Teologia

sábado, 8 de agosto de 2020

REFUTAÇÃO DO ARTIGO “MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA, BÍBLIA E ELLEN WHITE”, DE LEANDRO QUADROS

Ricardo André

No dia 04 de agosto de 2020, o senhor Leandro Quadros, jornalista e apresentador do Programa “Na Mira da Verdade” da Rede de Televisão Novo Tempo, publicou em seu blog o texto “Manifesto do Partido Comunista, Bíblia e Ellen White”, cujo objetivo claro é tentar provar que as ideias marxistas são incompatíveis com as Sagradas Escrituras e o Espírito de Profecia. Nele, reproduz velhas objeções ao marxismo de pastores e padres conservadores feitas desde a época da Guerra Fria. De uma leitura simples do artigo depreende-se que os “argumentos” que visam combater o pensamento marxista são de uma pobreza franciscana e, por mais insistentes e reeditados que sejam, jamais conseguirão seus objetivos nem impressionarão os adventistas progressistas. É contrafeito que nos vemos empenhados neste artigo de refutar seus argumentos.

Importante salientar que, há bastante tempo, os pastores Leandro Quadros e Michelson Borges abriram “trincheiras” nas redes sociais, a fim de combater a esquerda e os adventistas progressistas. Ambos já produziram outros textos e vídeos com um amontoado de falsidades sobre a esquerda ou o marxismo, cuja ideia central é demonizar o pensamento marxista, usando a velha e covarde arma de citar frases isoladas de sua estrutura textual e fora de seu contexto. E, o que eles falam normalmente são deturpações que têm muito interesse em criar pânicos morais, pegar aquelas pessoas que não conhecem muito bem o tema, que às vezes já têm um certo medo, um certo receio, e criar uma história de bicho-papão na cabeça delas, do tipo “a esquerda quer destruir a família”. Justificam sua guerra alegando que o marxismo tem “implicações” negativas a vida religiosa. Balela! Esse discurso serve apenas para camuflar a aversão deles a esquerda. No seu combate, comumente dizem: “Não sou esquerda nem direita”, “Não faço manifestação política partidária” ou como o próprio Leandro Quadros afirmou no início do texto em tela: “Foge do escopo do presente artigo defender qualquer vertente política”. Tal fala representa uma tentativa de passar para seus “seguidores” uma imagem de neutralidade política. Todavia, nesse debate entre “Esquerda X Direita” no Brasil, os supracitados pastores não são neutros. Por mais que eles se esforcem para vender a imagem de neutralidade, suas postagens nas redes sociais não negam que são antiesquerditas. Embora nos materiais produzidos por eles não mencionem nominalmente partidos “A” e “B”, na sua guerra ao marxismo, comunismo e ao socialismo estão, naturalmente, combatendo a esquerda. E, combater a esquerda é fazer política partidária, uma vez que os partidos de esquerda são de inspiração marxista. O discurso da pseudo neutralidade não convence a pessoas como nós que pensamos e que sabemos fazer análise de discurso. Ademais, eles não criticam na mesma quantidade e intensidade a direita como fazem à esquerda. Portanto, eles sabem (e nós sabemos) de que lado estão. 

Em abril de 2017, Leandro Quadros teceu comentários elogiosos, numa igreja Adventista, ao então pré-candidato da extrema-direita a presidente da República, o controverso Jair Bolsonaro. Essa manifestação política dele evidenciou seu alinhamento a direita política. Veja o vídeo aqui. No dia 15 de abril daquele ano escrevi o texto “Resposta ao Discurso Repugnante do Jornalista Leandro Quadros, apontando os erros crassos cometidos por ele na igreja. Definitivamente, politicamente Leandro Quadros não é neutro. Ele tem lado. É direitista e bolsonarista.

Seu artigo consiste numa análise rasa comparativa entre a obra de Karl Marx, O Manifesto do Partido Comunista, a Bíblia e o pensamento de Ellen G. White, apontando as contradições da obra. O articulista escolheu sete tópicos para fazer a analogia e identificar as supostas contradições, quais sejam: 1) Luta de classes; 2) Sociedade; 3) Religião; 4) Fé; 5) Família; 6) Estado e 7) Propriedade Privada.

Feito este preâmbulo, vamos agora analisá-los com tranquilidade, paciência e “sem ira”, como nos recomenda o apóstolo Tiago 1:19, 20 (verso bíblico citado e recomendado pelo irmão Leandro Quadros no seu artigo). Mostraremos que suas objeções são inteiramente insubsistentes.

1) A Luta de classes.

Marx e Engels iniciam o texto do Manifesto Comunista com uma famosa frase: “A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes.”1 De modo que, o objetivo dos autores é definir a História como uma sucessão de luta de classes, pois sempre ocorreu a exploração de uma classe social por outra, e com isso a consequente oposição entre elas: livres versus escravizados, senhores feudais versus servos, ou, agora, entre burgueses versus operários, bem como apresentar as transformações das sociedades pré-capitalistas até a contemporaneidade.

Nesse sentido, é também a luta de classes que permite o desenvolvimento da sociedade. Enquanto o primeiro lado quer manter o outro submisso, o outro deseja desfrutar dos privilégios do primeiro, fazendo com que ocorram transformações, como foi a Revolução Francesa no século XVIII, quando a burguesia vence a nobreza e toma o seu lugar.

