Teologia

domingo, 7 de março de 2021

IGUALDADE ENTRE A MULHER E O HOMEM: O QUE DIZ A BÍBLIA?


 Ricardo André

Em muitas sociedades não há igualdade de Gênero. Infelizmente, o machismo, ato de preconceito que se opõe a igualdade de direito dos gêneros, se mostra ainda muito presente na sociedade atual e no mercado de trabalho. Esse machismo está evidenciado na simples observação da presença masculina em cargos mais altos nas empresas se comparada com a feminina (há muito mais homens do que mulheres), bem como no fato de que homens e mulheres não gozam das mesmas oportunidades, rendimentos, direitos e obrigações em todas as áreas. Os estudos confirmam que as mulheres trabalham mais na soma da jornada no emprego, nos cuidados da casa e da família; que as mulheres estudam mais e tem escolaridade mais elevada; que o cuidado dos filhos, dos doentes e dos idosos é de sua responsabilidade. Tudo isso é mais que os homens, mas elas ganham menos! Os estudos esmiúçam dados que, ano após ano, repetem que o problema é muito grave. Deveriam as mulheres terem os mesmos direitos que os homens? Homens e mulheres são iguais? O que dia a Bíblia Sagrada?

A perspectiva teológica da igualdade de gênero

Encontramos as respostas para essas questões no relato da criação, no livro de gênesis. Depois de haver criado tudo o que existe, no sexto dia da criação Deus criou o homem. Deu-lhe um trabalho para fazer: Devia dar nome a todos os animais da Terra. E entre eles, Adão não encontrou ninguém que fosse igual a ele. Estava só (Gn 2:19, 20). E Deus sábio e companheiro, resolveu seu problema de solidão, dando-lhe uma mulher. “Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea" (Gênesis 2:18). Desde então, a solidão do homem foi resolvida com a companhia de uma mulher. No caso de Adão, deu-lhe a mulher por um ato criador, e aos homens após Adão, Deus dá por meio do casamento.

O fato de que Deus tenha dado a mulher, colocou a Adão, e a todos os homens, num status superior? O relato da criação de Eva, nada tem que assim o determine. Pelo contrário, destaca vários elementos que se referem à sua igualdade. Esta igualdade aparece no conceito de auxiliadora idônea, na própria criação de Eva e na união matrimonial.

Ao definir a mulher como auxiliadora idônea, Deus colocou duas ideias importantes para se entender a unidade dos dois. A palavra auxiliadora, em hebraico, nunca é usada para designar um ajudante subordinado. Refere-se a uma “ajudante”, “uma ajuda equivalente a Ele”, “sua contrapartida” (Lição da Escola Sabatina, 4º Trim. 2006, p. 33); por isso, até Deus se definiu como auxiliador do homem. E no texto onde isto aparece, sem negá-la, não fala de Sua superioridade, mas de Seu poder para auxiliar o ser humano. Nosso Deus tem poder e pode nos auxiliar, porque Ele “fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há, e que mantém a sua fidelidade para sempre! Ele defende a causa dos oprimidos e dá alimento aos famintos. O Senhor liberta os presos, o Senhor dá vista aos cegos, o Senhor levanta os abatidos, o Senhor ama os justos. O Senhor protege o estrangeiro e sustém o órfão e a viúva, mas frustra o propósito dos ímpios. O Senhor reina para sempre!” (Salmos 146:6-10, NVI). Deus é o auxiliador do ser humano porque está plenamente capacitado para ajudá-lo e quer fazer. O mesmo ocorre com a palavra idônea. Em hebreu significa equivalente, duplicado, parte oposta, complementar de outra, igual e adequado a. O comentário de rodapé da Bíblia de Estudo de Genebra afirma que “A expressão assume um relacionamento de complementaridade; o que falta a ele, ela supre, e vice-versa. Ambos compartilham da imagem de Deus” (p. 12). Portanto, a mulher, por determinação divina, está plenamente capacitada para auxiliar o homem como uma pessoa igual a ele.

