Teologia

sexta-feira, 23 de junho de 2023

SOLUÇÃO PROBLEMÁTICA

Gary Tolbert

O divórcio e tudo o que é decorrente dele, não raro, são experiências mais destrutivas e angustiosas do que os problemas conjugais que o motivaram

Deus instituiu o casamento com o objetivo de prover amizade, companheirismo, apoio e amor para nossa vida. “Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tomando-se os dois uma só carne.” (Gên. 2:24). Lamentavelmente, algumas pessoas têm sofrido angústia e perda no casamento. O amor que deveria gerar poder e vida no relacionamento conjugal nem sempre é suficiente para conservar o casamento vivo.

Às vezes alguns chegam à conclusão de que não podem mais viver com o respectivo cônjuge. Podem até continuar se amando, mas acham impossível continuar vivendo juntos. A grande pergunta é: seria o divórcio a solução?

A opinião bíblica

Em Deuteronômio 24:1, lemos, entre outras coisas, que um homem pode separar-se da esposa se achar “coisa indecente nela”. Porém, o que seria essa “coisa indecente”? Na tentativa de responder essa pergunta, existem duas escolas de pensamento. A escola de Rabi Shammai defende o pensamento de que a frase se refere a pecado sexual. Para Rabi Hillel, a frase diz respeito a qualquer coisa que o esposo não aprecie na esposa, como até o fato de ela ter queimado a comida.

O que disse Jesus? Sua resposta está em Mateus 19:4-9. É bom lembrar que Ele não a começa com a ideia presente em Deuteronômio, mas com a criação. “Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher, e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne? De modo que já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.” (Mat. 19:4-6).

Então os fariseus contestaram: “Por que mandou, então, Moisés dar carta de divórcio e repudiar?” (Mat. 19:7). Ao que Jesus respondeu: “Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossa mulher; entretanto, não foi assim desde o princípio. Eu, porém, vos digo: Quem repudiar sua mulher, não sendo por causa de relações sexuais ilícitas, e casar com outra comete adultério.” (Mat. 19:8 e 9).

É interessante notar a tendência da questão levantada pelos fariseus. Eles usaram a palavra “mandou” para descreverem a abordagem de Moisés sobre o assunto. Mas Jesus contrapôs o uso dessa palavra com o termo “permitiu”. De acordo com o Mestre, o divórcio foi permitido por causa da dureza do coração das pessoas. Mas, no verso nove, Ele afirma que a única base para divórcio é o adultério. Primeiramente, o Senhor mostrou o ideal para o casamento. Depois, a exceção. Frequentemente estamos enfatizando a exceção e esquecendo o ideal realçado pelo Mestre.

Atualmente, muitas pessoas nem querem considerar o ideal. Em muitos casos, por qualquer razão elas desejam o divórcio. Parece haver pouca disposição para exercitarem o que é básico para qualquer relacionamento duradouro: a paciência. Se os casais desenvolvessem tal virtude em favor do relacionamento, ao invés de gastar energia no processo de um divórcio, haveria muito menos separações.

O pastor e colunista cristão George Crane conta de uma senhora que o procurou em seu escritório, cheia de ira contra o esposo. “Eu não quero apenas me separar dele. Quero fazer isso já. Quero fazê-lo sofrer tanto quanto ele o fez a mim”, disse ela.

O Dr. Crane sugeriu então à mulher que ela voltasse para casa e tentasse agir como se amasse o marido. E aconselhou: “Diga-lhe o quanto ele significa para você. Elogie-o por algum traço característico agradável. Seja o mais bondosa e generosa possível. Não poupe esforços para agradá-lo. Faça-o crer que você o ama. Depois de convencê-lo de seu amor eterno e de que você não pode viver sem ele, jogue a bomba. Peça o divórcio. Isso realmente o fará sofrer.”

Com um brilho de vingança nos olhos, ela sorriu e exclamou: “Maravilhoso! Fantástico!” E saiu para cumprir a tarefa. Durante dois meses, ela demonstrou amor, bondade, esteve pronta para ouvir e partilhou. Como nunca mais voltasse ao escritório, o Dr. Crane telefonou-lhe: “E então? Já estão prontos para o divórcio?” A mulher respondeu: “Que divórcio? Não vamos nos separar nunca. Descobri que realmente amo o meu esposo.”

Estranho como isso possa parecer a muitas mentes contemporâneas, a atitude da mulher mudou seus sentimentos. A habilidade para amar é desenvolvida não tanto através de promessas fervorosas como por ações repetidas.

Não surpreende que Deus não aprecie o divórcio. Falando de seu relacionamento com Israel, a Bíblia assegura: “Porque o Senhor, Deus de Israel, diz que odeia o repúdio…” (Mal. 2:16).

Abandono e abuso

As pessoas geralmente apresentam duas outras razões para o divórcio; e garantem que elas são bíblicas.

A primeira razão é o abandono. Paulo fala a respeito disso: “Ora, se alguém não tem cuidado dos seus e especialmente dos da própria casa, tem negado a fé, e é pior do que o descrente.” (I Tim. 5:8).

