RESPOSTA A “DECRETO DE CIRO OU DECRETO DE ARTAXERXES? QUESTÕES NA DATAÇÃO DA PROFECIA DAS 70 SEMANAS”
Roy
Gane*
Tradução: Hugo
Martins
O artigo de André Reis,
em outubro de 2019, na Adventist Today, levanta algumas objeções à
interpretação adventista do sétimo dia de Daniel 9:25, que especifica o evento
que inicia as “setenta semanas” profetizadas nos versos 24–27. A visão
adventistas do sétimo dia da “setenta semanas” como o primeiro segmento (70 x 7
= 490 anos) que é “cortado” (v. 24) das “2300 tardes e manhãs” de Daniel 8:14.
Logo, se os adventistas estiverem errados sobre o ponto inicial das “setenta
semanas,” estão errados tanto em ver esta profecia como uma predição exata do
tempo quando Cristo viera, e, também, quanto o término das “2300 tardes e
manhãs” (2300 anos) em 1844 E.C.
Os argumentos de Reis
que o decreto persa de Ciro, em vez do posterior decreto de Artaxerxes I fora
promulgado em 457 A.E.C., iniciara as “setenta semanas” não estão fundamentados
em evidências, como mostrado pelas seguintes respostas aos pontos que ele tem
feito:
1.
Quem decretou que Jerusalém será reconstruída de acordo com Isaías 44:28?
Para Reis, diversas
traduções em inglês indicam ser Ciro que diz que Jerusalém será (re)construída.
No entanto, essas interpretações não refletem com precisão o discurso hebraico,
pois é Deus que diz essas palavras, seguindo uma série de particípios com ele
como o sujeito nos versos 24–28. O verso 28 começa com um outro particípio:
“quem diz”. O Senhor ainda está falando, desta vez de Ciro. A segunda metade do
verso começa: “e [conjunção hebraica vav]
dizendo [infinitivo] a respeito de Jerusalém: ‘Será edificada’ . . .” Isto
simplesmente estende a ação proferida expressada pelo particípio no início do
verso, onde é o Senhor quem fala. É Deus quem diz sobre Jerusalém: “Será
edificada.”
Isaías não prediz um
decreto de Ciro que restaurará e reconstruirá Jerusalém em cumprimento a Daniel
9:25. Ciro não desempenhou um papel importante no plano de Deus, pois Isaías
45:13 profetizou sem mencionar um decreto de Ciro. O processo de edificação
começou com Ciro (Esdras 1:1–4; 6:3–5), continuou com Dario I (6:6–12), e
culminou com o decreto de Artaxerxes, como indicado por Esdras 6:14.
2.
É o termo davar, “ordem,” em Daniel 9:23 o mesmo davar, “ordem,” no verso 25?
Reis argumenta que a
“ordem” (decreto) de Ciro já houvera sido dada, e, portanto, cumprira a
profecia de Daniel 9:25:
Gabriel
vem e explica que Deus ouvira a oração de Daniel e que um “davar” (9:23),
literalmente “ordem” houvera sido dada. É-lhe dito, então, considerar esta
“ordem,” novamente repetida em 9:25: “Saiba e entenda isto: desde que foi dada
a ordem [davar] para restaurar e para edificar Jerusalém . . .,” indicando que
este “davar” é provavelmente o mesmo.
Todavia, uma simples
análise do discurso mostra que no verso 23, o “davar” que foi dado é a mensagem
nos versos 24–27 que Gabriel trouxera a Daniel no primeiro ano de Dario o Medo
(v.1, não Ciro na Babilônia; ver 6:28) e lhe fora dito considerar. Incluído
nesta mensagem geral está o futuro “dando” (substantivo motsa’; não um verbo no
pretérito para “dada”) de uma uma outra “palavra”: o decreto para restaurar e
reconstruir Jerusalém (v. 25).
3.
O que “para restaurar e para edificar Jerusalém,” em Daniel 9:25, significa?
Como um leitor moderno
de uma tradução em inglês, Reis assume que a restauração de uma cidade
refere-se à reconstrução de casas e de outras edificações, que começou em
Jerusalém sob Ciro. Contudo, o verbo traduzido como “restaurar” é hifil
(causativo) de shuv. Quando este verbo emprega uma cidade como seu objeto
direto, como em Daniel 9:25, refere-se à restauração de sua propriedade a uma entidade
política que anteriormente a possuía (1 Rs 20:34; 2 Rs 14:22).
Fora o decreto de
Artaxerxes I (Ed 7:11–26) no sétimo ano do seu reinado (vv. 7–8), em 458/457
A.E.C., que devolvera a posse de Jerusalém para os judeus, conferindo-lhes
controle civil autônomo da cidade (durante o Império Persa), para que eles
governassem sob as suas próprias leis, e com o seu sistema judicial próprio
(vv. 25–26).1 Devolvendo Jerusalém ao controle judeu, Artaxerxes implicitamente
lhes dera permissão para reconstruir os muros da cidade a fim de torná-la uma
cidade de fato (Ed 4:12), em vez de um mero acampamento.