Como se vê, o registro de Gênesis valoriza a mulher como igual, uma contraparte, uma parceira ou complemento em cuja companhia o homem encontrasse sua mais plena satisfação e com quem compartilhasse a imagem e semelhança de Deus. Infelizmente, em muitas sociedades, as mulheres são tratadas quase como escravas, com pouca dignidade e poucos direitos, um exemplo poderoso do que o pecado causou à raça humana.

A escritora cristão Ellen G. White afirmou: “Quando os maridos exigem completa sujeição de suas esposas, declarando que a mulher não tem voz ativa ou vontade na família, mas deve mostrar inteira submissão, estão colocando suas esposas numa posição contrária à Escritura. Interpretando desta forma a Escritura, violam o desígnio do casamento. Esta interpretação é utilizada simplesmente para que possam exercer governo arbitrário, que não é sua prerrogativa. Mas lemos em continuação: "Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a Si mesmo se entregou por ela." Efés. 5:25. Por que devem os maridos se irritar contra suas esposas? Se o esposo lhe descobriu erros e abundância de faltas, irritação de espírito não remedia o mal” (O Lar Adventista, p.116).

A criação de Eva também descreve sua igualdade com o homem. Como Deus planejou a criação do homem, também planejou a criação da mulher. Fez os dois de forma pessoal. Embora tenha usado uma parte do corpo do homem, este não participou da criação da mulher. Adão dormia enquanto Deus criava. Portanto os dois foram criados por um ato exclusivamente de Deus. Adão, ao receber Eva, reconheceu sua igualdade de constituição e sua igualdade de ser.

Diz Ellen G. White: “Eva foi criada de uma costela tirada do lado de Adão, significando que não o deveria dominar, como a cabeça, nem ser pisada sob os pés como se fosse inferior, mas estar a seu lado como seu igual, e ser amada e protegida por ele. Como parte do homem, osso de seus ossos, e carne de sua carne, era ela o seu segundo eu, mostrando isto a íntima união e apego afetivo que deve existir nesta relação. "Porque nunca ninguém aborreceu a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta." Efés. 5:29. "Portanto deixará o varão a seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne." Gên. 2:24” (Patriarcas e Profetas, p.  46).

Havia uma diferença de sexo, certamente, mas Deus o fez assim não para criar separação ou desigualdade, mas para produzir unidade e multiplicação, pelo casamento.

Outra evidência de que a Bíblia trata homens e mulheres em igualdade é o fato de dizer que o marido deve cumprir seus deveres conjugais para com sua esposa da mesma forma que a esposa para com o marido, ao invés disso ser algo unilateral (como seria caso a esposa fosse considerada “propriedade” do marido). Tudo devia ser feito por mútuo consentimento, ao invés de valer o parecer somente do homem:

“O marido deve cumprir os seus deveres conjugais para com a sua mulher, e da mesma forma a mulher para com o seu marido. A mulher não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim o marido. Da mesma forma, o marido não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim a mulher. Não se recusem um ao outro, exceto por mútuo consentimento e durante certo tempo, para se dedicarem à oração. Depois, unam-se de novo, para que Satanás não os tente por não terem domínio próprio” (1 Coríntios 7:3-5)      

Tanto a mulher é santificada por meio do marido, quanto o marido era santificado por meio da mulher. Ambos eram considerados igualmente “sagrados”, aos olhos de Deus:

“Pois o marido descrente é santificado por meio da mulher, e a mulher descrente é santificada por meio do marido. Se assim não fosse, seus filhos seriam impuros, mas agora são santos” (1ª Coríntios 7:14)      

O dever de amar a esposa era sempre ressaltado, e a obediência do filho era para com os “pais” (no plural), e não somente para com o homem da casa:

“Maridos, amem suas mulheres e não as tratem com amargura. Filhos, obedeçam a seus pais em tudo, pois isso agrada ao Senhor. Pais, não irritem seus filhos, para que eles não se desanimem” (Colossenses 3:19-21)    

O mais impressionante é quando Paulo é mais específico e fala do tipo de amor que o homem deve ter para com a mulher. Paulo diz que o marido deve amar sua esposa da mesma forma que Cristo amou a igreja e se entregou por ela. Ou seja: até a morte. Da mesma forma que Jesus morreu por nós, temos que dar a vida pela nossa esposa, se for necessário. Este ensinamento profundo às vezes pode parecer chocante até para os nossos dias, então imagine naquela época! 

