Azenilto
G. Brito
Milhares
de "testemunhas", dominadas mentalmente pela lavagem cerebral de sua
organização religiosa, não percebem o engano a que foram levadas.
Já participou de algum
almoço ou jantar em que os pratos de alimentos e copos de bebidas fossem
simplesmente exibidos aos convivas, e até passados de mão em mão, sem que ninguém
tocasse no seu conteúdo — ou seja, ninguém fosse visto servindo-se do alimento
e bebida oferecidos? Um episódio como o descrito representaria,
indiscutivelmente, uma refeição bastante singular! E desapontadora!
Pois bem, no dia 22 de
março deste ano fui convidado a participar de uma refeição com centenas de
outras pessoas, e o que se deu ali foi bem parecido com o que há pouco
descrevi. E tem mais, essa refeição não era uma ceia comum, mas a celebração da
morte do Senhor sobre o Calvário — enfim, a nossa conhecida Santa Ceia. Só que
os emblemas — pão e vinho — eram meramente feitos circular entre os assistentes
sem que se tomasse deles. Pelo menos não vi ninguém tendo a iniciativa de
participar do pão e do vinho contidos respectivamente em pequenas bandejas de
vidro e cálices transparentes que percorriam todo o auditório sem que
aparentemente fossem esvaziados.
Tratava-se da
"refeição noturna" anual das "testemunhas de Jeová",
comemorada uma vez ao ano na data que coincide com o 14 de Nisã do calendário
judaico — o da páscoa israelita. Como tenho sempre interesse em pesquisar sobre
essa organização religiosa, sobretudo ao estar ultimando a segunda edição
ampliada e atualizada de meu livro O Desafio da Torre de Vigia, aceitei o
convite de uma família "testemunha" com a qual havia trocado algumas
reflexões bíblicas, pois estava curioso em ver de perto essa tal refeição
pascoal.
A cerimônia, de que
participavam praticamente todos os membros da seita na capital mineira, foi
iniciada com uma oração em que o nome "Jeová" não poderia logicamente
faltar. A seguir, um dos anciãos de congregação tratou de apresentar um
discurso de 45 minutos com o arrazoado bíblico que explicaria o estilo tão
diferente da "Santa Ceia" dos jeovaístas.
A certa altura do
discurso, o orador comentou haver duas esperanças na Bíblia, a celestial — que somente
os da "classe ungida" de 144 mi l abrigavam — e a terrestre, da
esmagadora maioria dos presentes. Estes últimos conformavam-se com uma espécie
de "salvação de segunda" por não haver mais vagas entre o seleto
grupo que no Céu acompanhará o Cordeiro por onde quer que vá. Naquele instante
pensei em quão mais gloriosa é a esperança do adventista, pois não só aguarda a
herança da vida eterna na Terra renovada, como também visitará o Céu por mil
anos quando a promessa de Jesus registrada em João 14:1-3 tiver cumprimento:
"Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em Mim. Na
casa de Meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, Eu vo-lo teria dito. Pois
vou preparar-vos lugar. E quando Eu for, e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei
para Mim mesmo, para que onde Eu estou estejais vós também."
Aliás, muito mais do
que uma dupla esperança — abrangendo Terra e Céu — o filho de Deus verdadeiramente
convertido abriga a certeza de sua salvação. Essa salvação já está assegurada
em Cristo, incluindo ressurreição, assento nos lugares celestiais e vida eterna
(ver Efésios 2:5-7).
Voltando à sui generis
santa ceia, a noção da salvação diferenciada foi logo mais contestada, talvez
sem querer, pelo próprio orador ao citar, de sua própria Bíblia (versão Novo
Mundo, como não poderia deixar de ser) o texto de João 10:16: "Então
haverá um rebanho e um pastor." No entanto, o pregador tentava
convencer-nos de que haverá dois rebanhos — um na Terra e outro no Céu, tendo o
do Céu a companhia constante do Pastor Jesus, enquanto o da Terra (a "grande
multidão") não contaria com esse mesmo Pastor, ocupado como estaria com os
seus 144 mil protegidos.
Foi ainda explicado que
só os remanescentes vivos dos 144 mil, que segundo o cômputo da Torre de Vigia
estaria agora em torno de pouco menos do que nove mi l pessoas — em sua maioria
idosos cidadãos norte-americanos, pioneiros da obra das "testemunhas"
— fariam uso dos emblemas, citando passagens dos evangelhos e epístolas como se
fizessem referência somente a esse grupo. Contudo, tal noção choca-se com um
princípio teológico fundamental — o de que não se pode firmar doutrinas sobre
textos simbólicos ou parábolas. Aliás, a mensagem do evangelho, com a ênfase no
novo nascimento, aplica-se a todos os que são guiados pelo Espírito.
