Teologia

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

A CEIA DOS COMENSAIS INCÓGNITOS [TESTEMUNHAS DE JEOVÁ]


Azenilto G. Brito

Milhares de "testemunhas", dominadas mentalmente pela lavagem cerebral de sua organização religiosa, não percebem o engano a que foram levadas.

Já participou de algum almoço ou jantar em que os pratos de alimentos e copos de bebidas fossem simplesmente exibidos aos convivas, e até passados de mão em mão, sem que ninguém tocasse no seu conteúdo — ou seja, ninguém fosse visto servindo-se do alimento e bebida oferecidos? Um episódio como o descrito representaria, indiscutivelmente, uma refeição bastante singular! E desapontadora!

Pois bem, no dia 22 de março deste ano fui convidado a participar de uma refeição com centenas de outras pessoas, e o que se deu ali foi bem parecido com o que há pouco descrevi. E tem mais, essa refeição não era uma ceia comum, mas a celebração da morte do Senhor sobre o Calvário — enfim, a nossa conhecida Santa Ceia. Só que os emblemas — pão e vinho — eram meramente feitos circular entre os assistentes sem que se tomasse deles. Pelo menos não vi ninguém tendo a iniciativa de participar do pão e do vinho contidos respectivamente em pequenas bandejas de vidro e cálices transparentes que percorriam todo o auditório sem que aparentemente fossem esvaziados.

Tratava-se da "refeição noturna" anual das "testemunhas de Jeová", comemorada uma vez ao ano na data que coincide com o 14 de Nisã do calendário judaico — o da páscoa israelita. Como tenho sempre interesse em pesquisar sobre essa organização religiosa, sobretudo ao estar ultimando a segunda edição ampliada e atualizada de meu livro O Desafio da Torre de Vigia, aceitei o convite de uma família "testemunha" com a qual havia trocado algumas reflexões bíblicas, pois estava curioso em ver de perto essa tal refeição pascoal.

A cerimônia, de que participavam praticamente todos os membros da seita na capital mineira, foi iniciada com uma oração em que o nome "Jeová" não poderia logicamente faltar. A seguir, um dos anciãos de congregação tratou de apresentar um discurso de 45 minutos com o arrazoado bíblico que explicaria o estilo tão diferente da "Santa Ceia" dos jeovaístas.

A certa altura do discurso, o orador comentou haver duas esperanças na Bíblia, a celestial — que somente os da "classe ungida" de 144 mi l abrigavam — e a terrestre, da esmagadora maioria dos presentes. Estes últimos conformavam-se com uma espécie de "salvação de segunda" por não haver mais vagas entre o seleto grupo que no Céu acompanhará o Cordeiro por onde quer que vá. Naquele instante pensei em quão mais gloriosa é a esperança do adventista, pois não só aguarda a herança da vida eterna na Terra renovada, como também visitará o Céu por mil anos quando a promessa de Jesus registrada em João 14:1-3 tiver cumprimento: "Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em Mim. Na casa de Meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, Eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E quando Eu for, e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para Mim mesmo, para que onde Eu estou estejais vós também."

Aliás, muito mais do que uma dupla esperança — abrangendo Terra e Céu — o filho de Deus verdadeiramente convertido abriga a certeza de sua salvação. Essa salvação já está assegurada em Cristo, incluindo ressurreição, assento nos lugares celestiais e vida eterna (ver Efésios 2:5-7).

Voltando à sui generis santa ceia, a noção da salvação diferenciada foi logo mais contestada, talvez sem querer, pelo próprio orador ao citar, de sua própria Bíblia (versão Novo Mundo, como não poderia deixar de ser) o texto de João 10:16: "Então haverá um rebanho e um pastor." No entanto, o pregador tentava convencer-nos de que haverá dois rebanhos — um na Terra e outro no Céu, tendo o do Céu a companhia constante do Pastor Jesus, enquanto o da Terra (a "grande multidão") não contaria com esse mesmo Pastor, ocupado como estaria com os seus 144 mil protegidos.

Foi ainda explicado que só os remanescentes vivos dos 144 mil, que segundo o cômputo da Torre de Vigia estaria agora em torno de pouco menos do que nove mi l pessoas — em sua maioria idosos cidadãos norte-americanos, pioneiros da obra das "testemunhas" — fariam uso dos emblemas, citando passagens dos evangelhos e epístolas como se fizessem referência somente a esse grupo. Contudo, tal noção choca-se com um princípio teológico fundamental — o de que não se pode firmar doutrinas sobre textos simbólicos ou parábolas. Aliás, a mensagem do evangelho, com a ênfase no novo nascimento, aplica-se a todos os que são guiados pelo Espírito.

