Teologia

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

NOTA SOBRE VÍDEO DO PR. RAFAEL ROSSI


Causou-nos estranheza que no Vídeo “Adventistas Progressistas dentro da IASD. É possível?”, o pastor adventista Rafael Rossi, Diretor de Comunicação da DSA, tenha feito de forma incisiva a defesa de uma teoria da conspiração denominada “Marxismo cultural”, criada pelo obscuro indivíduo norte americano Michael Minnicino, na década de 1990, e disseminada no Brasil principalmente pelo astrólogo falido Olavo de Carvalho e pelo padre conservador Paulo Ricardo, e fortemente presente no bolsonarismo. (Para mais informações sobre a inconsistência dessa teoria veja o artigo O “Marxismo Cultural” e a Paranoia dos cristãos alinhados com a direita política).

Ekkehardt Mueller, diretor associado do Instituto de Pesquisa Bíblica na sede mundial da IASD, afirmou claramente que “não condescendemos com teorias da conspiração e não as proclamamos publicamente. Elas não podem ser comprovadas. A necessidade de se retratar ou a comprovação de que estavam erradas podem causar prejuízos à causa de Deus”. (Revista Adventista, agosto 2020, p. 15). Que os pastores envolvidos na disseminação dessa teoria da conspiração perceba esse risco de desencadear graves prejuízos a igreja, e avaliem se vale a pena insistir nisso. 

Nos parece que a referida palestra foi realizada para alertar os pastores departamentais de jovens dos “perigos” da influência desse suposto Marxismo cultural na igreja. Na realidade, a palestra é uma nítida reação de um pequeno grupo de pastores (sabemos quem são) alinhados à direita política, que estão inconformados com a constatação da existência de vários fieis adventistas espelhados pelo Brasil que possuem concepções políticas de esquerda.

É preciso que esses queridos pastores entendam que vivemos num país democrático, e que cada pessoa é livre para escolher ser de “esquerda”, ser de “direita” ou ser “nenhum nem outro”. Esses três grupos (de pastores e membros) estão presentes nas igrejas e precisam respeitarem-se mutuamente e serem tolerantes com os que divergem deles. Portanto, por decorrência lógica da civilidade, dignidade da pessoa humana e, até mesmo, da boa educação, o Pastor Rafael Rossi e seu “Grupo de Estudo” precisam aprender a respeitar, não as ideias políticas dos adventistas de esquerda, mas o direito constitucional que eles têm de possui-las.

Uma vez que os grupos ligados a direita política, inclusive os bolsonaristas são disseminadores dessa teoria conspiratória, o vídeo do Pr. Rossi escancara o alinhamento político desse grupo de pastores idealizadores da palestra com a direita. Importante dizer que, não há nada de errado em pastores terem posições políticas, desde que resguardado o respeito ao legítimo pluralismo das opções politico-partidárias das suas ovelhas. Como cidadãos, os ministros têm todo o direito de possuírem suas convicções políticas, inclusive de direita, mas precisam ser mais reservados para não estimular a polarização entre os crentes e introduzir a divisão nas igrejas que eles cuidam.

No vídeo, o aludido pastor informa que há um grupo de estudos na DSA, e que o mesmo estudou o tema Marxismo Cultural, e parece-nos que a palestra foi fruto do “estudo” desse grupo. Ocorre que, o Pr. Rossi quando apresentou o conceito e os postulados do “Marxismo cultural” não citou sequer uma fonte. A pergunta que se impõe é: de onde o pastor Rossi extraiu as ideias do marxismo cultural? Ele precisa mostrar suas fontes ou as obras em que se baseou para explicar o marxismo cultural, a fim demonstrar que sua pesquisa tem consistência e é séria.

Na verdade, o “grupo de estudos” não vai mostrar nenhuma obra séria e isenta que trate de Marxismo cultural. Eles sabem que não há no mundo nenhum cientista político, sociólogo e historiador que tenha escrito algum livro ou artigo apontando a existência de um plano maquiavélico para a dominação da ideologia marxista a partir da cultura. Eles só poderão citar alguns escritos ou vídeos produzidos pelos polêmicos Olavo de Carvalho e padre Paulo Ricardo e seus seguidores, que nunca são referenciados em artigos científicos. Se assim procederem, será ignominioso para a igreja, uma instituição séria ter um dos seus representantes pregando teoria conspiratória com base em fontes não confiáveis e sem valor acadêmico. De qualquer forma, aguardamos o pastor Rossi ou qualquer um dos pastores que constituem o “Grupo de Estudo” da DSA apresentar as fontes.

Extrai-se ainda no vídeo que, o Pr. Rossi cometeu o crasso erro da generalização carregada de sentimento de desprezo ao acusar o progressismo do grupo de adventistas que realizou um encontro virtual, em 30 de agosto, para discutir o Marxismo com o progressismo adepto da teologia liberal (progressismo comprometido com uma interpretação liberal das Sagradas Escrituras). Ele e seu grupo de estudo precisa entender mais uma coisa: Nem todo cristão progressista é teologicamente progressista. A maioria deles são politicamente progressistas e teologicamente conservador. É o caso daquele grupo de adventistas que realizou a Live de 30 de agosto. Eles são progressistas no campo político porque possuem concepções políticas de esquerda e, em época de eleições votam na esquerda, mas são conservadores no campo da teologia. Amam a Bíblia e acreditam na autenticidade e veracidade de seus relatos. E ainda: são fieis adventistas que acreditam nas 28 crenças fundamentais da IASD. Todavia, o pastor tenta colocar todos os cristãos progressistas “na vala comum”. Ocorre que a generalização comum pode se transformar em um grande perigo, exatamente por estabelecer preconceitos devastadores e balizar comportamentos de exclusão e indiferença, além de em nada ajudar a vivermos melhor.