Romanos 8 indica
realmente duas classes de pessoas, mas são as guiadas pelo Espírito e as
dominadas pela carne. Não existe um grupo intermediário, salvos para a vida
eterna, porém sem que possam herdar o Céu. Colocar símbolos apocalípticos como
base para o entendimento da cristalina mensagem de salvação pela graça é perder
o rumo totalmente e, o que é pior, a promessa de salvação que se aplica a todo
o que crê: I João 5:11-13.
Mas já que é para
interpretar o Apocalipse, podemos entender também ali que a "grande
multidão" estará no Céu: Apoc. 7:9; cf. 19:1. A Versão Novo Mundo em
Apocalipse 19:1 diz mais favoravelmente: "Ouvi como que uma voz de uma
grande multidão no Céu." O contexto de Apoc. 7:8 (versos 11-15) mostra que
vieram da grande tribulação sobre a Terra e que prestam serviço a Deus no Seu Templo
(verso 15) que está no Céu (11:19).
A própria Torr e de
Vigi a nos dá a pista da origem extra bíblica de sua absurda interpretação que limita
a glória celestial a 144 mil , sem perceber que se o contexto indica tratar-se
de elemento simbólico (12 mi l de cada tribo de Israel, admitidas como
simbólicas), o próprio número total, dentro de um livro bíblico cheio de
números de profunda simbologia, deveria ser assim entendido. Eis como a obra
Revelação, Seu Grande Clímax Está Próximo, comentário recém-lançado sobre o
Apocalipse, pág. 118, revela a suspeita origem da interpretação jeovaísta:
O
primeiro presidente da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA), Charles T. Russell, reconhecia
que 144.000 era o número literal das pessoas que constituem um Israel espiritual.
No seu livro A Nova Criação, volume VI, de Estudos das Escrituras, publicado em
inglês em 1904, ele escreveu: "Temos todos os motivos para crer que o
número definido, fixo, dos eleitos... seja ... 144.000 'remidos dentre os
homens!' " Em Luz, Livro Um, publicado em inglês em 1930 pelo segundo
presidente da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA), J . F. Rutherford, declarou-se
igualmente: "Mostra-se assim os 144.000 membros do corpo de Cristo, em
assembleia, como selecionados e ungidos, ou selados." As Testemunhas de Jeová
têm coerentemente sustentado o conceito de que o Israel espiritual é composto
literalmente de 144.000 cristãos ungidos.
Depois de explicar que
no passado criam que os judeus literais teriam bênçãos especiais do Senhor em
cumprimento de profecias bíblicas e que até publicaram o livro Vida para
alcançá-los (sem êxito), tendo, porém, abandonado esta interpretação em 1934, o
livro da Torre de Vigia passa a falar sobre como buscavam entender o sentido da
"grande multidão" citada no Apocalipse, atribuindo-lhe inicialmente
um papel secundário em que "Iriam para o Céu como classe secundária, que
não participaria em reinar com Cristo" (Op. Cit., pág. 120). Interpretavam
então esses membros extras como sendo a classe dos jonadabes (Cf. Josué 9 e 10)
— os que não eram do povo de Deus, mas colaboravam com este para obter uma
recompensa.
Finalmente, em 1935
teria irrompido a "luz " sobre essa enigmática grande multidão:
Num
emocionante discurso sobre "A Grande Multidão", proferido perante uns
20.000 congressistas, J. F. Rutherford... apresentou prova bíblica de que as
hodiernas outras ovelhas são as mesmas pessoas que as da grande multidão de
Revelação 7:9. No clímax deste discurso, o orador perguntou: "Será que
todos que têm a esperança de viver para sempre na Terra gostariam de ficar em
pé?" Quando uma grande parte da assistência se pô s em pé, o presidente declarou:
"Eis a grande multidão!" Houve um silêncio, seguido por estrondosos aplausos.
Quão alegres ficaram os da classe de João — e também os do grupo de
Jonadabe!" (Ibid., pág. 122).
Mais adiante, a obra
alega que "A colheita do povo de Deus tem sido assim em plena harmonia com
a visão de João: primeiro a obra do ajuntamento dos remanescentes dos 144.000;
depois o ajuntamento da grande multidão" (pág. 126).