Romanos 8 indica realmente duas classes de pessoas, mas são as guiadas pelo Espírito e as dominadas pela carne. Não existe um grupo intermediário, salvos para a vida eterna, porém sem que possam herdar o Céu. Colocar símbolos apocalípticos como base para o entendimento da cristalina mensagem de salvação pela graça é perder o rumo totalmente e, o que é pior, a promessa de salvação que se aplica a todo o que crê: I João 5:11-13.

Mas já que é para interpretar o Apocalipse, podemos entender também ali que a "grande multidão" estará no Céu: Apoc. 7:9; cf. 19:1. A Versão Novo Mundo em Apocalipse 19:1 diz mais favoravelmente: "Ouvi como que uma voz de uma grande multidão no Céu." O contexto de Apoc. 7:8 (versos 11-15) mostra que vieram da grande tribulação sobre a Terra e que prestam serviço a Deus no Seu Templo (verso 15) que está no Céu (11:19).

A própria Torr e de Vigi a nos dá a pista da origem extra bíblica de sua absurda interpretação que limita a glória celestial a 144 mil , sem perceber que se o contexto indica tratar-se de elemento simbólico (12 mi l de cada tribo de Israel, admitidas como simbólicas), o próprio número total, dentro de um livro bíblico cheio de números de profunda simbologia, deveria ser assim entendido. Eis como a obra Revelação, Seu Grande Clímax Está Próximo, comentário recém-lançado sobre o Apocalipse, pág. 118, revela a suspeita origem da interpretação jeovaísta:

O primeiro presidente da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA), Charles T. Russell, reconhecia que 144.000 era o número literal das pessoas que constituem um Israel espiritual. No seu livro A Nova Criação, volume VI, de Estudos das Escrituras, publicado em inglês em 1904, ele escreveu: "Temos todos os motivos para crer que o número definido, fixo, dos eleitos... seja ... 144.000 'remidos dentre os homens!' " Em Luz, Livro Um, publicado em inglês em 1930 pelo segundo presidente da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA), J . F. Rutherford, declarou-se igualmente: "Mostra-se assim os 144.000 membros do corpo de Cristo, em assembleia, como selecionados e ungidos, ou selados." As Testemunhas de Jeová têm coerentemente sustentado o conceito de que o Israel espiritual é composto literalmente de 144.000 cristãos ungidos.

Depois de explicar que no passado criam que os judeus literais teriam bênçãos especiais do Senhor em cumprimento de profecias bíblicas e que até publicaram o livro Vida para alcançá-los (sem êxito), tendo, porém, abandonado esta interpretação em 1934, o livro da Torre de Vigia passa a falar sobre como buscavam entender o sentido da "grande multidão" citada no Apocalipse, atribuindo-lhe inicialmente um papel secundário em que "Iriam para o Céu como classe secundária, que não participaria em reinar com Cristo" (Op. Cit., pág. 120). Interpretavam então esses membros extras como sendo a classe dos jonadabes (Cf. Josué 9 e 10) — os que não eram do povo de Deus, mas colaboravam com este para obter uma recompensa.

Finalmente, em 1935 teria irrompido a "luz " sobre essa enigmática grande multidão:

Num emocionante discurso sobre "A Grande Multidão", proferido perante uns 20.000 congressistas, J. F. Rutherford... apresentou prova bíblica de que as hodiernas outras ovelhas são as mesmas pessoas que as da grande multidão de Revelação 7:9. No clímax deste discurso, o orador perguntou: "Será que todos que têm a esperança de viver para sempre na Terra gostariam de ficar em pé?" Quando uma grande parte da assistência se pô s em pé, o presidente declarou: "Eis a grande multidão!" Houve um silêncio, seguido por estrondosos aplausos. Quão alegres ficaram os da classe de João — e também os do grupo de Jonadabe!" (Ibid., pág. 122).

Mais adiante, a obra alega que "A colheita do povo de Deus tem sido assim em plena harmonia com a visão de João: primeiro a obra do ajuntamento dos remanescentes dos 144.000; depois o ajuntamento da grande multidão" (pág. 126).

