por
Ricardo André
Em reação ao convite do
Pastor-Doutor Martin Kuhn (Reitor do UNASP) ao vice-presidente da República,
Hamilton Mourão, para ministrar a Aula Magna, que ocorrerá no Auditório da Universidade
Adventista de São Paulo (UNASP), no próximo dia 21 do corrente, um grupo de
adventistas do sétimo dia, denominado “Adventistas pela Democracia e Justiça
Social” lançaram a “Carta Aberta ao UNASP”. Organizado por cerca de 40
adventistas de diferentes regiões do Brasil, o documento reúne até o momento
150 assinaturas, mas os idealizadores esperam congregar muito mais nomes no
abaixo-assinado nas próximas horas.
O grupo revelou
sentir-se “consternado” e "indignado" pela convite ao Mourão que há pouco tempo
adotou “posturas públicas de admiração e apologia [...] ao Cel. Carlos Alberto
Brilhante Ustra” [...], chefe do Destacamento de Operações de Informação -
Centro de Operações de Defesa Interna (DOI- CODI) durante a ditadura militar
(1964-1985). Investigações posteriores apontaram que, durante seu período à
frente do Departamento (1970-1974), ao menos 502 pessoas foram torturadas. Em
2008, o Cel. Ustra tornou-se o primeiro militar condenado pela Justiça
Brasileira pela prática de tortura durante a ditadura [...]”.
O documento denuncia
que os organizadores do evento ao convidar Mourão para ministrar a referida
aula no UNASP, “ignora[m] os valores mais básicos da Democracia presentes na
Constituição Federal de 1988, os quais são ameaçados quando um representante da
mais alta esfera do governo de uma nação manifesta apoio a uma prática condenável
como a tortura, pelo qual jamais se retratou ou expressou arrependimento”.
Após citar os artigos
da Constituição Federal do Brasil e de outros documentos internacionais que
condenam o crime de tortura, bem como documento oficial da IASD aprovado pela
Associação geral que trata da posição oficial da igreja em defesa da “dignidade
humana”, o texto insta que o UNASP e a igreja “reconsiderem” suas posturas e os
rumos adotados, “uma vez que, como Corpo de Cristo, não deve compactuar com o
obscurantismo do presente século”.
A carta é uma resposta
a um movimento de apoio ao presidente Bolsonaro e ao seu governo, por parte de
diversos pastores adventistas do sétimo dia. Apoio dado desde as ultimas eleições presidenciais. De fato, temos visto umas centenas
de pastores de ponta a ponta do Brasil apoiando e defendendo ostensivamente, de
forma acrítica e incondicional, inclusive nas redes sociais, o presidente da
República, Bolsonaro, o qual defende ideias esdrúxulas que se aproximam do
fascismo. Ele tem sido caracterizado como “representante do fascismo” por
pesquisadores do tema dentro e fora do país. É autor de declarações bizarras
que jogam Direitos Humanos no lixo e ferem movimentos sociais, negros,
mulheres, pobres e todas as minorais. Como o vice Mourão, ele já defendeu
abertamente a tortura e outras barbaridades do período mais tenebroso da
história republicana brasileira, a ditadura militar. O autor de seu livro de
cabeceira é o torturador da ditadura militar, o maníaco Coronel Ustra. Defende ideias
racistas e misóginas, propaga a violência. Defende, talvez por lobby da
indústria armamentista, armar a população civil como solução para o problema da
criminalidade, e um sistema carcerário mais punitivista; defende a ideologia do
“bandido bom é bandido morto”. Como subscrever tal ideia, quando Jesus não
hesitou em impedir o apedrejamento da mulher adúltera (Jo 8:7) e ainda salvou o
malfeitor pregado na cruz ao lado da sua (Lc 23:39)? Bandido bom é aquele que é
ressocializado e transformado. Com que cara visitaremos os presídios para
pregar o evangelho eterno depois de apoiar que tem como slogan “bandido bom é
bandido morto”? Cristãos que o apoiam deveriam ler o texto em
que Jesus censura Pedro que, mesmo agindo em legítima defesa, lançaria mão de
uma arma, o que apenas reproduz a violência (Mt 26:52). Lembremo-nos de que
“bem aventurados os pacificadores porque serão chamados filhos de Deus” (Mt
5:9). Bolsonaro defende o trabalho infantil, que condena crianças pobres e
negras a reproduzir a situação de pobreza e analfabetismo de seus pais; disse que não empregaria uma mulher, já que esta engravida, e que por isso, deveria ganhar menos que os homens; disse que em seu governo os índios não receberiam nem mais um centímetro de terra, entre
outras bizarrices. O fascismo não combina conosco.