“Maridos, amem suas mulheres, assim como Cristo amou a igreja e entregou-se a si mesmo por ela para santificá-la, tendo-a purificado pelo lavar da água mediante a palavra, e apresentá-la a si mesmo como igreja gloriosa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e inculpável. Da mesma forma, os maridos devem amar as suas mulheres como a seus próprios corpos” (Efésios 5:25-28).

A Posição oficial da IASD

Em harmonia com as Sagradas Escrituras, em 29 de junho a 8 de julho de 1995, a Igreja Adventista do Sétimo Dia na Sessão da Assembleia Geral em Utrecht, Holanda, aprovou a Declaração “Sobre os Problemas da Mulher”, onde reconhece a igualdade da mulher e a capacidade que ele possui de contribuir com a sociedade, a qual transcrevemos abaixo:

“Os adventistas do sétimo dia creem que todas as pessoas, homens e mulheres, são criadas iguais, à imagem de um Deus amoroso. Cremos que tanto os homens quanto as mulheres são chamados para desempenhar um papel importante no cumprimento da missão primária da Igreja Adventista: trabalhar juntos para o benefício da humanidade. Contudo, estamos dolorosamente conscientes de que em todo o mundo, em nações desenvolvidas e em desenvolvimento, condições sociais adversas frequentemente inibem a mulher de preencher o seu potencial dado por Deus.

“A Igreja Adventista do Sétimo Dia tem identificado vários grandes problemas, bem documentados pela pesquisa, que com frequência impedem a mulher de dar valiosas contribuições à sociedade. O estresse, o ambiente e as crescentes demandas têm colocado a mulher em maior risco quanto aos problemas de saúde. A pobreza e os pesados encargos de trabalho não somente privam a mulher de sua capacidade de apreciar a vida, mas também prejudicam o seu bem-estar físico e espiritual. A violência familiar cobra um pesado tributo de suas vítimas.

“A mulher tem direito aos privilégios e oportunidades dadas por Deus e destinadas a cada ser humano – o direito à alfabetização, à educação, à adequada assistência médica, à tomada de decisões e à libertação do abuso físico, mental e sexual. Também salientamos que a mulher deve desempenhar um crescente papel na liderança e tomada de decisões tanto na Igreja quanto na sociedade.

“Finalmente, cremos que a Igreja cumprirá sua missão somente quando a mulher for habilitada para que possa atingir todo o seu potencial”.

Partindo do pressuposto de que as Escrituras Sagradas afirmam que homem e mulher foram criados iguais, oportunidades e situações de igualdade entre mulheres devem existir. Isso continua sendo um enorme desafio para as inúmeras sociedades, inclusive a sociedade brasileira. Um problemão que precisa ser relembrado e enfrentado cotidianamente.

Combater o machismo é um dever cristão

Não obstante a Bíblia Sagrada e a Igreja Adventista defenderem a igualdade entre homem e mulher, a cultura machista, na qual a sociedade está fundamentada, ainda é muito forte na igreja. Há maridos que exigem que suas esposas sejam empregadas domésticas, servas sexuais e as tratam como propriedades. Vale ressaltar que esse modelo violento de família não está presente somente na Igreja Adventista, mas em muitas outras igrejas cristãs. Existem alguns trechos das Sagradas Escrituras que muitos homens empregam para enfatizar a submissão feminina de maneira equivocada.  Basta vermos o que está escrito em Efésios 5:21-33.