O leitor percebe que os "pioneiros" que chegaram primeiro ao conhecimento das "verdades" jeovaístas atribuem-se o direito à herança celestial, e outros mais (que são poucos) que depois se sentiram "vocacionados" ou mesmo predestinados para o Céu (entra aí uma mini doutrina de predestinação à luz de Efésios 1:3-23, que se aplicaria somente a membros da "classe ungida" que têm o direito de tomar do pão e do vinho e passagem garantida para o Céu).

Quando se leem ou se ouvem tais explicações sobre a "colheita do povo de Deus" que está em "plena harmonia " com a "visão" de Rutherford?), não se pode evitar que venham à mente as palavras de Jesus advertindo os Seus discípulos quanto à atitudes de escribas e fariseus que "amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas" e que "atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los " (Mat. 23:6 e 4).

A esperança de salvação para a vida eterna sobre a Terra desses "jonadabes", que chegaram depois que o número dos salvos para o Céu já estava preenchido, dependerá de estrita obediência às regras que aprenderão via Torre de Vigia. Diz nesse sentido o livro Poderá Viver Para Sempre no Paraíso da Terra, capítulo "Como Tomar-se Súdito do Reino de Deus":

... daqueles que querem tornar-se súditos do governo de Deus exige-se ainda mais do que apenas não fazer o que é errado ou imoral. Precisam também fazer verdadeiro esforço de fazer coisas bondosas e altruístas em favor dos outros.
Precisam viver segundo a regra piedosa estabelecida pelo Rei, Jesus Cristo, (pág.132).

Entre essas "coisas bondosas e altruístas" está, como não poderia deixar de ser, a tarefa "de ser porta-vozes ou proclamadores leais do reino de Deus". E haja revistas e livros, e horas e mais horas de estudo e divulgação do material produzido pelas imensas gráficas da Torre de Vigi a por várias nações. Enfim, um lamentável empenho de salvação pelas obras, pois os que forem leais até o fim serão os únicos a passar pelo terrível teste da batalha do Armagedom, que sempre está bem próxima!

Voltando novamente à "refeição noturna", lembro-me de que a certa altura o orador citou o texto de I Coríntios 11:26: "Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha." A versão Novo Mundo, então utilizada, declara: "... até que Ele chegue." Neste ponto não me contive; interrompendo meu silêncio, virei-me para um dos membros da família que me convidara e disse: "Sandra, você está vendo o que ele leu? até que El e chegue!' Mas se Ele chegou em 1914 [como é a crença das 'testemunhas' sobre a volta de Jesus], não faz sentido realizar esta celebração após aquela data!" Sandra ficou um tanto confusa, e simplesmente declarou: "É que você não entende..." "Entendo sim, está bem claro aí na sua própria Bíblia", retruquei.


Mais adiante, já perto do encerramento do passeio da bandeja e cálice pelo salão, resolvi retirar-me e sair antes da aglomeração de pessoas ao final. Mas pensei em deixar u m último pensamento para reflexão com a jovem senhora ao meu lado: "Veja, Jesus declarou que 'Quem comer a Minha carne e beber o Meu sangue tem a vida eterna e Eu o ressuscitarei no último dia' (João 6:54). O que estas pessoas aqui estão declarando é que não têm a vida eterna! Pense seriamente sobre isso." E saí.

Que o texto citado se refere à classe dos que herdarão a Terra é mais do que evidente, pois fala em "ressurreição" no "último dia". Os que participam dos emblemas já têm a garantia de ressurreição automática ao morrerem, segundo a teologia jeovaísta. Diz o já mencionado livro Revelação..., na página 103: "Toda evidência indica que essa ressurreição celestial começou em 1918, após a entronização de Cristo em 1914..." Só que não indica uma só dessa evidência toda.

O grande problema é que não há NENHUM A evidência, bíblica ou extra bíblica, que o indique. Nós sabemos disso. Que pena que milhares de sinceras "testemunhas" não percebem tal fato, dominadas mentalmente como estão pela lavagem cerebral de sua falsa organização religiosa. Um grande desafio que temos pela frente é o de esclarecê-las a respeito. Um desafio que requer preparo, fé e muito amor por essas almas enganadas.


FONTE: Revista Adventista, Julho 1989, p. 13-15

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