Kayle
de Waal*
Tradução: Hugo Martins
“As Quedas de Satanás
no Livro de Apocalipse” (original em inglês: The Downfalls of Satan in the Book
of Revelation)”, de Kayle de Waal, fora, primeiramente, publicado em fevereiro
de 2013 na revista Ministry,® International Journal for Pastors,
www.MinistryMagazine.org. Usado com
permissão.
O conflito cósmico é o
cenário primário com o qual o livro de Apocalipse deve ser compreendido. João,
o autor deste livro, traz este tema significante mediante numerosos símbolos e
recursos criativos em Apocalipse. No cerne deste conflito encontra-se uma
batalha pela supremacia universal entre Deus e Satanás.[1] João perpassa a
história por inteira, da pré-criação à nova criação e descreve todas as
reviravoltas nesta saga cósmica entre o bem e o mal. De fato, João encontra-se
em profundo débito com as tradições do Antigo Testamento e, portanto, o autor
preenche o livro de Apocalipse com suas ideias e linguagem.
De acordo com Gregory
Beale, “o Antigo Testamento em geral toca um papel primordial que o próprio
entendimento de seu uso é necessário para uma visão adequada do Apocalipse como
um todo.” [2] O livro de Apocalipse, estudado em conjunto com o Antigo
Testamento, provê um solo fértil para o pastor escavar cuidadosamente e
desenterrar novas facetas do significado acerca do conflito cósmico. Por
esquadrinhar o Antigo Testamento, um interessante espectro de ideias que
registra a queda inicial e o fim inevitável de Satanás. João identifica quatro
quedas de Satanás em Apocalipse 12 e 20, cada uma mais decisiva do que a
anterior, resultando na condenação gradual do demônio e em sua destruição
final.
A
primeira queda — expulso do céu.
A primeira queda é a queda prímevo de Satanás
indiretamente aludida em Apocalipse
12:3-4:
“Viu-se, também, outro
sinal no céu, e eis um dragão, grande, vermelho, com sete cabeças, dez chifres
e, nas cabeças, sete diademas. A sua cauda arrastava a terça parte das estrelas
do céu, as quais lançou para a terra; e o dragão se deteve em frente da mulher
que estava para dar à luz, a fim de lhe devorar o filho quando nascesse”
(itálicos acrescentados).
A cauda é um “símbolo
fraude por meio da persuasão que Satanás tem usado enganar” os anjos (estrelas)
“rebelar-se contra Deus e os que o seguem.”[3] A cena de Satanás enganando os
anjos e arrastando-os para a terra “denota um estágio prímevo na relação
conflituosa” retratado em Apocalipse 12:7-9,[4] Isaías 14:12-14 e Ezequiel
inferem esta expulsão inicial de Satanás descrita em Apocalipse 12:4. A
narrativa bíblica revela que Satanás, posteriormente, tentou Adão e Eva no
Jardim do Éden (Gn 3).
Entretanto, João não
descreve todas as implicações e questões envolvidas no arrastar de Satanás da
terça parte das estrelas para a terra. Precisamos explorar a história bíblica
por completo. Enquanto Jó 1 e 2 proveem informação útil sobre o conflito
cósmico, a expulsão de Satanás do céu não está completamente explicada no
Antigo Testamento. Todavia, aqueles que estudam as suas Bíblias veem Deus,
frequentemente, descrito como engajando-se em batalha contra as forças hostis.
Salmo 74:13-14 diz: “Tu, com o teu poder, dividiste o mar; esmagaste sobre as
águas a cabeça dos monstros marinhos. Tu espedaçaste as cabeças do crocodilo e
o deste por alimento às alimárias do deserto.”[5] O Antigo Testamento descreve
a Deus como “o Senhor das Hostes,” literalmente traduzido como “Senhor dos
Exércitos.” O conceito que Israel acreditava que por detrás de seu exército
terrestre neste mundo estavam os exércitos angelicais do Céu é digno de nota.
De fato, o Rei Davi colocou-se em problemas ao conduzir um censo de suas forças
de guerra porque ele assumira que seu exército humano era tudo o que ele tinha
e subestimou a importância dos exércitos que ele não poderia contar (1 Cr
21:1). Os exércitos celestiais de Deus, não de Davi, trouxeram vitória a Israel
em suas batalhas contra as nações pagãs (2 Cr 20:18-30).