Mas, segundo Leandro Quadros, essa visão da história contraria a visão bíblica e do Espírito de Profecia. Citando Ap 12:7-12, assevera que, ao contrário do que Marx e Engels disseram, a “luta” é entre as “classes de anjos bons e maus, não entre classes de seres humanos (burguesia e proletariado)”. O que ocorre aqui é um contorcionismo mental, malabarismo retórico-teológico, a fim de negar a realidade da luta histórica entre dominadores e dominados. Não há como negar o fato de que, no capitalismo moderno ocidental, há duas classes fundamentais: a burguesia e o proletariado. A primeira, proprietária dos meios de produção, subordina a si a segunda, que não possui mais do que sua própria força de trabalho. O proletariado produz a riqueza, mas não tem acesso a ela. Essa situação é capaz de criar grandes confrontos. Usar a Bíblia Sagrada para negar a existência histórica dessa luta é força-la a dizer o que não quer. Como pastor, Leandro Quadros sabe que não devemos forçar nossas próprias ideias sobre o texto, mas sim procurar descobrir o que a Bíblia realmente ensina.

O texto de Apocalipse 12:7-12, deveras, fala de uma guerra espiritual pelo controle do mundo e da mente das pessoas, entre as forças do mal, capitaneada por Satanás e as forças do bem, liderada por Jesus Cristo, denominada por nós, adventistas, de Grande Conflito. Acontece que, o grande conflito descrito em toda a Bíblia não nega a realidade da luta entre as classes sociais existentes na sociedade decorrente dos interesses antagônicos entre elas. Quando um adventista progressista ver a história a partir da “luta de classes” não significa que ele negue a existência do grande conflito. Ele acredita na existência das duas lutas, a espiritual e a socioeconômica (material). Uma coisa não invalida a outra.

Ao contrário do que afirma Leandro Quadros, as Sagradas Escrituras reconhecem que entre o povo de Deus, no Antigo Testamento havia uma classe dominante que explorava a classe dominada. Note o que elas dizem: “Aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva. Seus líderes são rebeldes, amigos de ladrões; todos eles amam o suborno e andam atrás de presentes. Eles não defendem os direitos do órfão, e não tomam conhecimento da causa da viúva” (Is 1:17, 23, NVI). O texto deixa claro que haviam duas classes na sociedade hebreia: os pobres, os órfãos e as viúvas (os oprimidos, vítimas da injustiça econômica), e os nobres e líderes religiosos e políticos (os opressores, que lucravam com a injustiça). Não obstante o texto não dizer que havia uma “luta de classes” nessa sociedade, os profetas do Antigo Testamento foram chamados por Deus justamente para denunciarem os pecados e os males cometidos por esses líderes e as classes abastadas contra os pobres, o que pressupõe conflito de interesses entre os profetas e a elite dominante de Israel. Portanto, as divergências e antagonismos das classes estavam subjacentes nessa relação social.

Ellen G. White ressalta essa verdade ao afirmar: “Contra a indisfarçada opressão, a flagrante injustiça, o luxo inusitado e extravagante, despudorados banquetes e bebedeiras, a grosseira licenciosidade e deboche de seu tempo, os profetas ergueram a voz; mas seus protestos foram vãos, inútil foi a denúncia do pecado”.2

Segundo ainda a Mensageira do Senhor, para Isaías “a perspectiva era particularmente desencorajadora em referência à condição social do povo. Em seu desejo de ganho, estavam os homens adicionando casa a casa, herdade a herdade. Osé. 5:8. A justiça fora pervertida; e nenhuma piedade era mostrada ao pobre. A respeito desses males Deus declarou: "O espólio do pobre está em vossas casas". "Que tendes vós que afligir o Meu povo e moer as faces do pobre?" Isa. 3:14 e 15. Mesmo os juízes, cujo dever era proteger o desajudado, faziam ouvidos moucos aos clamores do pobre e necessitado, das viúvas e dos órfãos. Isa. 10:1 e 2. [...] Em face de tais condições, não é surpreendente que Isaías recuasse da responsabilidade, quando chamado a levar a Judá as mensagens de advertência e reprovação da parte de Deus [...]. Ele bem sabia que haveria de encontrar obstinada resistência”.3

Ao final desse tópico o autor faz a seguinte afirmação: “Acrescenta-se a isso o fato de a Bíblia e Ellen G. White apresentarem pobres e ricos como sendo iguais, unidos através da cruz”. De fato, no sentido espiritual, todas as pessoas, pobres e ricas, negras e brancas ou qualquer outra diferença humana são iguais diante da cruz de Cristo (Gl 3:26-29). Porém, essa igualdade de todos em Cristo ocorre somente no campo espiritual (porque todos, independentemente de quaisquer diferenças, podem ser salvos por Jesus e pertencer a família de Deus), mas no campo material há gritantes diferenças ou desigualdades sociais, com milhões e milhões de miseráveis em contraste com a riqueza ostentada pelos ricos (seus latifúndios, suas casas e apartamentos nababescos).

2) Sociedade.

A parte atinente ao tópico “sociedade” é onde o argumento de Leandro Quadros se mostra mais inconsistente. Ele nega que a sociedade seja dividida em classes antagônicas como na acepção marxista. Para sustentar sua opinião usa o exemplo de Abraão que era muito rico e possuidor de vários empregados, mas que é descrito na Bíblia como “o pai da fé não é retratado como um ‘opressor burguês’”. Ora, o relato bíblico também não chama Abraão diretamente de mentiroso, mas ele mentiu ao dizer para os egípcios que sua esposa Sara era sua irmã (Gn 12:10-20). Embora Sara fosse meia-irmã de Abraão, como nos mostra Gênesis 20:12, eles eram casados. Temendo por sua vida negou esse fato. Quando a Bíblia Sagrada o descreve como o “pai da fé” não significa que a sua fé em algum momento não tenha sucumbido a prova, como ocorreu no Egito, quando fez uso de uma meia-verdade para esconder a outra metade. Similarmente, quando a Bíblia descreve Abraão como o “pai da fé”, não significa necessariamente que ele não tenha sido um opressor no sentido econômico. Pode-se até acreditar que Abraão não fosse um “opressor” no sentido de infligir violência física sobre outrem, mas dizer que aquela sociedade antiga não estava dividida em classes sociais fortemente hierarquizada, é demonstrar não somente desconhecimento bíblico, mas, sobretudo, de história. Todas as pessoas que têm o mínimo conhecimento de história sabe que todas as civilizações antigas eram divididas em classes dominantes e dominadas, entre senhores e escravos. “A prática de manter escravos remonta a tempos muito antigos. Abraão, em harmonia com sua época, tinha escravos (Gn 15:3)”.4  