O leitor percebe que os
"pioneiros" que chegaram primeiro ao conhecimento das
"verdades" jeovaístas atribuem-se o direito à herança celestial, e
outros mais (que são poucos) que depois se sentiram "vocacionados" ou
mesmo predestinados para o Céu (entra aí uma mini doutrina de predestinação à
luz de Efésios 1:3-23, que se aplicaria somente a membros da "classe
ungida" que têm o direito de tomar do pão e do vinho e passagem garantida
para o Céu).
Quando se leem ou se
ouvem tais explicações sobre a "colheita do povo de Deus" que está em
"plena harmonia " com a "visão" de Rutherford?), não se
pode evitar que venham à mente as palavras de Jesus advertindo os Seus discípulos
quanto à atitudes de escribas e fariseus que "amam os primeiros lugares
nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas" e que "atam fardos
pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem
com o dedo querem movê-los " (Mat. 23:6 e 4).
A esperança de salvação
para a vida eterna sobre a Terra desses "jonadabes", que chegaram
depois que o número dos salvos para o Céu já estava preenchido, dependerá de
estrita obediência às regras que aprenderão via Torre de Vigia. Diz nesse
sentido o livro Poderá Viver Para Sempre no Paraíso da Terra, capítulo
"Como Tomar-se Súdito do Reino de Deus":
...
daqueles que querem tornar-se súditos do governo de Deus exige-se ainda mais do
que apenas não fazer o que é errado ou imoral. Precisam também fazer verdadeiro
esforço de fazer coisas bondosas e altruístas em favor dos outros.
Precisam
viver segundo a regra piedosa estabelecida pelo Rei, Jesus Cristo, (pág.132).
Entre essas
"coisas bondosas e altruístas" está, como não poderia deixar de ser,
a tarefa "de ser porta-vozes ou proclamadores leais do reino de
Deus". E haja revistas e livros, e horas e mais horas de estudo e divulgação
do material produzido pelas imensas gráficas da Torre de Vigi a por várias
nações. Enfim, um lamentável empenho de salvação pelas obras, pois os que forem
leais até o fim serão os únicos a passar pelo terrível teste da batalha do
Armagedom, que sempre está bem próxima!
Voltando novamente à
"refeição noturna", lembro-me de que a certa altura o orador citou o
texto de I Coríntios 11:26: "Porque todas as vezes que comerdes este pão e
beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha." A versão
Novo Mundo, então utilizada, declara: "...
até que Ele chegue." Neste ponto não me contive; interrompendo meu
silêncio, virei-me para um dos membros da família que me convidara e disse: "Sandra,
você está vendo o que ele leu? até que El e chegue!' Mas se Ele chegou em 1914
[como é a crença das 'testemunhas' sobre a volta de Jesus], não faz sentido
realizar esta celebração após aquela data!" Sandra ficou um tanto confusa,
e simplesmente declarou: "É que você não entende..." "Entendo
sim, está bem claro aí na sua própria Bíblia", retruquei.
Mais adiante, já perto
do encerramento do passeio da bandeja e cálice pelo salão, resolvi retirar-me e
sair antes da aglomeração de pessoas ao final. Mas pensei em deixar u m último
pensamento para reflexão com a jovem senhora ao meu lado: "Veja, Jesus
declarou que 'Quem comer a Minha carne e beber o Meu sangue tem a vida eterna e
Eu o ressuscitarei no último dia' (João 6:54). O que estas pessoas aqui estão
declarando é que não têm a vida eterna! Pense seriamente sobre isso." E
saí.
Que o texto citado se
refere à classe dos que herdarão a Terra é mais do que evidente, pois fala em "ressurreição"
no "último dia". Os que participam dos emblemas já têm a garantia de
ressurreição automática ao morrerem, segundo a teologia jeovaísta. Diz o já
mencionado livro Revelação..., na página 103: "Toda evidência indica que
essa ressurreição celestial começou em 1918, após a entronização de Cristo em
1914..." Só que não indica uma só dessa evidência toda.
O grande problema é que
não há NENHUM A evidência, bíblica ou extra bíblica, que o indique. Nós sabemos
disso. Que pena que milhares de sinceras "testemunhas" não percebem
tal fato, dominadas mentalmente como estão pela lavagem cerebral de sua falsa
organização religiosa. Um grande desafio que temos pela frente é o de esclarecê-las
a respeito. Um desafio que requer preparo, fé e muito amor por essas almas
enganadas.
FONTE: Revista
Adventista, Julho 1989, p. 13-15
Nenhum comentário:
Postar um comentário