Seu discurso dá voz aos
ódios internalizados: ódio de classe, de gênero, de gays, das minorias. Ele
congrega vários ódios. É profundamente amargo verificar que entre nós,
adventistas, há tantas pessoas que não tem capacidade de perceber, entender e
temer os discursos de ódio, discriminação e totalitarismo do atual chefe de
governo do Brasil. É chocante perceber que estas ideias adentraram um ambiente
cristão. Não compactuemos com o ódio. O ardiloso inimigo de Deus é quem vem
para matar, roubar e destruir; mas o projeto de Jesus é dar vida com abundância
a todos e todas (Jo.10:10). Sei que muitos alegarão que tudo que dissemos aqui não passa de manipulação da mídia esquerdista. Mas basta assistir aos inúmeros vídeos de discursos e entrevistas do Bolsonaro e do seu vice Hamilton Mourão para verificar que exatamente assim que eles pensam.
Quando pastores apoiam um governante com esse perfil, agem como o profeta Natan que encorajou a Davi a construir o templo, afirmando-lhe categoricamente que Deus o havia escolhido para aquela empreitada. Porém, o Senhor não o tinha autorizado a fazer tal coisa, de modo que, mesmo constrangido, teve que retornar ao rei e dizer-lhe a verdade. Por causa do sangue que havia em suas mãos, Deus não o designou para edificar Sua casa, ainda que já houvesse levantado todos os recursos para tal, e recebido do Senhor a planta, caberia ao seu sucessor tocar a obra (1 Crônicas 17).
Quando pastores apoiam um governante com esse perfil, agem como o profeta Natan que encorajou a Davi a construir o templo, afirmando-lhe categoricamente que Deus o havia escolhido para aquela empreitada. Porém, o Senhor não o tinha autorizado a fazer tal coisa, de modo que, mesmo constrangido, teve que retornar ao rei e dizer-lhe a verdade. Por causa do sangue que havia em suas mãos, Deus não o designou para edificar Sua casa, ainda que já houvesse levantado todos os recursos para tal, e recebido do Senhor a planta, caberia ao seu sucessor tocar a obra (1 Crônicas 17).
Quem somos nós para
abençoar o que Deus não abençoou? Quem somos nós para encorajar o que contraria
frontalmente a Sua vontade? Pensemos nisso!
Leia a íntegra do
documento:
São Paulo, 19 de Agosto
de 2019
Carta
Aberta à Universidade Adventista de São Paulo (UNASP) – Campus de Engenheiro
Coelho
Graça
e paz da parte de Deus Pai e do nosso Senhor Jesus Cristo, o qual se deu a si
mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau, segundo a
vontade de Deus nosso Pai. Ao qual seja dada glória para todo o sempre. Amém.
(Gálatas 1:3-5)
Inspirados pelo amor à
Cristo e aos nossos semelhantes, acreditando em uma sociedade fraterna e
solidária, onde todos devam ser tratados com dignidade, reconhecemos nossa
responsabilidade social enquanto membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia de
diversas localidades do Brasil e do mundo, infra assinados, de nos posicionamos
veementemente contra a tortura, qualquer forma de tratamento cruel ou
degradante, ou quem os advoga. Assim, vimos expressar nossa indignação e
profunda consternação ao Magnífico Reitor, Doutor e Pastor Martin Kuhn como
também aos organizadores da Aula Magna que ocorrerá no Auditório da
Universidade Adventista de São Paulo (UNASP) – Campus de Engenheiro Coelho, às
15:15h do dia 21 de agosto de 2019.
Recebemos, com
consternação, a notícia de que o general reformado e Vice-Presidente da República,
V. Ex.ª Hamilton Mourão, foi convidado a ministrar a Aula Magna
supramencionada. Nossa preocupação origina nas posturas públicas de admiração e
apologia do Vice-Presidente ao Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra (FOLHA DE
SÃO PAULO, 2018; O GLOBO, 2018; VICTOR, 2018) – chefe do Destacamento de
Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI)
durante a ditadura militar (1964-1985). Investigações posteriores apontaram
que, durante seu período à frente do Departamento (1970-1974), ao menos 502 pessoas
foram torturadas. Em 2008, o Cel. Ustra tornou-se o primeiro militar condenado
pela Justiça Brasileira pela prática de tortura durante a ditadura (ORDEM DOS
ADVOGADOS DO BRASIL, 2008).
Ao sediar tal evento, a
Universidade Adventista de São Paulo ignora os valores mais básicos da Democracia
presentes na Constituição Federal de 1988, os quais são ameaçados quando um representante
da mais alta esfera do governo de uma nação manifesta apoio a uma prática condenável
como a tortura, pelo qual jamais se retratou ou expressou arrependimento.
Conforme o Artigo 5,
Inciso III da Constituição Cidadã de 1988:
Art.
5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
III
- ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
E, de acordo com o
artigo 3º da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, acordado
emb1985 pela Organização dos Estados Americanos:
Serão responsáveis pelo
delito de tortura:
a.
Os empregados ou funcionários públicos que, atuando nesse caráter, ordenem sua
comissão ou instiguem ou induzam a ela, cometam-no diretamente ou, podendo
impedi-lo, não o façam;
b.
As pessoas que, por instigação dos funcionários ou empregados públicos a que se
refere a alínea a, ordenem sua comissão, instiguem ou induzam a ela, cometam-no
diretamente ou nele sejam cúmplices.