Ele, que viveu numa sociedade familiar-tribal, era o patriarca do seu clã, tinha poder sobre todos, família e escravos. A Bíblia diz que ele tinha “servos e servas” (Gn 24:35). Provavelmente, alguns desses servos ou escravos foram comprados. Os registros bíblicos não deixam dúvidas a respeito da compra e venda de pessoas no patriarcalismo. Quando saiu de Ur dos caldeus, Abraão “levou sua mulher Sarai, seu sobrinho Ló, todos os bens que haviam acumulado e os seus servos, comprados em Harã; partiram para a terra de Canaã e lá chegaram” (Gn 12:5, NVI). É pertinente perguntar se Agar, uma das escravas de Abraão, nasceu na casa ou foi adquirida a preço de dinheiro: Abraão e seu filho Ismael foram circuncidados naquele mesmo dia. E com ele foram circuncidados todos os de sua casa, tanto os nascidos em casa como os comprados de estrangeiros” (Gn 17:26, 27, NVI). Agar era uma escrava que se encontrava sob o total domínio de Sara, a ponto de Abraão ter dito: Sua serva está em suas mãos. Faça com ela o que achar melhor". Então Sarai tanto maltratou Hagar que esta acabou fugindo” (Gn 16:6, NVI), inclusive vendê-la.

Ora, se Abraão tinha escravos e escravas, alguns deles comprados, ele era o senhor, logo havia uma relação de poder. Ele dominava sobre seus servos. Todos aqueles que estavam subordinados aos patriarcas, como os membros da família e os servos/escravos, eram obrigados a trabalhar para garantir o sustento do grupo. Esse tipo de relação era o que se chama hoje, em economia, o modo de produção escravista, em que os meios de produção (terras, gado e instrumentos de produção) e os escravos tinham um dono, o seu senhor. Considerado uma ferramenta, assim como os animais, os escravos trabalhavam para os senhores sem receber nada em troca. Esse modo de produção foi marcado pelo domínio e sujeição. Um pequeno número de senhores explorava uma grande massa de escravos, sendo proprietários destes, além dos meios de produção e do produto, não dando, na maioria das vezes, direito nenhum dos escravos, que produziam os bens. 

Em face disso perguntamos: A posse de escravos ainda que socialmente aceita, e o trabalho compulsório não seriam uma forma de opressão econômica? Os maus tratos a escrava Agar por sua ama Sara com a conivência de Abraão não seria uma forma de opressão psicológica?

Vale ressaltar que, a escravidão que existiu no período patriarcal e prosseguiu durante a monarquia na história de Israel antigo, não era propósito de Deus para Seu povo. Tanto é assim que Ele pediu a Moisés que estabelecesse leis acerca dos escravos, cujo objetivo era libertá-los após sete anos (Êx 21:1-7). “Visto que o propósito essencial de Deus é conceder liberdade, Ele regulou essa prática em Israel exigindo que os credores libertassem seus escravos a cada sete anos. Por isso, o Senhor protegeu o povo para que não se tornassem escravo permanentemente e demonstrou Seu desejo de que as pessoas vivessem livremente”.5

3) Religião.

Nesse tópico o jornalista Leandro Quadros continua com suas arengas destituídas de fundamentos. Ele diz que, no Manifesto do Partido Comunista, Marx afirma “que se deveria promover um ‘novo evangelho social’” e, queas Escrituras e White veem a moral e a religião não como instrumentos de dominação da burguesia, mas como oriundas de Deus”. Li a obra toda e não vi em nenhuma página do Manifesto Comunista a proposta de se “promover um novo evangelho social”. Essa não era a preocupação do filósofo alemão. Isso é uma interpretação forçada do autor. Na verdade, o que o Manifesto propõe é a criação de uma sociedade sem classes, onde todos sejam iguais, que ele denominou de sociedade socialista. Nada de “novo evangelho social”.  Desafiamos o autor a nos mostrar a página da obra que contém essa suposta ideia de Marx.

Concordamos com Leandro Quadros quando afirma que a moral e a religião não são concebidos pela Bíblia e por Ellen White como instrumentos de dominação. É isso mesmo. Contudo, ao longo da história, em diferentes sociedades, a classe dominante instrumentalizou a religião a fim de manter a relação de dominação e exploração de um povo que nada tinha. Marx percebeu essa manipulação que a burguesia fazia da religião e, fez duras críticas. Na verdade, ele nunca falou contra a religião em si, como é possível ler nos seus textos, o que ele criticava era o uso da religião pela elite dominante para conformar as pessoas (os dominados) a diferentes formas de opressão política e/ou econômica. Como é óbvio, Ellen G. White afirma que “a Palavra de Deus não sanciona nenhum plano que enriqueça uma classe pela opressão e o sofrimento de outra”.6 Na época de Marx, os líderes religiosos ensinavam os fiéis a se conformarem com a pobreza, com aquela ordem vigente, marcada pela exploração capitalista, impedindo desse modo que o povo se organizasse para reivindicar melhores condições de vida, melhores salários. Não é sem razão que Marx, na sua Crítica a Filosofia de Hegel, tenha dito: “O sofrimento religioso é, a um único e mesmo tempo, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e a alma de condições desalmadas. É o ópio do povo”7. Por conta da sua condição de instrumento de conformação (e por consequência, de sujeição), a religião foi, então, metaforicamente caracterizada por Marx como um ópio, um mecanismo de alienação dos dominados, ou um amparo vital para os trabalhadores oprimidos, o único conforto deles numa vida na qual ele não estaria disposto a abandonar.