4.
O Messias (“Ungido”) vem após 7 semanas ou 69 semanas?
Reis afirma:
Como
elucidado por modernas traduções da Bíblia, Daniel 9:25, na verdade, não revela
que “o Messias, o Príncipe”, i.e., “Jesus,” vem após as 69 semanas, mas após as
7 semanas . . . NRSV: “Desde o momento em que a ordem saiu para restaurar e
reconstruir Jerusalém, até o tempo de um ungido, o príncipe, haverá sete
semanas; e por sessenta e duas semanas será construída de novo, com ruas e
muralha, mas em um momento difícil . . .”
A questão aqui é a
interpretação da pontuação massorética, particularmente o athnakh, que
representa uma pausa importante, ou a divisão do verso. Uma tradução literal do
hebraico de Daniel 9:25 se lê da seguinte maneira, sem qualquer pontuação
interpretativa em português:2
.
. . da saída [de uma] ordem para restaurar e para construir Jerusalém até um
messias um príncipe [haverá] sete semanas (athnakh) e sessenta e duas semanas
será restaurada e construída rua e muralha mas em tempos de angústia
Os termos hebraicos
para “e sessenta e duas semanas” seguem imediatamente os termos “sete semanas.”
Esses dois períodos de tempo sequenciais seguem os termos “da . . . até . . .,”
que exigem uma indicação de tempo que termina com a vinda de “um ungido, um
líder.” Isso se correlaciona com o verso 26, onde “um/o ungido” é “cortado”
após as 62 semanas, não após as sete semanas.
A ausência do artigo
definido (“o”) em mashiakh (“um ungido”) no verso 26, não prova de forma
nenhuma ser um “ungido” diferente do verso 25. Zdravko Stefanovic destaca no
que diz respeito ao mashiakh nagid (“um ungido, um príncipe”) no verso 25:
“Nenhum
desses dois substantivos tem o artigo definido, mas podem ser considerados como
definidos em razão da passagem ser poética, e da maioria dos substantivos nos
versos 24–27 estarem indefinidos.”3
Continuando, os termos
“será restaurada e construída rua e muralha . . .” descrevem a condição de
Jerusalém durante pelo menos parte do tempo entre “da saída [de uma] ordem para
restaurar e para construir Jerusalém” e “um ungido.” De acordo com a pontuação
massorética, essa condição da cidade seria durante o segundo segmento:
“sessenta e duas semanas.” Isto não significa que “um ungido” viria após as
“sete semanas,” mas que o tempo até “um ungido” seria sete semanas mais
sessenta e duas semanas durante as quais Jerusalém em uma condição de tendo
sido restaurada e (re)construída com rua e muralha, mas em tempos de angústia.
5.
Quem “fará firme aliança com muitos, por uma semana,” em Daniel 9:27?
Reis continua:
Lemos,
então, no v. 27: “Ele fará firme aliança com muitos, por uma semana. Na metade
da semana, fará cessar o sacrifício e a oferta de cereais. Sobre a asa das
abominações virá aquele que causa desolação, até que a destruição, que está
determinada, seja derramada sobre ele” (Dn 9:27). O pronome inicial “ele” se
refere ao príncipe que virá e destruirá a cidade e o santuário, e fará uma
aliança com muitos por uma semana, não ao “ungido” que já está morto, e “não
terá nada”! ”Este príncipe maligno que faz tal aliança por uma semana é o mesmo
“chifre pequeno” que suprime o sacrifício diário, e em seu lugar coloca a
“transgressão desoladora” no santuário em Daniel 8:13.
Que sentido faria para
este príncipe da destruição (não confundir com “um ungido, um príncipe” no
verso 25) fortalecer uma aliança (pré-existente) para (o benefício de) muitos
por uma semana (de acordo com o significado hebraico)? O contexto indica que o
antecedente real de “ele” é outra pessoa.
As “setenta semanas,”
i.e., semanas de anos,4 concernentes ao povo judeu em Daniel 9:24–27, tratam da
aliança deles com o Senhor (ver v. 4). Não obstante, os eventos do verso 26
parecem devastar a aliança, pois “após as sessenta e duas semanas,” i.e.,
durante a “uma semana” (v. 27), a septuagésima das “setenta semanas”, que o
“ungido” seria “morto” (literalmente “cortado”) e “não terá nada” (v. 26a).
Subsequentemente, Jerusalém com o seu templo seria destruída pelo “povo de um
príncipe que há de vir” (v. 26b).
