Teologia

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

GRUPO DE ADVENTISTAS DIVULGA CARTA ABERTA A DIREÇÃO DO UNASP QUE CONVIDOU HAMILTON MOURÃO PARA MINISTRAR AULA MAGNA


por Ricardo André

Em reação ao convite do Pastor-Doutor Martin Kuhn (Reitor do UNASP) ao vice-presidente da República, Hamilton Mourão, para ministrar a Aula Magna, que ocorrerá no Auditório da Universidade Adventista de São Paulo (UNASP), no próximo dia 21 do corrente, um grupo de adventistas do sétimo dia, denominado “Adventistas pela Democracia e Justiça Social” lançaram a “Carta Aberta ao UNASP”. Organizado por cerca de 40 adventistas de diferentes regiões do Brasil, o documento reúne até o momento 150 assinaturas, mas os idealizadores esperam congregar muito mais nomes no abaixo-assinado nas próximas horas.

O grupo revelou sentir-se “consternado” e "indignado" pela convite ao Mourão que há pouco tempo adotou “posturas públicas de admiração e apologia [...] ao Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra” [...], chefe do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI- CODI) durante a ditadura militar (1964-1985). Investigações posteriores apontaram que, durante seu período à frente do Departamento (1970-1974), ao menos 502 pessoas foram torturadas. Em 2008, o Cel. Ustra tornou-se o primeiro militar condenado pela Justiça Brasileira pela prática de tortura durante a ditadura [...]”.

O documento denuncia que os organizadores do evento ao convidar Mourão para ministrar a referida aula no UNASP, “ignora[m] os valores mais básicos da Democracia presentes na Constituição Federal de 1988, os quais são ameaçados quando um representante da mais alta esfera do governo de uma nação manifesta apoio a uma prática condenável como a tortura, pelo qual jamais se retratou ou expressou arrependimento”.

Após citar os artigos da Constituição Federal do Brasil e de outros documentos internacionais que condenam o crime de tortura, bem como documento oficial da IASD aprovado pela Associação geral que trata da posição oficial da igreja em defesa da “dignidade humana”, o texto insta que o UNASP e a igreja “reconsiderem” suas posturas e os rumos adotados, “uma vez que, como Corpo de Cristo, não deve compactuar com o obscurantismo do presente século”.

A carta é uma resposta a um movimento de apoio ao presidente Bolsonaro e ao seu governo, por parte de diversos pastores adventistas do sétimo dia. Apoio dado desde as ultimas eleições presidenciais. De fato, temos visto umas centenas de pastores de ponta a ponta do Brasil apoiando e defendendo ostensivamente, de forma acrítica e incondicional, inclusive nas redes sociais, o presidente da República, Bolsonaro, o qual defende ideias esdrúxulas que se aproximam do fascismo. Ele tem sido caracterizado como “representante do fascismo” por pesquisadores do tema dentro e fora do país. É autor de declarações bizarras que jogam Direitos Humanos no lixo e ferem movimentos sociais, negros, mulheres, pobres e todas as minorais. Como o vice Mourão, ele já defendeu abertamente a tortura e outras barbaridades do período mais tenebroso da história republicana brasileira, a ditadura militar. O autor de seu livro de cabeceira é o torturador da ditadura militar, o maníaco Coronel Ustra. Defende ideias racistas e misóginas, propaga a violência. Defende, talvez por lobby da indústria armamentista, armar a população civil como solução para o problema da criminalidade, e um sistema carcerário mais punitivista; defende a ideologia do “bandido bom é bandido morto”. Como subscrever tal ideia, quando Jesus não hesitou em impedir o apedrejamento da mulher adúltera (Jo 8:7) e ainda salvou o malfeitor pregado na cruz ao lado da sua (Lc 23:39)? Bandido bom é aquele que é ressocializado e transformado. Com que cara visitaremos os presídios para pregar o evangelho eterno depois de apoiar que tem como slogan “bandido bom é bandido morto”? Cristãos que o apoiam deveriam ler o texto em que Jesus censura Pedro que, mesmo agindo em legítima defesa, lançaria mão de uma arma, o que apenas reproduz a violência (Mt 26:52). Lembremo-nos de que “bem aventurados os pacificadores porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5:9). Bolsonaro defende o trabalho infantil, que condena crianças pobres e negras a reproduzir a situação de pobreza e analfabetismo de seus pais; disse que não empregaria uma mulher, já que esta engravida, e que por isso, deveria ganhar menos que os homens; disse que em seu governo os índios não receberiam nem mais um centímetro de terra, entre outras bizarrices. O fascismo não combina conosco.

