavras, o filho que recebe a educação correta normalmente não se perde. No entanto, o ensino dos pais não é a única influência na vida de uma criança. Na adolescência, os pais já não serão as únicas influências na vida dos filhos Terão que competir pela alma deles com o celular, com os amigos, com a escola e com outras influências na vida dos filhos. E estes, por sua própria vontade, podem frustrar o princípio geral registrado em Pv 22:6. Infelizmente, um filho que recebeu o preparo correto em casa pode ceder a outras influências. O texto declara um princípio geral para o qual existem exceções, a exemplo de Caim, Esaú e Judas.

As estatísticas não estão a favor dos pais. Uma pesquisa Gallup, de três décadas atrás, informava que 46% das crianças deixam de participar na igreja em algum ponto da vida. A incidência maior acontece no período da adolescência. Pesquisa mais recente da Bible-Science Association, refletindo o mundo evangélico em geral, afirma que de cada 20 crianças que nascem em família cristã apenas duas chegam ao Ensino Médio ainda participando da igreja.

Não podemos esquecer que Deus dá liberdade de escolha às pessoas. Neste sentido, todos decidimos nosso próprio destino. Embora esperemos que nossos filhos sigam os caminhos que escolhemos, eles devem decidir por si mesmos receber as bênçãos do evangelho.  Muitas vezes os pais fazem todo o necessário para ensinar suas crianças sobre os valores bíblicos, e quando eles crescem decidem abandonar a igreja. Nesse caso, não podemos culpar necessariamente os pais de negligência ou da educação deficiente quando os filhos abandonam o caminho do Senhor. O próprio Deus perdeu um terço de sua família divina sem que tivesse qualquer culpa.

A questão de capital importância é: Há esperança para os filhos que abandonaram a Cristo e sua igreja? Como lidar com essa realidade dolorosa? Há várias coisas que podemos fazer.

Minha experiência com meu filho

Quando eu e minha esposa, Ana Claudia, descobrimos que ela estava grávida, em abril de 2006, sentimos um misto de emoções inexplicável. Vibramos de alegria ao saber que seríamos pais. Meses depois, a ultrassonografia revelou que a criança em gestação era um menino. Ao passo que sentíamos uma gratidão enorme pelo presente que Deus estava nos dando, sentíamos o peso da responsabilidade de educar o bebê vindouro nos caminhos do Senhor.

Passados os meses de gestação, tomados por uma enorme ansiedade de tê-lo em meus braços, chegou o dia da chegada de Martin Luther King. Em 29 de dezembro de 2006 ele nasceu. Fiz todos os esforços necessários para transferir para ele os valores cristãos, conforme as Escrituras Sagradas nos orientam. Antes mesmo dele nascer comprei o CD “Nana Nenê”, da saudosa cantora Zilda Azevedo. Ainda no ventre da mãe ele já ouvia as lindas e suaves músicas desse CD. Quando nasceu continuou ouvindo essas preciosas canções de ninar. Inúmeras vezes ele dormiu nos meus braços ouvindo essas canções. A medida que ele ia crescendo, comprei outros Cd’s e DVD’s de músicas infantis produzidos pela igreja. Lembro-me da primeira Bíblia para criança, da CPB, que comprei. Contei para ele repetidas vezes as histórias bíblicas contidas naquela Bíblia. Além da Bíblia, líamos para ele a Lição da Escola Sabatina. Sempre fiz a assinatura da Lição. Fazíamos o culto familiar todas as manhãs, e na sexta-feira realizávamos o culto duas vezes: um pela manhã e o outro ao pôr-do-sol, para recebermos o sábado de Deus.

Em janeiro de 2015, com oito anos de idade, colocamos ele no Clube de Aventureiros “Maravilhas do Mar”, da IASD Central de Lagarto. Nesse mesmo ano, ele pediu para ser batizado. Seu batismo ocorreu em setembro, no batismo da Primavera. Aquele dia marcou indelevelmente nossas vidas. Foi muito emocionante ver meu filho entregar a sua vida a Jesus. Até hoje quando assisto o vídeo do seu batismo me emociono bastante.

Aos 10 anos, matriculamos ele no Clube de Desbravadores “Reino Marinho”, da IASD Central de Lagarto. Lá, permaneceu até aos 15 anos. Quando completou os 16 anos, em 29 dezembro de 2022, pediu para sair do clube, o que me deixou bastante preocupado, porque seu afastamento do clube era um sinal de seu desinteresse pelas coisas de Deus. De fato, a partir daquele momento Martin já não sentia mais prazer em participar da Classe de adolescentes no sábado. Depois, não quis mais frequentar assiduamente os cultos aos sábados. Não obstante ter ensinado hábitos de oração e estudo da Bíblia, hoje, infelizmente, Martin não faz orações a Deus, não estuda a Lição da Escola Sabatina, não ler sua Meditação Diária e vai à igreja somente aos sábados, e ainda assim esporadicamente. A cada sábado que ele deixa de ir à Igreja eu tenho muitas preocupações dele deixar a Jesus e sua igreja. Oro a Deus todos os dias para que Ele faça com que Martin restabeleça sua trajetória espiritual.