Encontramos o conceito
muito interessante que o decorrer deste conflito cósmico é evidente no âmbito
pessoal também. Salmo 69:14-15 diz: “livra-me do tremedal, para que não me
afunde; seja eu salvo dos que me odeiam e das profundezas das águas. Não me
arraste a corrente das águas, nem me trague a voragem, nem se feche sobre mim a
boca do poço” (ver, também, Sl 93:3-4 e Sl 144:7). De acordo com Gregory Boyd,
em seu livro “Deus na Guerra: O Conflito Bíblico e Espiritual,” Davi compara a
rebelião cósmica ao mar que ameaça tragá-lo às desgovernadas forças caóticas no
tempo da criação.[6] Ademais, durante este primeiro estágio, Deus parece tomar
a responsabilidade pelo erro que toma lugar no Antigo Testamento. Satanás é
apenas explicitamente mencionado cinco vezes no Antigo Testamento (Zc 3:1-2; 1
Cr 21:1-2; 2 Sm 24:1; Jó 1 e 2) visando proteger Israel dos perigos do
politeísmo.
O conflito cósmico
intensifica-se neste primeiro estágio especialmente quando Jesus viera a terra
como um bebê. João deixa registrado que “o dragão se deteve em frente da mulher
que estava para dar à luz, a fim de lhe devorar o filho quando nascesse” (Ap
12:4), que a maioria dos eruditos reconhecem como uma referência simbólica a
tentativa de Herodes O Grande de matar cada menino de dois anos de idade ou
menos. Há numerosas referências nos Evangelhos onde o demônio, trabalhando com
agentes humanos, tenta matar Jesus prematuramente (ver Lc 4:13, 28-30; Jo 7:30
e 8:59).
A
segunda queda — banido do Céu.
A segunda e, de fato, a
decisiva queda de Satanás ocorre na Cruz onde Satanás fora juridicamente
derrotado e exonerado como representante da terra. Apocalipse 12:7-10 diz:
“Houve peleja no céu.
Miguel e os seus anjos pelejaram contra o dragão. Também pelejaram o dragão e
seus anjos; todavia, não prevaleceram; nem mais se achou no céu o lugar deles.
E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás,
o sedutor de todo o mundo, sim, foi atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos.
Então, ouvi grande voz do céu, proclamando: Agora, veio a salvação, o poder, o
reino do nosso Deus e a autoridade do seu Cristo, pois foi expulso o acusador
de nossos irmãos, o mesmo que os acusa de dia e de noite, diante do nosso Deus”
(itálicos acrescentados).
Na cruz, onde a
salvação ocorre pelo sangue do Cordeiro, Satanás perde seu lugar no Céu.
Anterior à Cruz, Satanás ainda tinha acesso limitado ao Céu, mas a Cruz
encerrou seu “acesso livre” no Céu. De fato, o termo “expulso” se refere a
excomunhão (cp. João 9:34-35) e punição legal (cp. Mt 3:10; Jo 15:6; Ap 2:10).
Esta ação de “expulsar” denota a expulsão de Satanás do Céu por causa da
vitória conseguida por Jesus na Cruz.[7] A Cruz revela o caráter do amor de
Deus e expõe o ódio de Satanás a tudo o que é bom e justo. Desde que o caráter
de Deus é perfeitamente visto em Jesus, a Cruz provê, também, a mais profunda
revelação de Jesus como o Filho de Deus e nosso Redentor.
Em João 12:31-32, diz
Jesus: “‘Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe
será expulso. E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo.’”
Jesus entende a Sua morte, ressurreição e ascensão como momento decisivo no
conflito entre Deus e as forças do mal: “‘É chegada a hora’” e “‘Chegou o
momento de ser julgado’” (vv. 23 e 31).[8] No nível cósmico, este momento traz
a vitória decisiva sobre o governador maligno deste mundo. Portanto, a queda de
Satanás na Cruz o coloca, o acusador da humanidade, diante do Advogado da
humanidade, Jesus Cristo, o Justo (1 Jo 2:1). Moisés descreve um importante
contexto antigo testamentário para Apocalipse 12:9 em Gênesis 3:1-6, 13. Em
ambos os textos, Satanás, retratado como “a antiga serpente” com seu
atributo-chave de decepção, é mencionado tanto em Apocalipse 12:9 quanto em
Gênesis 3:13. O texto de Gênesis diz: “Disse o SENHOR Deus à mulher: Que é isso
que fizeste? Respondeu a mulher: A serpente me enganou, e eu comi.” Aludindo a
Gênesis 3:13, João descreve a estória da Criação em Gênesis 3 na qual Satanás
engana Adão e Eva e traz a queda da humanidade. João descreve este tema do
conflito cósmico dos dias mais prímevos da história humana.