Seja dito de passagem, que ainda hoje a elite dominante utiliza a religião como instrumento político. Quando padres e pastores, em seus discursos demonizam a esquerda e os movimentos sociais estão fazendo o jogo da elite dominante que querem manter a ordem vigente excludente e exploradora. Essa postura dos líderes religiosos conservadores visam, entre outras coisas, justificar a inércia, omissão e alienação dos cristãos frente aos problemas sociais, bem como afastá-los da participação em movimentos que lutam por justiça social. Com esses discursos, eles vão introjetando nos cristãos a ideia de que, como cidadãos dos Céus não devem se envolver com questões sociais que afligem as pessoas do mundo, inclusive os cristãos; que eles têm que “olhar somente para o alto”, pensar no Paraíso que herdarão, esquecer as coisas do mundo, que isso e aquilo são contrários aos princípios ensinados por Jesus, que os problemas sociais sempre existiram e continuarão a existir, entre outras. Isso chama-se ideologia, e que favorece a elite dominante da sociedade. É uma forma de instrumentalizar a religião para domesticar os crentes e a conformá-los com as mazelas sociais, e não lutar para garantir o direito a saúde e educação gratuita e de qualidade social, o emprego, a moradia, entre outros.

Cremos ser verdade que a Bíblia promete aos fiéis filhos de Deus um Novo Céu e uma Nova Terra no porvir, quando da gloriosa vinda de Cristo, e que, quando aceitamos a Jesus como Senhor e Salvador de nossa vida tornamo-nos cidadãos do Reino Eterno de Deus (Dn 2:44; Jo 14:1-3; 2 Pd 3:13; Ap 231:1-5). Entretanto, negar que também somos cidadãos deste mundo - e como tal podemos contribuir para torná-lo melhor, com mais justiça social - é, de fato, fazer da religião o “ópio do povo”.

4) Fé.

Segundo o articulista, Marx e Engels teriam escrito nos estatutos da Liga dos Comunistas que para pertencer a essa organização teriam que fazer “profissão de fé comunista”, o que contraria com o que a Bíblia e Ellen White ensinam de “que existe só uma fé verdadeira, a de Cristo, a “fé do evangelho”. Aqui ele faz uma tremenda confusão entre a “fé comunista” e a “fé do evangelho”. Quando Friedrich Engels escreveu o "Esboço de uma Profissão de Fé Comunista", em junho de 1847, não estava criando um dogma, um catálogo de crenças ou uma religião. A “fé” na obra de Engels não tinha o sentido religioso, mas fé no sentido de acreditar nas ideias marxistas, numa sociedade sem propriedade privada, consequentemente sem classes, mais justa e igualitária. Ora, uma vez que o marxismo não é um dogma religioso não faz sentido o contraste entre “fé comunista” e “fé de Cristo”. Esse paralelo traçado por Leandro Quadros tem o propósito nítido de afirmar a equivocada máxima dos evangélicos conservadores, de que “abraçar o marxismo é abandonar a fé do evangelho, que não se pode ter fé em Cristo e adotar o marxismo”. Ledo engano! Eu sou cristão e marxista, e conheço inúmeros cristãos adventistas e de outras denominações cristãs que também são marxistas. E, entendemos desde sempre que não trocamos uma coisa pela outra. Não concebemos uma concorrência entre nossa fé e as ideias essenciais do marxismo.

Ademais, esse debate do articulista é inútil, pois a Liga dos Comunistas há muito deixou de existir. Desde 1852 que essa organização encerrou suas atividades, logo ninguém terá de fazer a tal suposta “profissão de fé comunista”. Que sentido faz trazer para o debate essa questão depois de 168 anos de extinção dessa organização? Como o jornalista não tinha mais argumentos começou a “desenterrar defuntos”.

5) Família.

O tópico 5 é a tecla surradíssima da suposta proposta de “supressão da família” por Marx e Engels insistentemente batida pelos líderes religiosos conservadores. A partir de uma interpretação distorcida de fragmentos das obras de Marx e Engels, “Manifesto do partido Comunista”, “A ideologia Alemã” e “A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, eles criaram um discurso falacioso de que os dois filósofos alemães odiavam a família e pregavam a supressão dela. A verdade é que Karl Marx nunca pregou o ódio à família, tampouco o fim dela.

Em 2016, O Dr. José Luis Derisso escreveu um interessante artigo que responde com muita propriedade essa questão, nos seguintes termos:

“Na obra de Marx e Engels, propriedade, divisão do trabalho e família são pensados a partir da dinâmica histórica. Em A Ideologia Alemã prenuncia-se a tese posteriormente desenvolvida em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, tese esta que sustenta que a família é um elemento dinâmico – notem que apesar do título, em nenhuma passagem destas duas obras fala-se em origem ou suposto fim da família, apenas que a mesma deriva das hordas animais; contrariamente sustenta-se que a mesma assume formas distintas de acordo com o nível de complexidade das relações sociais, atingindo a forma da família monogâmica/patriarcal com a instituição da propriedade privada. Engels demonstra que a evolução da família se relaciona e é determinada pelo desenvolvimento das formas de propriedade, sendo que o declínio do matriarcado se associa ao surgimento do rebanho como propriedade do chefe da família, fenômeno que se explica pelo fato deste ter sua origem na atividade da caça que de acordo com a divisão do trabalho nas sociedades primitivas competia ao macho. A utilização da expressão “origem da família” no título da obra de Engels associasse à ideia de que a família é um produto histórico-cultural e, portanto, dinâmica, diferente da horda animal que a antecede. Isto fica evidente no fato de que Engels apresenta uma sucessão de modelos de famílias historicamente constituídas, sem teorizar sobre um suposto desaparecimento da instituição familiar, e muito menos que tal desaparecimento seria um pressuposto para a destruição da propriedade privada e implantação do comunismo”8.

