Teologia

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

SOBREVIVENDO À DOR DO LUTO


Denny Rengifo

Os cristãos podem acreditar que a fé em Cristo e a perspectiva da vida eterna vão fazê-los superar a necessidade de sofrer a dor da perda, a necessidade de chorar e a necessidade de serem totalmente humanos. Entretanto, em vez de negar a dor da situação humana, é a fé e a constante presença de Deus que nos capacita a viver o luto, mas com esperança.

A dor que ela sentia era inexprimível e eu fiquei sem palavras. Sentia como que se irradiando dela e espalhando-se como nuvens de escuridão em uma tempestade. Ela estava sentada do lado de fora de uma sala da UTI, enquanto olhava para o seu filho agonizando, através do vidro de uma porta fechada. Essa porta era o local mais próximo que ela podia chegar dele naquela hora, então ela estendeu a mão para abraçar, beijar e acariciar o vidro em sua tentativa inútil de alcançá-lo. Fiquei ali parada ao lado dela, em silêncio, tocando seus ombros, testemunhando a sua dor.

Nos últimos quatro anos, tenho trabalhado como capelã de um hospital. Tenho o sagrado privilégio de estar com as pessoas durante alguns dos momentos mais difíceis e sombrios de sua vida. Sou chamada para estar ao lado de pessoas enlutadas enquanto recebem más notícias, passam por traumas ou até mesmo enfrentam o fim da vida. O luto se tornou familiar e comum quando o ouço, vejo e sinto nos quartos e corredores por onde ando, como também em minha vida pessoal. Aprendi a respeitar o luto, a lhe dar valor e até mesmo a ser grata por ele. Aprendi que o luto passou a ser um lugar comum, útil e positivo. Vi também que pode haver esperança no luto. Percebi ainda que existem muitas fases e faces no luto e que uma delas pode ser até mesmo o sorriso.

A dor da perda é uma jornada na qual embarcamos desde o momento em que choramos ao nascer e continuamos a experimentá-la ao lamentarmos a perda do conforto do útero. À medida que amadurecemos, experimentamos a dor e a perda de pequenas e grandes maneiras. E devemos aprender a enfrentar, a sentir e a compartilhar as nossas emoções, a encontrar conforto, a dar sentido a tudo isso e a ter esperança.

Se o luto é uma parte inevitável da experiência humana, por que é tão difícil falarmos sobre ele? Por que o conceito de luto é tão estranho a nós? Será que esse sentimento desconfortável de raiva, de ira e desespero, e tão triste, pode ser chamado de luto?

A dor da perda é uma reação natural e normal que experimentamos em diferentes níveis de intensidade, por diferentes razões e com diferentes reações. A dor da perda é mais comum do que pensamos. Sofremos quando experimentamos uma grande perda… alguém que amamos morre, um relacionamento que termina, um emprego que acabou etc. Então, há motivos mais comuns para essa dor: alguém que amamos se muda para longe de nós, temos um problema de saúde ou uma transferência afeta o nosso local de trabalho. E quanto a estas coisas de menor impacto? Nossa loja favorita fecha, perdemos algum dinheiro que economizamos ou nossas férias são canceladas.

Você já experimentou a dor da perda este ano? Você a está experimentando agora? Eu estou me sentindo triste agora, porém, em um nível mais leve. No dia de Ano Novo, tomei a resolução de ficar na melhor forma possível, de toda a minha vida. Eu faria isso adotando um estilo de vida ativo e me exercitando cinco vezes por semana. Estava comprometida com isso. No dia 1o de janeiro deste ano, acordei cedo e animada para fazer o primeiro treino do ano. Mas machuquei meu pé durante aquele treino e fui forçada a ficar sentada sem conseguir andar por algum tempo. Mesmo quando meu pé começou a melhorar, precisei ir com calma para dar tempo suficiente para a cura. Minha resolução tornou-se apenas mais um item em minha caixa de sonhos não realizados e de metas fracassadas. Estou lamentando pela minha capacidade de ser ativa e de me exercitar e, em um sentido mais profundo, pela minha incapacidade de cumprir uma meta na qual estava emocionalmente empenhada.