O conceito do conflito
cósmico encontra-se desenvolvido em um ensino de pleno direito no Novo
Testamento. Satanás é chamado de o deus deste século, o príncipe da potestade
do ar, o príncipe deste mundo (2 Cr 4:4. Ef 2:2; Jo 16:11), e retratado como
possuindo o reinado deste mundo (Lucas 4:6; 1 Jo 5:19), e a fonte de
assassinatos, roubos, mentiras, doenças e enfermidades (Jo 8:44; 1 Jo 3:2; Lc
13:16; At 10:38). Durante o período da segunda queda, Paulo apela aos cristãos
em Éfeso a vestirem a armadura de Deus.
“Quanto ao mais, sede
fortalecidos no Senhor e na força do seu poder. Revesti-vos de toda a armadura
de Deus, para poderdes ficar firmes contra as ciladas do diabo; porque a nossa
luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades,
contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do
mal, nas regiões celestes” (Ef 6:10-12).
Como cristãos, estamos
em uma batalha muito perigosa contra as forças demoníacas. [9] As boas-novas é
que a armadura de Efésios 6 é um dom, conquistado para nós por Jesus na cruz e
dado a nós mediante a fé por meio do Espírito Santo. Nós lutamos, não para
ganhar a vitória, mas de uma posição de vitória. Como pastores, necessitamos
encorajar a nossos membros a permanecerem firmes na vitória que Jesus tem ganho
por nós.
A
terceira queda — lançado no abismo
Apocalipse
20:1-3 descreve a terceira queda de Satanás onde é lançado
no abismo:
“Então, vi descer do
céu um anjo; tinha na mão a chave do abismo e uma grande corrente. Ele segurou
o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos;
lançou-o no abismo, fechou-o e pôs selo sobre ele, para que não mais enganasse
as nações até se completarem os mil anos. Depois disto, é necessário que ele
seja solto pouco tempo.”
Neste estágio, um anjo
com a chave do abismo segura Satanás com uma grande corrente, lança-o no abismo
e prende-o para que ele não mais engane as nações. [10] O Antigo Testamento
descreve o abismo como a morada do inimigo de Deus —o dragão marinho cósmico
(Sl 77:16; Jó 40:12, 20); e é sinônimo ao conceito de hades (Jó 38:16; Ez
31:15) e o reino do sofrimento (Sl 71:20).[11] O Novo Testamento se refere ao
lugar do sofrimento para demônios (Lc 8:31). A mais concisa conexão
veterotestamentária é Isaías, onde ele retrata as hostes celestes e os reis da
terra confinados, juntos, em uma prisão (Is 24:21-22). João entende que por
detrás das atividades dos reis da terra e das hostes celestes está, de fato,
Satanás. A descrição do abismo, aqui, em Apocalipse 20 aponta para a terra
sendo um deserto desolado sem nenhum ser vivente nele. Esta terceira queda
introduz o milênio, que começa após a Segunda Vinda de Cristo, quando o santos
viventes e ressurretos são levados ao Céu e todos os pecadores da terra morrem
até o término do milênio quando Cristo retorna novamente para a disposição
final de Satanás e todos os seus subalternos e seguidores. Durante o milênio,
os santos de Deus estão no Céu, sentados em julgar o curso de pecado e dos
pecadores incluindo o arquipecador Satanás e seus bando, enquanto Satanás
permanece na terra com seus subalternos, para contemplar a miséria que eles
causado a humanidade.[12]
A
queda final —lançado no lago de fogo.
João descreve a queda
final de Satanás em Apocalipse 20:10:
O diabo, o sedutor
deles, foi lançado para dentro do lago de fogo e enxofre, onde já se encontram
não só a besta como também o falso profeta; e serão atormentados de dia e de
noite, pelos séculos dos séculos” (itálicos acrescentados).
