Ozeas
C. Moura
Como explicar a
expressão “o Espírito de Deus pairava sobre as águas? (Gn 1:2)? Isso significa
que as águas e as rochas já existiam antes da semana da criação?
Elton Rodrigues
A afirmação “o Espírito
de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1:2) indica que essa pessoa da Divindade
participou ativamente na criação. Ele estava pronto para agir.
Já a expressão “no
princípio” (Gn 1:1) tem sido motivo de discussão entre os criacionistas. Há
basicamente duas correntes de opinião. Uma afirma que esse “princípio” foi há
cerca de 6 mil anos, quando os astros e a vida na Terra foram criados na semana
literal da criação. A outra defende a ideia de que esse “princípio” tem que ver
com um passado remoto, antes da criação da vida na Terra. Depois disso, em
outra etapa, Deus organizou os elementos em nosso planeta e fez surgir nele a
vida. Em um ponto as duas correntes estão de acordo: o aparecimento da vida na
Terra é recente e aconteceu por obra de Deus há cerca de 6 mil anos.
Quem defende que o
surgimento de tudo o que existe (astros e vida na Terra) foi há cerca de 6 mil
anos argumenta que um Deus todo-poderoso poderia ter formado as coisas dessa
maneira. Assim, a vida na Terra e os corpos celestes teriam sido criados todos
na mesma ocasião. Para os defensores desse ponto de vista, pretender uma
criação em duas etapas seria limitar o poder criador de Deus.
Um dos problemas com
essa teoria é que ela situa a formação do planeta Terra três dias antes do
aparecimento do Sol, da Lua e das estrelas, no 4º dia da semana literal da
criação (Gn 1:14-18). Caso a Terra fosse mais antiga que o Sol, em torno do que
ela teria orbitado até o 4º dia da criação?
É verdade que Deus
poderia criar tudo de uma vez. Mas a Bíblia não é explícita sobre a data exata
da criação dos astros. Diz apenas que “no princípio criou Deus os céus e a
Terra” (Gn 1:1). Quando teria sido esse “princípio”? Há milhões de anos ou há 6
mil anos?
Os que defendem a
criação em duas etapas argumentam que o verso 3 do capítulo 1 de Gênesis parece
indicar um espaço de tempo entre a criação dos astros (v. 1, 2) e a organização
dos elementos em nosso planeta para o surgimento da vida (v. 3-31). E veem na
informação de que a Terra “estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face
do abismo” (v. 2) uma indicação de que, quando Deus passou a organizar os
elementos para o surgimento da vida na Terra, o planeta já existia, tendo sido
criado com os demais astros em um “princípio” remoto.
Quem defende a criação
em duas etapas não crê que isso possa, de alguma forma, diminuir o poder
criador de Deus. Sendo soberano, ele pode escolher criar como desejar, seja de
uma vez ou em etapas, sem que isso signifique apoio à teoria da evolução.
A verdade é que a
discussão sobre uma ou duas etapas para a obra criadora de Deus não deveria ser
vista como tão importante assim. Afinal, tanto os defensores da criação em um
único momento quanto os que pensam nela como ocorrendo em duas etapas não negam
que (1) Deus é o Criador de tudo o que existe, (2) o aparecimento da vida na
Terra é algo recente e (3) os dias da semana da criação são literais e de 24
horas, conforme indicado pelo uso da palavra hebraica yom seguida de numeral
ordinal, como ocorre no fim do 2º ao 7º dia da criação. A exceção fica por
conta do 1º dia, em que o termo echad, numeral cardinal (um), foi empregado
pelo escritor bíblico como numeral ordinal (primeiro), como em Gênesis 8:5.
Além disso, a expressão “tarde e manhã”, no relato da criação, indica um dia de
24 horas (confira Êxodo 27:21). Um detalhe importante: “A duração do sétimo dia
necessariamente determina a extensão dos outros seis” (Comentário Bíblico
Adventista do Sétimo Dia, v. 1, p. 191).
Assim, se aceitamos a
ideia de que tudo foi criado de uma só vez e há cerca de 6 mil anos, então as
águas e as rochas não existiam antes da semana da criação. Se, ao contrário,
cremos que a criação se deu em duas etapas, então as águas e as rochas já
existiam antes da semana da criação.
O que realmente importa
é que aceitemos nossa condição de criaturas de Deus, necessitados de seu
cuidado e orientações e deixemos que ele dirija nossa vida, de acordo com seus
propósitos.
OZEAS
C. MOURA, doutor em Teologia Bíblica na área de Antigo
Testamento, é professor no Unasp, campus Engenheiro Coelho (SP)
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