Seu discurso dá voz aos ódios internalizados: ódio de classe, de gênero, de gays, das minorias. Ele congrega vários ódios. É profundamente amargo verificar que entre nós, adventistas, há tantas pessoas que não tem capacidade de perceber, entender e temer os discursos de ódio, discriminação e totalitarismo do atual chefe de governo do Brasil. É chocante perceber que estas ideias adentraram um ambiente cristão. Não compactuemos com o ódio. O ardiloso inimigo de Deus é quem vem para matar, roubar e destruir; mas o projeto de Jesus é dar vida com abundância a todos e todas (Jo.10:10). Sei que muitos alegarão que tudo que dissemos aqui não passa de manipulação da mídia esquerdista. Mas basta assistir aos inúmeros vídeos de discursos e entrevistas do Bolsonaro e do seu vice Hamilton Mourão para verificar que exatamente assim que eles pensam.

Quando pastores apoiam um governante com esse perfil, agem como o profeta Natan que encorajou a Davi a construir o templo, afirmando-lhe categoricamente que Deus o havia escolhido para aquela empreitada. Porém, o Senhor não o tinha autorizado a fazer tal coisa, de modo que, mesmo constrangido, teve que retornar ao rei e dizer-lhe a verdade. Por causa do sangue que havia em suas mãos, Deus não o designou para edificar Sua casa, ainda que já houvesse levantado todos os recursos para tal, e recebido do Senhor a planta, caberia ao seu sucessor tocar a obra (1 Crônicas 17).


Quem somos nós para abençoar o que Deus não abençoou? Quem somos nós para encorajar o que contraria frontalmente a Sua vontade? Pensemos nisso!

Leia a íntegra do documento:

São Paulo, 19 de Agosto de 2019

Carta Aberta à Universidade Adventista de São Paulo (UNASP) – Campus de Engenheiro Coelho

Graça e paz da parte de Deus Pai e do nosso Senhor Jesus Cristo, o qual se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau, segundo a vontade de Deus nosso Pai. Ao qual seja dada glória para todo o sempre. Amém. (Gálatas 1:3-5)

Inspirados pelo amor à Cristo e aos nossos semelhantes, acreditando em uma sociedade fraterna e solidária, onde todos devam ser tratados com dignidade, reconhecemos nossa responsabilidade social enquanto membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia de diversas localidades do Brasil e do mundo, infra assinados, de nos posicionamos veementemente contra a tortura, qualquer forma de tratamento cruel ou degradante, ou quem os advoga. Assim, vimos expressar nossa indignação e profunda consternação ao Magnífico Reitor, Doutor e Pastor Martin Kuhn como também aos organizadores da Aula Magna que ocorrerá no Auditório da Universidade Adventista de São Paulo (UNASP) – Campus de Engenheiro Coelho, às 15:15h do dia 21 de agosto de 2019.

Recebemos, com consternação, a notícia de que o general reformado e Vice-Presidente da República, V. Ex.ª Hamilton Mourão, foi convidado a ministrar a Aula Magna supramencionada. Nossa preocupação origina nas posturas públicas de admiração e apologia do Vice-Presidente ao Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra (FOLHA DE SÃO PAULO, 2018; O GLOBO, 2018; VICTOR, 2018) – chefe do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) durante a ditadura militar (1964-1985). Investigações posteriores apontaram que, durante seu período à frente do Departamento (1970-1974), ao menos 502 pessoas foram torturadas. Em 2008, o Cel. Ustra tornou-se o primeiro militar condenado pela Justiça Brasileira pela prática de tortura durante a ditadura (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 2008).

Ao sediar tal evento, a Universidade Adventista de São Paulo ignora os valores mais básicos da Democracia presentes na Constituição Federal de 1988, os quais são ameaçados quando um representante da mais alta esfera do governo de uma nação manifesta apoio a uma prática condenável como a tortura, pelo qual jamais se retratou ou expressou arrependimento.

Conforme o Artigo 5, Inciso III da Constituição Cidadã de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
E, de acordo com o artigo 3º da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, acordado emb1985 pela Organização dos Estados Americanos:

Serão responsáveis pelo delito de tortura:

a. Os empregados ou funcionários públicos que, atuando nesse caráter, ordenem sua comissão ou instiguem ou induzam a ela, cometam-no diretamente ou, podendo impedi-lo, não o façam;

b. As pessoas que, por instigação dos funcionários ou empregados públicos a que se refere a alínea a, ordenem sua comissão, instiguem ou induzam a ela, cometam-no diretamente ou nele sejam cúmplices.