A besta e o falso profeta
já haviam sidos atirados no lago de fogo (Ap 19:10) enquanto Satanás vê, por si
próprio, o decorrer das coisas. Destacadamente, Apocalipse 20:11 introduz o
grande trono branco. Lúcifer queria o trono de Deus (Is 14:14). Agora, Deus é
retratado como incontestável e inigualável. Mencionada uma vez mais, a noção de
sedução (Ap 20:10) aponta, novamente, para a estória da Criação. As questões
que foram primariamente levantadas em Gênesis estão, agora, finalmente, sendo
resolvidas em Apocalipse. A estória de Gênesis, portanto, forma um contexto
para se compreender o Apocalipse. [13]
O conflito que começara
em Gênesis é, finalmente resolvido em Apocalipse. Pecadores, que rejeitaram o
Cordeiro, serão, eternamente, separados de Deus no juízo final. O pecado, que
tem levado a tamanha miséria, dor sofrimento a este planeta, não mais existirá
e Satanás, o arquiteto chefe do pecado e do conflito cósmico, finalmente, será
destruído (Na 1:9).
As boas novas para os
filhos de Deus: as subsequentes quedas de Satanás revelam o amor de Deus pela
humanidade.
*Kayle
de Waal é ministro ordenado, evangelista e escritor. Ele
serviu como missionário, juntamente com a sua esposa Charmaine, na Coreia do
Sul, na África do Sul e na Nova Zelândia. Kayle está atualmente trabalhando em
uma abordagem sócio-retórica de Colossenses e em uma abordagem cristocêntrica
para com a doutrina adventista.
[1] De acordo com Adela Yarbro Collins, “The Book of
Revelation,” em The Continuum History of Apocalypticism, ee. Bernard
McGinn, John J. Collins, e Stephen J. Stein (New York: Continuum, 2003), p.205,
“O pensamento de João era dualístico a medida que ele entendia a situação na
qual se encontrava caracterizada por uma batalha cósmica entre duas forças
diametralmente opostas e seus aliados. Deus e Satanás, juntos com seus agentes
porta-vozes, estavam engajados em uma batalha pela lealdade dos habitantes da
terra.” De forma
similar, Warren Carter, “Vulnerable Power: The Roman Empire Challenged by the
Early Christians,” em Handbook of Early Christianity: Social Science
Approaches, eds. Anthony J. Blasi, Jean Duhaime, and Paul-Andre
Turcotte (Walnut Creek: Altamira Press, 2002), p. 484, escreveu, “O Apocalipse
é discernido em um contexto muito mais amplo em uma batalha entre Deus e
Satanás.”
[2] G. K. Beale, “John’s Use of the Old Testament in
Revelation,” Journal for the Study of the Old Testament Sup 166 (Sheffield:
Sheffield Academic Press, 1998), p. 61.
[3] Ranko Stefanovic, Revelation of Jesus Christ:
Commentary on the Book of Revelation (Berrien Springs, MI: Andrews University
Press, 2002), p. 382.
[4] Sigve Tonstad, Saving God’s Reputation: The
Theological Function of Pistis Iesou in the Cosmic Narratives of the
Apocalypse, Library of New Testament Studies 337 (London: T &T Clark,
2007), p. 67.
[5] Ver, também, Is
30:7; 51:9, 10; Jó 7:12; Pv. 8:27–29; Ez. 29:3–6; 32:2–8; Am 9:2, 3. Yahveh é,
também, visto em batalha contra o Leviatã (ver Sl 74:14; Is 27:1) e Beemote (Jó
40:15–24).
[6] Gregory A. Boyd, God at War: The Bible and
Spiritual Conflict (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1997), p. 91.
[7] Stefanovic, p. 388.
[8] Judith L. Kovacs, “ ‘Now Shall the Ruler of This
World Be Driven Out’: Jesus’ Death as Cosmic Battle in John 12:20-36,” Journal
of Biblical Literature 114 (1995): pp. 227–247.
[9] Andrew Lincoln, Ephesians, WBC (Dallas: Word,
1990), pp. 443–445.
[10]
Significativamente, todas as três ocorrências da frase “descendo do céu” estão
ligadas a um anjo em Apocalipse (Ap 10:1; 18:1; 20:1) e descrevem um evento
principal: a concretização do mistério de Deus e o fim do tempo no capítulo 10,
o fim do tempo no capítulo 10, o fim da Babilônia no capítulo 18 e o fim
definitivo de Satanás no capítulo 20.
[11] G. K. Beale, Revelation, NIGTC (Grand Rapids:
Eerdmans, 1999), p. 493.
[12] Ver Stefanovic,
pp. 561–572 e referências ali.
[13] Tonstad, p. 59.
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