Cabe ressaltar, que o objetivo do Encontro de Adventistas Progressistas foi estudar de forma honesta o Marxismo como ciência, como método analítico para compreensão do funcionamento do sistema capitalista, cônscios de que, como cristãos, não podem endossar todas as formas de pensar e escrever de Marx, ainda que a essência de suas ideias seja boa e bem fundamentada cientificamente. A Bíblia Sagrada não sugere censura. Ela recomenda o discernimento espiritual. É o que recomenda o apóstolo Paulo: “Examinem tudo, fiquem com o que é bom” (1Ts 5:21, NTLH). Ao encorajar o livre exame das coisas, Paulo acrescenta um conselho: o de ficar com o que é bom. É exatamente o que os cristãos progressistas fazem em relação ao marxismo, examinam seus postulados e suas ideias. Aquilo que não é bom, por conflitar com sua cosmovisão, que é baseada na Bíblia Sagrada, lançam-no fora. Porém, aquilo que é bom no marxismo abraçam, sem, contudo, abandonar um ponto sequer da fé.

Para demonstrar seriedade e honestidade, o referido pastor deveria, antes de colocar a arte do evento do dia 30 de agosto naquele vídeo eivado de distorções, ter entrado em contato conosco para saber o que realmente pensamos a respeito da Bíblia e dos valores nelas delineadas. No Direito isso é chamado de “princípio do contraditório”, que é definido pela expressão latina audiatur et altera pars, que significa “ouça-se também a outra parte”. Por não ter nos ouvido antes, acusou-nos de querer levar para a igreja as ideias marxistas. No final do vídeo, o pastor exasperou-se, e visivelmente nervoso elevou o tom da voz e esbravejou: “Não podemos permitir que ideias marxistas entre na igreja!”. Ocorre que, os grupos de Whatsapp e Facebook “Adventistas de Esquerda” e “Adventistas Progressistas” nunca pretenderam levar ideias marxistas para dentro da igreja. Nossas reflexões e debates políticos ocorrem sempre dentro dos próprios grupos ou em plataformas digitais fechadas. Nenhum integrante desses dois grupos nunca usaram o espaço da igreja para defender ideias marxistas ou de esquerda. Aliás, diga-se de passagem, a maioria dos adventistas desses grupos não são marxistas, apenas de esquerda.

Nessa toada, nunca é demais lembrar que, em abril de 2017, o Leandro Quadros usou o espaço de uma igreja Adventista para fazer campanha eleitoral antecipada para Bolsonaro. Dizemos que foi campanha eleitoral os elogios que Leandro Quadros fez a ele porque à época Bolsonaro era pré-candidato a presidente da República. O filho de dele, Eduardo Bolsonaro, achou tão importante a fala de Quadros para a campanha do pai que compartilhou o vídeo em sua rede social. Pasmem o leitor! Leandro Quadros elogiou um político da extrema direita, polêmico, racista, misógino, sem nenhum apreço pela democracia, viúva da ditadura militar (um dos períodos mais tenebroso da história republicana do nosso país) e defensor da tortura e de torturadores. E, até onde se sabe nunca foi punido por isso pela administração da igreja. Por quê? Falar a favor da direita e seus candidatos pode na igreja? Com a palavra, o Pr. Rossi e o seu “Grupo de estudo”!

E, ainda, à guisa de conclusão, que ele e os outros pastores sinceros ponderem honestamente sobre tudo isso, e revisem seu julgamento sobre aqueles crentes que como eles,  aguardam o segundo advento de Cristo e, consequentemente, o fim da era do pecado e o início de um mundo melhor, conforme prometido por Deus em sua Palavra, mas que acreditam que, como luz e sal da Terra (Mt 5:13-16), podem e devem dá sua contribuição na construção de um mundo com mais justiça social e mais fraterno, através das várias expressões do agir político – seja no sentido amplo, seja na militância partidária ou num movimento social. Isso não compete com a autoridade da Palavra de Deus, como querem alguns. Ao contrário, está em harmonia com a Bíblia. No passado, movido pelo chamado de Deus e pela compreensão de que Ele deseja a justiça, os profetas ousaram ser a voz dos oprimidos (Is 1:17, 23 e 24; Mq 6:8; Ez 16:49). Deus ainda hoje pede que busquemos a justiça social e lutemos contra a opressão e pelos direitos dos pobres e excluídos. Como cristãos, antes que Cristo Jesus volte em glória e majestade, devemos promover as mudanças sociais que refletem os valores e ensinamentos de Jesus.

Na expectativa de que essa nota tenha esclarecido a confusão criada pelo Grupo de Estudos da DSA em relação ao nosso Progressismo, permanecemos à disposição para o que for necessário.

 

Adventistas de Esquerda e Adventistas Progressistas

(Grupos de Whatsapp e Facebook)

4 comentários:

  1. Parabéns para quem escreveu esse texto. Muito bem escrito. O Pastor Rossi que fez o vídeo falando do Marxismo cultural, ou não sabe nada de kal Marks ou não sabe nada de cristianismo.

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  2. Oi, Maia Souza. Obrigado por apreciar nosso texto! Fique com Deus. Abraço afetuoso!!!

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  3. O engano político de alguns dentro da igreja é gritante.

    INFELIZMENTE.

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  4. Olá! Jol da Silva, tudo bem? Lamentavelmente, sua constatação está correta. A ignorância impera!

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