Como se vê, Karl Marx tinha o entendimento de que havia vários modelos históricos de instituições familiares em distintas sociedades. Entretanto, os inimigos do marxismo sustentam, de forma desonesta, que a teoria marxista está na base da conspiração contra a família, com o objetivo nítido de enganar os incautos, a fim de arregimentá-los no combate a esquerda. Sendo assim, passam a falsa ideia de que o marxismo quer destruir a família em si, e não o patriarcalismo - mesmo porque para estes religiosos a família patriarcal, a propriedade privada e a sociedade dividida em classes de indivíduos desiguais constituem obras do Criador.

Particularmente, não acredito na família patriarcal. Sinceramente, não acredito que tal modelo tenha sido uma criação de Deus, mas humana. Ao fazer tal afirmação não quero dizer que a “família” não tenha sido uma instituição divina. Longe disso! Diferentemente de Marx e Engels, acredito profundamente que a família monogâmica foi uma criação de Deus, porém, penso que o modelo de família patriarcal foi fruto de relação sociocultural.  Mas, o que é uma “família patriarcal”? De acordo com o Dicionário de Direito de Família e Sucessões, “é a família em que a autoridade e os direitos sobre os bens e as pessoas concentram-se nas mãos do pai. Seu sentido, além de uma patrilinearidade, é um sistema social político e jurídico que vigorou no mundo ocidental até o século XX. Embora ainda persistam sinais de patriarcalismo, ele perdeu sua força. [...] A partir da consideração do sujeito de direito como sujeito de desejos, passou a ser inadmissível que mulher e filhos fossem assujeitados ao poder e desejo de um patriarca. E, assim, a família perdeu sua rígida hierarquia, despatrimonializou-se, ou seja, ela deixou de ser essencialmente um núcleo econômico e de reprodução e passou a ser o espaço do amor, do afeto e o locus de formação e estruturação dos sujeitos”9.

Marx escreveu: “Sobre que fundamento repousa a família atual, a família burguesa? Sobre o capital, sobre o lucro privado. A família plenamente desenvolvida existe apenas para a burguesia, mas encontra seu complemento na ausência forçada de família entre os proletários e na prostituição pública.” [...] A fraseologia burguesa sobre a família e a educação sobre os afetuosos vínculos sublimes entre criança e pais, torna-se tanto mais repugnante quanto mais a indústria moderna rompe todos os laços familiares dos proletários são destruídos e transforma suas crianças em simples artigos de comércio e em simples instrumentos de trabalho”.10

Nesse trecho do Manifesto Comunista, Marx está claramente denunciando a maneira pela qual a burguesia constrói todas as relações sociais (sobre o capital). A família burguesa no sistema capitalista que tem como fundamento o lucro individual, onde o casamento realiza-se baseado em interesses econômicos e dependência da mulher, e não em interesses mútuo e no amor. Nesse modelo de família a mulher burguesa é encarada como “simples meio de produção por seus maridos”,11 como “propriedade” dos homens. Entretanto, mesmo essa "família" não pode ser universalizada, porque, como a passagem acima citada demonstra, só os burgueses se dão o luxo de ter “famílias”, enquanto os proletários são extirpados do hipotético direito de as ter, pois, quer as mulheres, quer as crianças são vistas apenas como instrumentos de trabalho, instrumentos desiguais, quando comparados aos homens. Portanto, Marx e Engels não estão preconizando o fim da família, mas a supressão do modelo de família patriarcal, caracterizado pela desigualdade nas relações sociais, ou seja, a dominação do homem sobre a mulher. O patriarcado relegava a mulher o espaço privado da “casa”, onde “cabia à mulher não apenas ser uma dona-de-casa exemplar, mas também tornar agradável a vida do marido com sua assistência, seus cuidados e seu interesse”.12

De acordo com a Dra. Sheila de Castro Faria, no Brasil, no período colonial, esse modelo de família patriarcal, compreendia uma família numerosa, composta não só do núcleo conjugal e de seus filhos, mas incluindo um grande número de criados, parentes, aderentes, agregados e escravos, submetidos todos ao poder absoluto do chefe de clã, que era, ao mesmo tempo, marido, pai, patriarca.13 Nesse modelo o homem (o patriarca) era tudo e a mulher era nada - posto que não tinha vontade própria, nem tempo do qual dispor livremente, um exemplo poderoso do que o pecado causou à raça humana. Dessa forma, o patriarca constitui-se em um núcleo econômico e um núcleo de poder, cuja vontade era lei para todos os demais membros da família. Esse modelo de família foi sendo alterado ao longo dos anos, simplesmente deixou de existir na maior parte do mundo moderno.

Novas configurações familiares foram surgindo ao longo do tempo no Brasil, bem como em outras partes do mundo. E isso nada tem que ver com o Marxismo. Às vezes é simplesmente um movimento de direitos humanos ou um entendimento liberal de empoderamento, de dar voz às pessoas, que irritam os conservadores, que não são necessariamente do pensamento marxista. A maioria das famílias hoje não é mais numerosa, o pai não exerce mais o poder absoluto. Sua autoridade é compartilhada com a mulher; a mulher não é mais vista como propriedade do homem, nem inferiorizada, mas vista como um ser igual ao homem, e que se inseriu no mercado de trabalho, logo, o homem não é mais o único provedor. As famílias hoje mão possuem escravos. Não vejo que essas mudanças culturais sejam desvirtuamento do evangelho.