A FÉ E O LUTO

Certa vez me perguntaram: “É certo um cristão sofrer pela dor da perda?” Bem, se a dor é humana e os cristãos são humanos, a resposta é óbvia. Todos sofrem, inclusive os cristãos. Mas os cristãos podem acreditar que a fé em Cristo e a perspectiva da vida eterna podem fazê-los superar a necessidade de sentir, de chorar e de serem totalmente humanos. Há algum tempo, visitei uma mulher na unidade de parto, que deu à luz um menino nascido em tempo normal. Ela havia trazido com ela uma bolsa de fraldas com tudo o que seu bebê iria precisar e uma cadeirinha para levá-lo para casa. O quarto do bebê em sua casa foi preparado e estava repleto de presentes que os membros da igreja haviam lhe dado durante o chá de bebê. Seus outros filhos estavam animados. Mas o bebê nasceu morto. Entrei na sala esperando ver, ouvir ou sentir a devastação costumeira que presenciava em casos semelhantes. Mas desta vez foi diferente. Não houve lágrimas, nenhum “e se...”, nenhuma expressão de tristeza. Ela disse que havia motivos para estar triste, sim. Mas Deus havia permitido que seu bebê morresse e ela tinha que aceitar isso. Para ela, isso significava sem luto, sem lágrimas, sem raiva, sem perguntas, sem sentimentos.

Mais de uma vez, perguntei como se sentia. E ela respondeu: “Não consigo sentir”. Ela não se permitia sentir tristeza pela perda de seu filho. Do jeito que ela entendia, sua fé exigia aceitação sem tristeza, lágrimas ou raiva. Ela não se permitiu sentir sua profunda angústia. Então, como resultado, ela não sentia nada.

Dois meses depois, eu a encontrei novamente. Fiquei surpresa ao vê-la, não em uma enfermaria, mas numa ala de saúde comportamental. Ela havia se tornado psicótica. Sua recusa em sofrer e a negação de sua dor foram demais para ela suportar. As Escrituras dizem que, por causa da esperança da segunda vinda de Cristo, “não se entristeçam como aqueles que não têm esperança” (1 Tessalonicenses 4:13). Isso significa que, como cristãos, temos esperança, sim − mas também sofremos.

Então, qual é a maneira saudável de responder à dor da perda? Um bom primeiro passo é reconhecer o que aconteceu ou está acontecendo com você, o que você perdeu e o que mudou em sua vida. Em seguida, veja como se sente a respeito disso. Permita-se sentir todas as suas emoções sem julgá-las como negativas ou ruins. As emoções são humanas. Deus criou você com a capacidade de senti-las. Encontre maneiras saudáveis de expressar seus sentimentos, como fazer um diário, entrar em um grupo de apoio, conversar com um amigo, buscar aconselhamento ou realizar qualquer atividade positiva que pareça terapêutica. Gosto de fazer longas caminhadas com meu cachorro, enquanto oro e medito. Minha colega de trabalho coloca música cristã durante o trajeto para o hospital. Uma amiga que agora mora sozinha porque perdeu sua mãe e seu cachorro recentemente, com apenas alguns dias de diferença, usa o Facebook como um diário onde ela escreve e compartilha como se sente. Isso a ajuda a expressar seus sentimentos e permite que ela receba comentários de pessoas que lhe respondem com palavras de conforto e esperança.

Nunca esquecerei o que testemunhei ao lado daquela mãe na sala ao lado da UTI de seu filho que agonizava. Ela não foi capaz de tocá-lo, pois ele estava isolado devido à COVID-19. Nós duas sorrimos quando ela me mostrou um vídeo em seu celular, que ele havia gravado no dia anterior. Ele estava feliz, aparentemente com boa saúde e se divertindo com seus amigos. Tão cheio de vida! Então, naquela manhã, ele foi encontrado desmaiado. Nada mais pôde ser feito. A vida é frágil, injusta e cheia de tristezas. Mas a vida também é boa porque da dor e do quebrantamento vem a cura. Ao ter vivido até aqui, por certo você chorou e riu, experimentou perdas e ganhos, sofreu e se curou, e fará tudo de novo. Todas essas experiências humanas fazem parte da riqueza da vida.

Lembre-se: em todos os altos e baixos, em todas as angústias e dores, nunca estamos sozinhos. Deus disse, repetidamente, que Ele nunca nos deixará nem nos abandonará − seja qual for a tristeza ou dor que venham a surgir em nosso caminho (ver Gênesis 28:15; Josué 1:5; Deuteronômio 31: 6 e Hebreus 13: 5). E logo “Ele enxugará dos [nossos] olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou.” (Apocalipse 21:4I).*

E é contra esse pano de fundo que ousamos sofrer, mas com esperança!

 

* As referências bíblicas deste artigo foram citadas da Nova Versão Internacional da Bíblia Sagrada.

 

Denny Rengifo MDiv pela Universidade Andrews, Michigan, EUA, é capelã credenciada no Adventist HealthCare, Silver Spring, Maryland, EUA. Ela trabalha também com as famílias enlutadas da comunidade e lidera grupos de apoio aos enlutados.

 

FONTE: Revista Diálogo Universitário 33:2 (2021): 24-25

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