“Aos mais digo eu, não o Senhor: se algum irmão tem mulher incrédula, e esta consente em morar com ele, não a abandone; e a mulher que tem marido incrédulo, e este consente em viver com ela, não deixe o marido. Porque o marido incrédulo é santificado no convívio da esposa, e a esposa incrédula é santificada no convívio do marido crente. Doutra sorte, os vossos filhos seriam impuros; porém, agora, são santos. Mas, se o descrente quiser apartar-se, que se aparte; em tais casos, não fica sujeito à servidão nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem chamado à paz.” (I Cor. 7:12-15).

Juntando essas passagens, alguns indivíduos concluem que se uma pessoa abandona ou negligencia seriamente sua família, é considerada um descrente. O cônjuge abandonado, tal como o descrente, estaria livre para divorciar e casar de novo.

Na verdade, há muitos tipos de abandono. Mas esquecer coisas importantes não é abandono. Falhar nos negócios ou na educação dos filhos, nem sempre significa abandono. Abandono é negligenciar seriamente a família. É mais que estar muito ocupado com outras coisas, ou ser irresponsável. É negligenciar e, acima de tudo, não estar presente. É desistir de sustentar a família.

Outra razão apresentada para justificar o divórcio e o novo casamento é o abuso. Estamos pensando no abuso físico, que poderia transcender o mau tratamento sexual. O cônjuge praticante do abuso físico em sua família está longe de demonstrar um comportamento cristão digno. Pelo contrário, revela falta de amor e da presença do Espírito Santo na vida.

Nos dias do Antigo Testamento, havia a lei de retaliação: “Quem matar um animal restituirá outro; quem matar um homem será morto. Uma e a mesma lei havereis, assim para o estrangeiro como para o natural; pois Eu sou o Senhor, vosso Deus.” (Lev. 24:21 e 22).

É interessante que Jesus explicou essa lei de modo diferente: “Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: Não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra” (Mat. 5:38 e 39).

Quando uma pessoa vive com o abusador, ela pode ser compelida a voltar a outra face muitas vezes. Mas isso pode se tomar mortalmente perigoso. Porventura estava Jesus sugerindo que alguém, vítima de abuso no casamento, arriscasse a sua vida ao dar a outra face para abusos posteriores? Não penso que Cristo tinha isso em mente. Ele estava falando sobre os abusos políticos sofridos pelo povo em Seus dias. Os romanos, por exemplo, pareciam ter prazer em tratar abusivamente os judeus. Jesus está dizendo que em tais circunstâncias, os judeus deviam tratar os romanos com bondade. Com isso, poderia impressionar positivamente o abusador, levando-o a dispensar melhor tratamento.

Existem abusos físicos, sexuais, emocionais, psicológicos, mentais e verbais. Há mesmo exemplos legítimos de abuso espiritual praticados por algumas igrejas e seus líderes.

Mas, a questão permanece: É o abuso razão para divórcio e novo casamento? Se um cônjuge é abusivo, deveria o parceiro concordar em viver junto? Manter o relacionamento é mais importante do que livrar-se de contínuo abuso? Ninguém necessita expor-se ao abuso. Afinal, existe ajuda especializada disponível na igreja e fora dela, embora ela não tenha ainda um padrão definitivo sobre abuso e sua relação com casamento, divórcio e novas núpcias.

Quando o casamento vacila

O divórcio é uma experiência profundamente dolorosa. As pessoas que o consideram, não raro, têm pouca ideia das dificuldades que o envolvem. É visto como uma solução relativamente simples para a angústia experimentada no casamento. As taxas de divórcio são duas vezes mais altas entre os que contraíram um segundo casamento; e, a partir daí, elas crescem.

Em si e de si mesmo, o divórcio e tudo o que é decorrente dele são frequentemente experiências mais destrutivas e angustiosas do que os problemas conjugais que o motivaram. Casais em processo de divórcio, especialmente aqueles que o realizam com rapidez, tendem a levar para o próximo casamento os problemas que precipitaram a separação. Há também as tentativas de reajustamento que deve ser iniciado quando existem crianças e outros familiares envolvidos na experiência.

Embora algumas pessoas vejam razões bíblicas para o divórcio, ele deve ser evitado por todos os meios. Mesmo quando há um adultério, o casamento pode ser salvo pelo perdão. E a vida pode continuar com maior grau de satisfação do que a que é procurada no divórcio.

O conselheiro matrimonial Lindsay Curts costuma dar aos seus clientes um cartão contendo uma lista de sete sinais de perigo do casamento:

1. Abandono mútuo da cortesia e polidez.

2. Preocupação crescente dos casais em termos de “eu” ao invés de “nós”.

3. Falta de elogios mútuos.

4. Substituição da comunicação pelo silêncio obstinado.

5. Recusa ou indiferença em sentir e satisfazer as necessidades do outro cônjuge.

6. Falta de expressão do amor.

7. Falta de oração com o outro e pelo outro.

Tendo em vista enriquecer nosso próprio casamento bem como dos membros de nossas igrejas, precisamos melhorar nossa percepção do que é saudável e do que é doentio em termos de relacionamento. Pela graça de Deus, podemos agir para intervir e ser uma efetiva ajuda para nós mesmos e para aqueles aos quais Deus nos chamou para servir.

 

FONTE: Revista Ministério, Jan-Fev 2002                   

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