A escritora cristão Ellen G. White acreditava na igualdade entre o homem e a mulher. Enfatizou ela: “Quando os maridos exigem completa sujeição de suas esposas, declarando que a mulher não tem voz ativa ou vontade na família, mas deve mostrar inteira submissão, estão colocando suas esposas numa posição contrária à Escritura. Interpretando desta forma a Escritura, violam o desígnio do casamento. Esta interpretação é utilizada simplesmente para que possam exercer governo arbitrário, que não é sua prerrogativa. Mas lemos em continuação: "Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a Si mesmo se entregou por ela." Efés. 5:25. Por que devem os maridos se irritar contra suas esposas? Se o esposo lhe descobriu erros e abundância de faltas, irritação de espírito não remedia o mal”.14

Ademais, nos países que implementaram o socialismo inspirados nas ideias de Marx, nenhum deles destruíram a família. A centro-esquerda no Brasil assumiu o governo através do PT, entre os anos de 2002-20015. Nunca houve uma ação do governo no sentido de promover a desintegração da família. Portanto, não há razão nenhuma para se acreditar nessa ideia estapafúrdia.

6) Estado.

Leandro Quadro questiona a proposta dos pensadores alemães de tomada do poder pela classe trabalhadora através da revolução, estribando-se no texto bíblico de Romanos 13:1-5. E conclui: “Em contrapartida, a Bíblia e Ellen G. White dizem que devemos respeitar as autoridades constituídas por Deus. Afinal, se rebelar contra elas é se rebelar contra Deus e ficar sujeito à justa punição (ver tb Rm 13:1-5). Simultaneamente, ensina-se que o cristão deve ser obediente às autoridades como “um dever sagrado”. [...] Além disso, White escreveu que não devemos ‘desafiar as autoridades’”.

Particularmente, não defendo a luta armada, mas a luta pacifica como estratégia na construção da sociedade mais justa, igualitária, fraterna e socialista. A maioria das esquerdas no mundo aderem a essa estratégia. Agora, convenhamos, usar a Bíblia e Ellen White para defender que cristãos não devem participar da luta por justiça social ou mesmo contra um governo ou um regime opressor que retira direitos do povo, porque temos “que respeitar as autoridades constituídas por Deus”, é pura e simples ideologia da elite dominante que só a ela favorece.

Importante ressaltar que o texto de Romanos mencionado por ele tem sido interpretado de modos distintos. Pessoalmente, acredito que a expressão paulina “que as autoridades que existem foram por Ele constituídas”, significa que Deus PERMITE a ascensão dos governante, mas não que Ele atua diretamente para colocar determinados políticos no poder. Se acreditarmos que Deus é responsável por colocar diretamente todos os governantes no poder teremos que admitir a absurda ideia de que Deus foi responsável por todas as injustiças e atrocidades cometidas por inúmeros reis, imperadores e presidentes ao longo da história, vamos ter que admitir que Deus foi responsável, por exemplo, pela morte de mais de 6 milhões de judeus, e centenas de deficiente, comunistas, homossexuais, ciganos e religiosos por Adolfo Hiltler e os nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial.

As perguntas que se impõem são: Até onde vai o limite do Governo, “da autoridade”? Paulo submeteu-se cegamente a esses poderes? O mesmo Paulo, quando foi julgado por crime que não cometeu, não se submeteu, antes, apelou a Cesar (Atos 25:11). Ele desrespeitou seu próprio mandamento? Claro que não. Houve grande mobilização em função de sua apelação; um destacamento militar foi colocado à disposição do apóstolo, uma longa viagem teve de ser feita, ele ficou dois anos sob custódia do Império, tudo isso porque não aceitou as disposições legais contrárias a verdade a seu respeito.

Ellen G. White era contra o regime de escravidão adotado pelo Estado americano. Em 1850, o governo norte-americano aprovou a Lei do Escravo que tornava obrigatório os cidadãos dos estados do Norte a apoiar a recuperação de escravos fugitivos e punia quem os ajudasse a fugir. Corajosamente a serva do Senhor se insurgiu contra essa lei injusta. “Defendendo a desobediência civil a essa lei, Ellen White apelou aos irmãos na fé para que ajudassem os escravos fugitivos. ‘A lei de nossa terra nos obriga a entregar um escravo ao seu senhor, mas não devemos obedecê-la; e temos de arcar com as consequências de violar essa lei’, escreveu ela. ‘O escravo não é propriedade de homem algum. Deus é seu legítimo senhor, e o homem não tem nenhum direito de tomar a obra de Deus em suas mãos, e pretender que é propriedade sua’ (T1, 202)”.15

“Está claro que Ellen White odiava a escravidão como um crime contra a humanidade. Ela denunciou essa prática persistentemente e apelou à igreja para se engajar em ações para melhoria da condição dos escravos”.16 Ellen White tinha completa consciência de que sua mensagem antiescravista entrava em confronto direto com a ordem vigente. Tanto é assim que declarou: “Eu sei que o que estou dizendo agora me colocará em conflito. Isso eu não desejo, pois o conflito tem sido constante nos últimos anos; mas não quero viver como covarde nem morrer como tal, deixando meu dever por cumprir. Devo seguir os passos do meu Mestre".17

Citamos esse exemplo de Ellen White para demonstrar que se insurgir contra um governo injusto que impõe e mantém um regime opressor ou estabelece leis injustas não representa transgressão das orientações de Paulo aos romanos. Hoje, não lutar contra as injustiças políticas, sociais e econômicas é ser “covarde”, como disse Ellen White.

7) Propriedade Privada.