Enquanto o Artigo 5º da
mencionada Convenção é ainda mais enfático:
Não
se invocará nem admitirá como justificativa do delito de tortura a existência
de circunstâncias tais como o estado de guerra, a ameaça de guerra, o estado de
sítio ou de emergência, a comoção ou conflito interno, a suspensão das
garantias constitucionais, a instabilidade política interna, ou outras emergências
ou calamidades públicas.
Nem
a periculosidade do detido ou condenado, nem a insegurança do estabelecimento
carcerário ou penitenciário podem justificar a tortura. Enfim, recordando a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada pela
Organização das Nações
Unidas (ONU), em 1948, ao declarar em seu Artigo V: Ninguém será submetido à tortura
nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Assim, em
consonância com a Bíblia Sagrada – Palavra de Deus e nossa Regra de Fé e
Prática –, os documentos acima mencionados, e a posição oficial da Igreja
Adventista do Sétimo Dia, em declaração da Conferência Geral de 1998 – a qual
foi fortalecida pela Divisão Sul-Americana em 2017 –, assinalamos a necessidade
de proteger a dignidade humana (NAÇÕES UNIDAS, 1948; ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS 1985; BRAZIL, 1988; SEVENTH-DAY ADVENTIST CHURCH, 1998; NOTÍCIAS
ADVENTISTAS, 2017).
A postura pública da V.
Ex.ª Hamilton Mourão, bem como os valores por ele defendidos vão em direção
contrária aos princípios bíblicos defendidos pela Igreja Adventista do Sétimo
Dia: o amor à Deus sobre todas as coisas, e o amor ao próximo como a nós
mesmos. Tais pilares são materializados na prática do perdão e da misericórdia,
como o apóstolo Paulo defende em sua Epístola aos Efésios:
“Oro também para que os
olhos do coração de vocês sejam iluminados, a fim de que vocês conheçam a
esperança para a qual Ele os chamou, as riquezas da gloriosa herança d’Ele nos
santos e a incomparável grandeza do Seu poder para conosco, os que cremos,
conforme a atuação da Sua poderosa força. (Efésios 1:17-19)
Esperamos,
mui ardentemente, que sejam reconsiderados os rumos da Universidade Adventista
de São Paulo, bem como os rumos adotados pela Igreja, uma vez que, como Corpo
de Cristo, não deve compactuar com o obscurantismo do presente século. Como o
apóstolo Paulo nos lembra:
Rogo-vos,
pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em
sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional; e não
vos conformeis com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso
entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita
vontade de Deus. (Romanos 12:1-2)
Cordialmente,
Adventistas pela
Democracia e Justiça Social
ANEXOS
A. Referências
supramencionadas
BRASIL. [Constituição
(1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro
de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em: 17 de agosto de 2019
FOLHA DE SÃO PAULO. Em
despedida, general elogia Ustra e promete apoio a Bolsonaro. São Paulo, 28 fev.
2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/02/em-despedida-general-mourao-chama-coronel-ustra-de-heroi.shtml.
Acesso em: 17 de agosto de 2019
NOTÍCIAS ADVENTISTAS.
Igreja vota documento sobre pena de morte. São Paulo, 9 nov. 2017. Disponível
em: https://noticias.adventistas.org/pt/noticia/institucional/igreja-vota-documento-sobre-pena-de-mo
rte. Acesso em: 17 de agosto de 2019
O GLOBO. 'Quem chama
regime militar de ditadura não reconhece o que era', diz General Mourão, ao
citar excessos, São Paulo, 10 set. 2018. Disponível em:https://oglobo.globo.com/brasil/quem-chama-regime-militar-de-ditadura-nao-reconhece-que-era-diz-general-mourao-ao-citar-excessos-23054343.
Acesso em: 17 de agosto de 2019
ORDEM DOS ADVOGADOS DO
BRASIL (OAB). Juiz condena coronel Ustra por seqüestro e tortura, São Paulo, 10
out. 2008. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/14836/juiz-condena-coronel-ustra-por-sequestro-e-tortura.
Acesso em: 17 de agosto de 2019
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS (OEA). Convenção Interamericana Para Prevenir e Punir a Tortura, 9
dez. 1985, Tratados Multilaterales Interamericanos, A-51. Disponível em: https://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/a-51.htm.
Acesso em: 17 de agosto de 2019
SEVENTH-DAY ADVENTIST
CHURCH. 50th Anniversary of the Universal Declaration of Human Rights, 17 nov.
1998, Official Statements. Disponível em: https://www.adventist.org/en/information/official-statements/statements/article/go/-/50th-anniv
ersary-of-the-universal-declaration-of-human-rights. Acesso em: 17 de
agosto de 2019
NAÇÕES UNIDAS
(Assembleia Geral). Declaração Universal dos Direitos Humanos, 10 dez. 1948,
217 A (III). Disponível em: Acesso
em: 17 de agosto de 2019
VICTOR, Fabio. O vice à
cavalo, Revista Piauí, ed. 147, São Paulo, Dez. 2018. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-vice-cavalo.
Acesso em: 17 de agosto de 2019
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