Fizemos de tudo para que Martin pudesse ser hoje um cristão espiritual, um discípulo de Jesus. Mas, parece que nada funcionou. Vez por outra, minha cabeça gira de preocupação, meu coração se enche de culpa e angústia, achando que eu fracassei como pai cristão. Muitas pessoas compartilham essa mesma experiência que estou vivenciando. Quando os filhos se afastam do caminho do evangelho, isso pode ser algo muito difícil de lidar para os pais que permanecem fiéis. Para alguns pais restam apenas as memórias nostálgicas daquilo que a religião significou para os filhos. Com fervor, esses pais oram ao Senhor e pedem pelo retorno de suas sempre crianças à casa de Deus. Martin não saiu da igreja completamente, mas está no caminho que o levará a isso. Sinto que ele está rejeitando nosso estilo de vida cristão.

O casal White e a dificuldade com seu filho

James Edson White era o filho mais velho dos dois filhos vivos do casal White. Ele era um filho muito difícil e possuía grave deformação de caráter. Era desobediente, mentiroso e também gastador, não tinha prazer nas coisas de Deus mas encontrava sua satisfação nas coisas do mundo. Além de tudo isso, não era um cristão espiritual. Todas essas características de Edson, deixava Ellen White cheia de muitas preocupações. Às vezes, ela perdia o sono pensando nos erros que poderia ter cometido na educação dele.

Um dia ela teve um encontro com ele para dar-lhe algumas orientações a respeito de sua vida espiritual. Aquele encontro dela com seu jovem filho foi muito difícil. No seu Diário, ela escreveu: “Tive uma conversa com Edson. Senti-me excessivamente aflita, achando que isto não estava sendo conduzido de maneira sábia” (DOUGLAS, Herberty E. Douglass, A Mensageira do Senhor [CPB, 2003], p. 59). Preocupada com a vida espiritual de Edson, Ellen escreveu uma emocionante carta maternal para ele em 13 de fevereiro de 1867. Ele tinha 18 anos. Disse: “Fico muito mais ansiosa para que você se torne um cristão humilde do que para que alcance uma posição exaltada neste mundo. Preocupo-me com o desenvolvimento de um caráter digno da vida melhor. É apenas uma questão pequena você se qualificar para viver esta curta vida. É a vida por vir, a vida sem fim que deve tomar conta de suas mais elevadas aspirações. Seria esta curta vida sofredora tão relevante a ponto de obscurecer todo o valor da vida imortal prometida sob a condição da obediência fiel? Edson, você se entregará a Deus sem reservas? Buscará desenvolver um bom caráter cristão? […] Que o seu nome seja escrito no Livro da Vida do Cordeiro como um dos fiéis e devotos soldados Dele, é tudo que eu peço. É por isso que oro todos os dias. Edson, você se voltará para seu Redentor com todo o propósito de seu coração?” (Carta 4, 1867).

“Ao longo de seus 44 anos, ele nunca mostrara sinais de conversão completa em sua vida pessoal e em seus negócios, mas sua mãe nunca desistira dele. Em maio de 1893, Edson escreveu para a mãe que não tinha “a mínima inclinação religiosa” e estava pensando em sair da igreja. Ellen White ficou chocada ao ler que o filho estava dando as costas a tudo aquilo que ela procurara lhe ensinar durante a sua vida” (Enciclopédia Ellen G. White [Tatuí: CPB, 2018], p. 78).

Da Austrália, Ellen White, em resposta, escreveu uma carta para seu filho, onde relata um sonho, em que seu filho encontrava-se na praia com mais quatro jovens, quando foi arrastado por uma grande onda. Enquanto se debatia em meio às ondas, Ellen acordou ao ouvi-lo dar um grito agudo de medo.

Aquela carta de Ellen White foi a virada de chave na vida de Edson. Quando ele recebeu a carta, um mês depois, sua atitude começou a mudar. “No dia 10 de agosto, contou à mãe que começara a deixar de lado “as diversões e os prazeres” que antes eram a única fonte de sua “satisfação”. [...] Em 11 de agosto, escreveu para o irmão Willie: ‘Comecei o caminho que leva à vida eterna e encontrei o Salvador’” (Idem, p. 79). Edson White se encontrou com Jesus e se converteu, tendo sua vida transformada.