Arenga ainda o articulista terem Marx e Engels afirmado que o objetivo do comunismo é suspender a propriedade privada e ‘destruir todas as garantias e seguranças da propriedade privada’”. A seguir conclui: “De acordo com a Bíblia, pegar o que é dos outros (seja à força ou não) é roubo, transgressão aberta ao 8º mandamento do Decálogo. Dessa forma, os ladrões inconversos “não herdarão o reinos dos céus” (1Co 6:10)”.

Uma pessoa que nunca leu o Manifesto Comunista e outras obras de Marx, ler essa “argumentação” distorcida do Leandro Quadros, a partir de frases fora do contexto, ficará apavorada e passará a odiar Marx, pois acreditarão que ele defende que o comunismo confisque os bens e pertences individuais, fruto do trabalho das pessoas, a exemplo de casa, carro ou sítio. Mas, essa narrativa construída pelos líderes religiosos conservadores tem sido sempre a “estratégia de persuasão” para arregimentar os cristãos no combate ao socialismo e a esquerda.

Mas aqui Leandro Quadros e todos os pastores antiesquerdistas também seguem trilha errada porque enganam as pessoas acerca do que realmente Marx preconizava a respeito da propriedade privada. De fato, socialismo marxista propõe a abolição da propriedade privada, mas não dos bens que as pessoas trabalharam para adquiri-los. No Manifesto, Marx critica os ideólogos e defensores da burguesia que acusam os comunistas de defender a coletivização geral dos pertences e dos frutos do trabalho, prática que teria como consequência a anulação da individualidade e privacidade dos homens. Marx e Engels rechaçam tal ideia, demonstrando que o comunismo defende, sim, o controle social dos meios de produção (o latifúndio, as fábricas, os bancos, entre outros); porém, os bens de consumo, isto é, os produtos do trabalho necessários à reprodução e manutenção da vida, continuariam como propriedade individual dos trabalhadores. Para Marx, “o comunismo não priva ninguém do poder de se apropriar dos produtos sociais; o que faz é eliminar o poder de subjugar o trabalho alheio por meio dessa apropriação”.18

Finalmente, Marx e Engels refutam a alegação levantada também pelos ideólogos burgueses, segundo a qual a abolição da propriedade privada representaria a abolição da liberdade e da individualidade humanas. Os autores do Manifesto afirmam que se trata da abolição da liberdade e da individualidade apenas da burguesia; e que essa liberdade tão proferida consiste somente na liberdade de comércio, isto é, na liberdade de comprar e vender. Argumentam ainda que esse tipo de liberdade está muito distante de representar a liberdade de todos os homens, na medida em que, na sociedade capitalista, a riqueza concentra-se nas mãos de um pequeno grupo de burgueses, o que os leva a concluir que a propriedade privada já está claramente abolida para a grande maioria da sociedade.

Como se vê, nada no texto de Marx indica “roubo” dos pertences individuais, frutos do trabalho e mérito das pessoas, mas de coletivização da propriedade burguesa (fruto da exploração do trabalho dos trabalhadores) em prol de todos. Nesse sentido, não há violação do 8º mandamento da lei de Deus, como quer o jornalista. Ao contrário, está em consonância com as Sagradas Escrituras que condenam a acumulação de riqueza como fruto da exploração dos trabalhadores. Observe o que diz a Palavra de Deus: “Ouçam agora vocês, ricos! Chorem e lamentem-se, tendo em vista a miséria que lhes sobrevirá. A riqueza de vocês apodreceu, e as traças corroeram as suas roupas. O ouro e a prata de vocês enferrujaram, e a ferrugem deles testemunhará contra vocês e como fogo lhes devorará a carne. Vocês acumularam bens nestes últimos dias. Vejam, o salário dos trabalhadores que ceifaram os seus campos, e que por vocês foi retido com fraude, está clamando contra vocês. O lamento dos ceifeiros chegou aos ouvidos do Senhor dos Exércitos. Vocês viveram luxuosamente na terra, desfrutando prazeres, e fartaram-se de comida em dia de abate. Vocês têm condenado e matado o justo, sem que ele ofereça resistência” (Tg 5:1-6, NVI).

O juízo anunciado sobre os ricos é causado pelas riquezas acumuladas às custas da exploração dos trabalhadores ceifeiros - camponeses. Essas palavras de Tiago são duríssimas. Ele constata que as riquezas não são duradouras e são fonte de desgraças. Ele muda a perspectiva, confrontando os detentores da riqueza - os ricos. Portanto, as desgraças se voltarão contra eles, e eles vivem numa situação pouco duradoura (1.10).

Em nossa análise dos sete pontos apontados pelo articulista, percebeu-se nitidamente que toda a dialética construída por ele tem a sua base em trechos do Manifesto do Partido Comunista tirados do contexto e mal interpretadas, para fazer parecer que as ideias do marxismo são totalmente contrárias a Palavra de Deus. E assim, induzindo seus “seguidores” nas redes sociais caírem no seu engodo. O leitor sincero que julgue.

A Intolerância de Leandro Quadros

Na parte final do seu artigo, Leandro Quadros transcreve a fala do editor do Manifesto Comunista, onde informa que, por conta do comunismo ter absorvido o ateísmo, por decreto de 1949, a Igreja Católica proibiu os fiéis de se filiarem ao comunismo sob pena de expulsão da Igreja. Em seguida, o Leandro faz a surpreendente declaração: “Definitivamente, neste ponto o catolicismo foi totalmente coerente. Na opinião pessoal do presente articulista, que não representa a voz oficial da igreja na qual é membro, o exemplo da Igreja Católica (neste aspecto) deveria ser seguido de forma semelhante também pelas religiões protestantes, incluindo a Igreja Adventista do 7º Dia”.