Ainda assim, havia
esperança porque “ele” (quem será?) fortaleceria (hifil de gbr), i.e.,
confirmaria, uma “aliança com muitos” (v. 27a). Confirmar uma aliança indica
que ela já existe; ele não estabeleceria uma nova aliança, que seria expressa
com um verbo diferente (krt; e.g., Gn 15:18, 21:17; Êx 24:8).)
Que aliança existente
pode estar em voga aqui? Em Daniel 9, é a aliança entre Deus e seu povo.5 Por
conseguinte, o antecedente lógico de “ele” no início de Daniel 9:27 é o
“ungido,” não o destruidor.
Desmond Ford,
logicamente, concluiu a respeito de Daniel 9:24-27:
É
o Cristo verdadeiro, o grande centro desta profecia incrível. As benção do
verso 24 são o resultado de Sua obra. Ele é Aquele que vem no verso 25 e é
“cortado” no verso 26. Da mesma forma, Ele é Aquele que fortalece, i.e.,
“confirma”, a aliança no verso 27. A única referência até então ao príncipe
opositor é um enfatizando o povo dele, em vez del, e fazer do anticristo o
principiador da aliança é desconsiderar o sentido da passagem . . .
Ademais, o Novo
Testamento interpreta esta passagem. Em Marcos 14:24, lemos sobre Aquele que na
septuagésima semana de anos ratificou a aliança com muitos.6
Conclusão
A interpretação mais
natural do texto hebraico de Daniel 9:24-27 identifica o momento em que o
Messias viria: 69 (7 + 62 semanas de anos = 483 anos após 457 A.E.C. Com nenhum
zero entre A.E.C. e E.C., os 483 anos vão até 27 E.C. Naquele tempo, Jesus se
tornou o “ungido”/Messias, quando ele foi “ungido” pelo Espírito Santo em seu
batismo7 e começou o seu ministério “no décimo quinto ano do reinado de Tibério
César” (Lc 3:1).8 Identificando Jesus como o Messias, Daniel e outras passagens
messiânicas do Antigo Testamento, incluindo Salmo 22 e Isaías 52:13–53:12,
proclamam o Evangelho com antecedência.
*Roy
Gane,
Ph.D., é Professor de Hebraico Bíblico, Línguas do Antigo Oriente Médio e
Diretor do Curso de Doutorado em Religião
no Seminário Teológico Adventista da Andrews University em Berrien
Springs, Michigan. Autor de diversos artigo e livros como “In the Shadow of the
Shekinah: God’s Journey with Us” e “God’s faulty heroes”.
Notas
[1] Ver Roy Gane, Who’s
Afraid of the Judgment? The Good News About Christ’s Work in the Heavenly
Sanctuary [Nampa, ID: Pacific Press, 2006], pp. 73-74; ver, também, 59–86, e
https://spectrummagazine.org/2020/contamination-purification no tocante ao
início do juízo pré-advento de Deus em 1844, e as respostas às objeções quanto
a esta interpretação, incluindo a má identificação do “chifre pequeno” como
Antíoco IV Epifânio.
[2] Minha tradução, com
termos necessários acrescidos em chaves para o português.
[3] Zdravko Stefanovic,
Daniel: Wisdom to the Wise: Commentary on the Book of Daniel [Nampa, ID:
Pacific Press, 2007], p. 355; ver, também, Paul Joüon, S.J. e T. Muraoka, A
Grammar of Biblical Hebrew [Rome: Editrice Pontificio Instituto Biblico, 2006],
p. 11 [§3º].
[4] The Hebrew and
Aramaic Lexicon of the Old Testament, 4:1384.
[5] Ver, também, Dn
11:22: “o príncipe da aliança;” vv. 28 e 30: “santa aliança.”
[6] Daniel, [Nashville,
TN: Southern Publishing Association, 1978], 233–23.4
vii Lc 3:21–22; ver,
também, 4:18; Atos 10:37–38.
[8] Ver The Seventh-day
Adventist Bible Commentary, 5:243-247
FONTE:
O artigo Resposta a “Decreto de Ciro ou Decreto de Artaxerxes? Questões na
Datação da Profecia das 70 semanas” (Original em Inglês: Response to “Cyrus’ or
Artaxerxes’ Decree? Issues in Dating the 70-Week Prophecy”), por Roy Gane, fora
publicado, inicialmente, pela revista independente Adventist Today. Usado com permissão pelo Blog Estudos
Adventistas: http://estudosadventistas.com.br/resposta-a-decreto-de-ciro-ou-decreto-de-artaxerxes-questoes-na-datacao-da-profecia-das-70-semanas/?fbclid=IwAR1Z69lUVgv8a_nUG4wWQZG7H1Ux9ss0MJ7zRl82BtNNJ157_YBlua0KAzE
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