Ele escreveu uma carta para sua mãe relatando sua experiência de conversão. Quando Ellen leu essa carta, ficou assaz feliz e escreveu: “Hoje recebemos sua carta e estamos alegres demais por você ter de fato feito sua entrega a Deus. Estou mais feliz do que consigo expressar porque você em simplicidade de fé, aceitou a Jesus e não estou surpresa de que tenha resolvido fazê-lo de uma vez por todas” (Idem, p. 79). Depois daquela experiência com Jesus, Edson continuou enfrentando seus problemas pessoais, mas permaneceu firme ao lado de Jesus.

Edson foi ordenado pastor e destacou-se compondo hinos para a Escola Sabatina. Publicou seis hinários sozinho e mais sete em associação com seu primo F. E. Belden, além de um periódico sobre música, chamado Musical Messenger. Sua maior contribuição foi a obra evangelística entre os negros do sul, a qual consistiu em “uma bênção para as pessoas pelas quais trabalhou, para a igreja e para a sua mãe, que se empolgava com sua missão de fé em um campo negligenciado.” Por meio de sua vida transformada, Edson foi um testemunho em resposta à ‘angústia, o amor e a perseverança’ de sua mãe” (Idem, p. 79). Apesar de uma personalidade excêntrica e turbulenta, Edson tornou-se um pioneiro gigante. Morreu em 3 de junho de 1928, firme na fé de Jesus.

Queridos irmãos e irmãs, existe alguém em sua família que necessita de uma experiência de conversão ou reconversão? Você dedicou tempo, esforço e sacrifício na educação dos filhos, mas ainda assim não colheram os frutos desejados?  É possível que haja até mesmo uma pessoa bem próxima a você. A experiência de Edson e de sua conversão enche de esperança em relação a nossos próprios entes queridos, que andam vacilantes na fé ou que abandonaram a igreja. Há esperança para nossos filhos que estão distantes de Deus e sua igreja.

Há três declarações poderosas de Ellen G. White a respeito do interesse e do esforço de Deus para trazer de volta aqueles que deixaram o aprisco do Senhor: “Quando a tempestade da perseguição realmente irromper sobre nós, […] muitos que se desviaram do aprisco retomarão para seguir o grande Pastor” (Testemunhos Para a Igreja [Tatuí: CPB, 2007], v. 6, p. 401). “O amor de Deus anela sempre aquele que Dele se afastou, e põe em operação influências para fazê-lo tornar à casa paterna. […] Uma cadeia dourada, a graça e compaixão do amor divino, é atada ao redor de toda pessoa em perigo” (Parábolas de Jesus [Tatuí: CPB, 2018], p. 202). “O Céu aguarda e anela a volta dos pródigos que vagueiam longe do rebanho. Muitos dos que se extraviaram podem ser trazidos de volta, pelo amoroso serviço dos filhos de Deus” (Nos Lugares Celestiais [MD 1968], p. 10).

Há muitas lições na maneira que Ellen White lidou com Edson White. À semelhança dela, não podemos desistir de nossos filhos(as). Continuemos a amá-los. Eles não precisam de outro estudo bíblico, de sermões! O que eles precisam, o que todos nós precisamos, é amor e compreensão, não julgamento. Se continuarmos amando nossos filhos e outros entes queridos como eles são hoje, podemos ainda ter a esperança de que retornarão a uma vida centralizada no evangelho. Com frequência os familiares retornam após um período de afastamento. Como o filho pródigo da parábola contada por Jesus (Lc 15:11-32), eles se dão conta de que sua antiga vida lhes proporcionou boas mensagens e princípios, e adotam novamente esses valores. Precisamos comemorar as boas qualidades deles e os momentos felizes que passamos com eles. Devemos aceitar o princípio de que nossos familiares são abençoados com o livre-arbítrio, seja como for que o usarem.

Mas, sobretudo, os pais precisam continuar orando a Deus para que eles tenham um encontro especial com Jesus e retornem para a casa do Pai. A experiência com a oração nos ensina a lembrar o quanto nossos filhos são preciosos para o Pai Celestial, o que ajuda a aliviar nossa dor. A oração nos proporciona uma compreensão muito útil do que fazer e do que dizer. Também nos ajuda a encontrar consolo. Sobre o poder da oração de uma mãe, Ellen White escreveu: “O poder das orações de uma mãe não pode ser demasiadamente estimado. Aquela que se ajoelha ao lado do filho ou filha, em suas dificuldades da infância, nos perigos de sua juventude, não saberá senão no juízo a influência de suas orações sobre a vida de seus filhos” (O Lar Adventista [Tatuí: CPB, 2005], p. 266).

Queridos jovens, hoje é um bom dia para refletir nos sábios conselhos recebidos de seus pais e de outros cristãos verdadeiros. Pela graça de Deus, o dia de hoje pode ser um novo começo em sua vida! Nossa família deve permanecer unida ao longo de toda a eternidade! Por que não fazer nosso melhor para reconstruí-la ou fortalecê-la em torno dos valores bíblicos que um dia aceitamos?

 

 

 

 

 

 

 

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