Pasme o leitor em face de tão grosseira assertiva! Com esse comentário obtuso, o Pastor Leandro Quadros revela claramente seu incrível desamor e preconceito com seus coirmãos progressistas, que fizeram opções políticas distintas daquelas que interessam aos detentores do poder político e dele. Fica claro que se tivesse o “poder” promoveria um “caça aos comunistas” dentro da Igreja Adventista, excluindo dela todos os adventistas progressistas. Tal atitude beira a intolerância disfarçada de cristianismo.

Como ele mesmo disse, esse não é o pensamento oficial da igreja. Não adotar nenhuma ideia marxista nunca foi prova ou, um requisito prévio para o discipulado cristão da Igreja Adventista. Graças a Deus! O Manual da Igreja, que é a única “constituição” da IASD, jamais apoiou a posição de que para pertencer a ela não pode ser marxista.

A edição do Manual da Igreja de 2015 declara claramente à página 66:

“Nenhuma Prova Adicional de Discipulado. – Nenhum ministro, congregação ou Associação possui autoridade para estabelecer provas de discipulado. Essa autoridade pertence à Assembleia da Associação Geral. Portanto, qualquer pessoa que busca aplicar provas além das que são estabelecidas aqui, não representa apropriadamente a igreja”.

A prova de discipulado é a aceitação das 28 Crenças Fundamentais da IASD, e os adventistas progressistas aceitam totalmente essas crenças, amam a Igreja e acreditam ser ela a Igreja Remanescente da profecia bíblica (Ap 12:17), mantém relacionamento contínuo com Jesus, inclusive, muitos deles participam da missão de levar outras pessoas a Jesus.

Portanto, por decorrência lógica da civilidade, dignidade da pessoa humana e, até mesmo, da boa educação, o Pastor Leandro Quadros precisa aprender a respeitar, não as ideias políticas dos adventistas progressistas, mas o direito constitucional que eles têm de possui-las.

E, ainda, à guisa de conclusão, que ele e os outros pastores sinceros ponderem honestamente sobre tudo isso, e revisem seu julgamento sobre aqueles crentes que como eles,  aguardam o segundo advento de Cristo e, consequentemente, o fim da era do pecado e o início de um mundo melhor, conforme prometido por Deus em sua Palavra, mas que acreditam que, como luz e sal da Terra (Mt 5:13-16), podem e devem dá sua contribuição na construção de um mundo com mais justiça social e mais fraterno, através das várias expressões do agir político – seja no sentido amplo, seja na militância partidária ou num movimento social. Isso não compete com a autoridade da Palavra de Deus, como querem alguns. Ao contrário, está em harmonia com a Bíblia. No passado, movido pelo chamado de Deus e pela compreensão de que Ele deseja a justiça, os profetas ousaram ser a voz dos oprimidos (Is 1:17, 23 e 24; Mq 6:8; Ez 16:49). Deus ainda hoje pede que busquemos a justiça social e lutemos contra a opressão e pelos direitos dos pobres e excluídos. Como cristãos, antes que Cristo Jesus volte em glória e majestade, devemos promover as mudanças sociais que refletem os valores e ensinamentos de Jesus.

 

Referências:

1. MARX, Karl. “Manifesto do Partido Comunista”. São Paulo, Editora Martin Claret, 2010, (Col. A Obra Prima de Cada Autor), p. 45.

2. WHITE, Ellen G. Profetas e Reis. Tatuí, SP: CPB, 2007.  p. 282.

3. Idem, p. 306, 307.

4. Dicionário Bíblico Adventista do Sétimo Dia. Tatuí, SP: CPB, 2016. p. 432.

5. Lição da Escola Sabatina, 4º Trimestre de 2019, ed. Professor, p. 59.

6. WHITE, Ellen G. A Ciência do Bom Viver, SP: CPB, 2004, p. 187.

7. MARX, Karl. Crítica à Filosofia do direito de Hegel. São Paulo, Editora Bomtempo, 2005. A Obra pode ser adquirida em PDF pelo link: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2420

8. DERISSO, José Luis. Marxismo e história da família: resposta aos opositores da chamada “ideologia de gênero” na educação. Disponível em: <https://www.fe.unicamp.br/eventos/histedbr2016/anais/pdf/1029-2729-1-pb.pdf>. Acesso em: 05 de ago. 2020.

9. Família Patriarcal – Dicionário de Direito de Família e Sucessões. Disponível em: <https://www.rodrigodacunha.adv.br/familia-patriarcal-dicionario-de-direito-de-familia-e-sucessoes/>. Acesso em: 04 de ago. 2020.

10. MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo, Editora Martin Claret, 2010 (Col. A Obra Prima de Cada Autor), p. 63.

11. Idem, 63, 64.

12. SCHOLZ, R. O valor é o homem. Tradução de José Marcos Macedo. Novos Estudos - CEBRAP, n. 45, p. 15-36, jul. 1996.

13. FARIA, Sheila de Castro. “Família”. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 216-362.

14. WHITE, Ellen G. O Lar Adventista, Tatuí, SP: CPB, 2005, p.116.

15. Enciclopédia Ellen G. White. Tatuí, SP: CPB, 2018, p. 872.

16. Idem, p. 874.

17. Lição da Escola Sabatina, 3º Trimestre, Edição de Professor, p. 67.

18. MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo, Editora Martin Claret, 2010 (Col. A Obra Prima de Cada Autor), p. 62.

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigado, Prof. Neto por ter aprecido nosso texto. Fique com Deus. Abraço afetuoso!!!

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  2. Que tristeza ler tamanha desinformação aos irmãos adventistas pouco blindados com essa ideologia contrária à Bíblia.

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  3. Que maravilhoso ler isso!! Ao mesmo tempo que sinto profunda tristeza e sensação de impotência ao ver o espaço que o discurso dominante tem nas igrejas cristãs, me sinto confortada ao ver que existem irmãos dispostos a rebater discursivamente esse problema. Muito obrigada!!! ♥

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