Todavia, infelizmente o que vemos comumente são muitos religiosos se baseando, no que está escrito nos versículos de 22 ao 24:

“Mulheres, sujeitem-se a seus maridos, como ao Senhor, pois o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, que é o seu corpo, do qual ele é o Salvador. Assim como a igreja está sujeita a Cristo, também as mulheres estejam em tudo sujeitas a seus maridos” (NVI).

Acontece que eles esquecem de refletir no versículo anterior que diz: “Sujeitem-se uns aos outros, por temor a Cristo” (Efésios 5:21, NVI). Portanto, a ordem bíblica de que tanto a mulher como o homem devem sujeitarem-se mutuamente.

O apóstolo Paulo continua sua exortação: “Maridos, amem suas mulheres, assim como Cristo amou a igreja e entregou-se a si mesmo por ela para santificá-la, tendo-a purificado pelo lavar da água mediante a palavra, e apresentá-la a si mesmo como igreja gloriosa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e inculpável. Da mesma forma, os maridos devem amar as suas mulheres como a seus próprios corpos. Quem ama sua mulher, ama a si mesmo. Além do mais, ninguém jamais odiou o seu próprio corpo, antes o alimenta e dele cuida, como também Cristo faz com a igreja, pois somos membros do seu corpo. "Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne". Este é um mistério profundo; refiro-me, porém, a Cristo e à igreja. Portanto, cada um de vocês também ame a sua mulher como a si mesmo, e a mulher trate o marido com todo o respeito” (Efésios 5: 23-33, NVI).

Observamos que há recomendações para ambas as partes e concluímos que, devido à má interpretação ou uso de pequenos trechos das Escrituras em benefício próprio, muitas mulheres em seus lares cristãos, tem sofrido com relacionamentos abrutalhados, autoritários e ditatoriais. E com muita frequência vemos estes casos culminarem em feminicídios, que deixam toda a sociedade estarrecida. Isso é um problema cultural e pecaminoso que Paulo não focaliza na sua carta aos efésios. A visão bíblica da submissão de forma alguma ensina uma posição ditatorial, autoritária e injusta nas relação conjugal, onde um exerce poder e o outro rasteja desamparado. Vamos separar essa palavra, sub/missão, e poderemos compreendê-la melhor. Cada um tem sua missão em um casamento, a da mulher é de auxiliadora do marido, mas será que alguém pode auxiliar a quem te fere e te machuca? É impossível! As mulheres que são vítimas de violência por parte de seus maridos não devem se calar, mas devem denunciar rapidamente à Polícia ou a outras entidades de proteção a mulher.

O homem que realmente teme a Deus, ama, cuida, protege e respeita a sua esposa e consequentemente terá ao seu lado alguém para auxiliá-lo a alcançar felicidade. Cremos que a família que está no coração de Deus, é aquela na qual mulheres não apanham, não são forçadas ao sexo e à subjugação marital. Acreditamos numa família na qual as mulheres são livres.

Como cristãos, devemos combater com veemência o machismo, pois ele é ofensivo a Deus, é um pecado por violar o princípio bíblico de igualdade de gênero, por agredir a dignidade da mulher, um ser criado a “imagem e semelhança” Dele (Gn 1:26, 27), e que portanto tem os mesmos direitos que o homem, em Jesus. (Gl 3:28).

Vale ressaltar que, desde o início da luta das mulheres, no século XIX, por mais oportunidades e liberdade, que elas vem obtendo importantes conquistas, a exemplo do sufrágio feminino, ou seja, o direito ao voto, bem como o acesso ao mercado de trabalho e a educação. Mas, a equidade - igualdade de oportunidades - ainda não foi alcançada. Muitas mulheres ainda sofrem pela violência de gênero, a violência por serem mulheres, e desigualdade no mercado de trabalho.

Portanto, a luta pela igualdade de gênero em nossa sociedade é um dever de todos, homens e mulheres. É preciso lutar para que a mulher receba salário igual a dos homens, quando homens e mulheres exercem a mesma função e são igualmente qualificados; é preciso ampliar o lugar de fala das mulheres em casa, nas reuniões de trabalho, considerando que opiniões de ambos os sexos são relevantes.

 

 

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