Enquanto o Artigo 5º da mencionada Convenção é ainda mais enfático:

Não se invocará nem admitirá como justificativa do delito de tortura a existência de circunstâncias tais como o estado de guerra, a ameaça de guerra, o estado de sítio ou de emergência, a comoção ou conflito interno, a suspensão das garantias constitucionais, a instabilidade política interna, ou outras emergências ou calamidades públicas.

Nem a periculosidade do detido ou condenado, nem a insegurança do estabelecimento carcerário ou penitenciário podem justificar a tortura. Enfim, recordando a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada pela

Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, ao declarar em seu Artigo V: Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Assim, em consonância com a Bíblia Sagrada – Palavra de Deus e nossa Regra de Fé e Prática –, os documentos acima mencionados, e a posição oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia, em declaração da Conferência Geral de 1998 – a qual foi fortalecida pela Divisão Sul-Americana em 2017 –, assinalamos a necessidade de proteger a dignidade humana (NAÇÕES UNIDAS, 1948; ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS 1985; BRAZIL, 1988; SEVENTH-DAY ADVENTIST CHURCH, 1998; NOTÍCIAS ADVENTISTAS, 2017).

A postura pública da V. Ex.ª Hamilton Mourão, bem como os valores por ele defendidos vão em direção contrária aos princípios bíblicos defendidos pela Igreja Adventista do Sétimo Dia: o amor à Deus sobre todas as coisas, e o amor ao próximo como a nós mesmos. Tais pilares são materializados na prática do perdão e da misericórdia, como o apóstolo Paulo defende em sua Epístola aos Efésios:

“Oro também para que os olhos do coração de vocês sejam iluminados, a fim de que vocês conheçam a esperança para a qual Ele os chamou, as riquezas da gloriosa herança d’Ele nos santos e a incomparável grandeza do Seu poder para conosco, os que cremos, conforme a atuação da Sua poderosa força. (Efésios 1:17-19)

Esperamos, mui ardentemente, que sejam reconsiderados os rumos da Universidade Adventista de São Paulo, bem como os rumos adotados pela Igreja, uma vez que, como Corpo de Cristo, não deve compactuar com o obscurantismo do presente século. Como o apóstolo Paulo nos lembra:

Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional; e não vos conformeis com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus. (Romanos 12:1-2)

Cordialmente,
Adventistas pela Democracia e Justiça Social


ANEXOS

A. Referências supramencionadas

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 17 de agosto de 2019

FOLHA DE SÃO PAULO. Em despedida, general elogia Ustra e promete apoio a Bolsonaro. São Paulo, 28 fev. 2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/02/em-despedida-general-mourao-chama-coronel-ustra-de-heroi.shtml. Acesso em: 17 de agosto de 2019

NOTÍCIAS ADVENTISTAS. Igreja vota documento sobre pena de morte. São Paulo, 9 nov. 2017. Disponível em: https://noticias.adventistas.org/pt/noticia/institucional/igreja-vota-documento-sobre-pena-de-mo rte. Acesso em: 17 de agosto de 2019

O GLOBO. 'Quem chama regime militar de ditadura não reconhece o que era', diz General Mourão, ao citar excessos, São Paulo, 10 set. 2018. Disponível em:https://oglobo.globo.com/brasil/quem-chama-regime-militar-de-ditadura-nao-reconhece-que-era-diz-general-mourao-ao-citar-excessos-23054343. Acesso em: 17 de agosto de 2019

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB). Juiz condena coronel Ustra por seqüestro e tortura, São Paulo, 10 out. 2008. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/14836/juiz-condena-coronel-ustra-por-sequestro-e-tortura. Acesso em: 17 de agosto de 2019

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Convenção Interamericana Para Prevenir e Punir a Tortura, 9 dez. 1985, Tratados Multilaterales Interamericanos, A-51. Disponível em: https://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/a-51.htm. Acesso em: 17 de agosto de 2019

SEVENTH-DAY ADVENTIST CHURCH. 50th Anniversary of the Universal Declaration of Human Rights, 17 nov. 1998, Official Statements. Disponível em: https://www.adventist.org/en/information/official-statements/statements/article/go/-/50th-anniv ersary-of-the-universal-declaration-of-human-rights. Acesso em: 17 de agosto de 2019

NAÇÕES UNIDAS (Assembleia Geral). Declaração Universal dos Direitos Humanos, 10 dez. 1948, 217 A (III). Disponível em: Acesso em: 17 de agosto de 2019

VICTOR, Fabio. O vice à cavalo, Revista Piauí, ed. 147, São Paulo, Dez. 2018. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-vice-cavalo. Acesso em: 17 de agosto de 2019

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