TEOLOGIA BÍBLICA DA BEBIDA
Roger S. Evans
Os Adventistas do
Sétimo Dia não viam necessidade de desenvolver uma doutrina sobre o uso do
vinho, até que verificou-se entre seus membros jovens um crescente uso de
bebidas alcoólicas, especialmente o vinho. Para esses jovens, a posição
tradicional de abstinência total está longe de ser uma proibição. Mas então o
que diz a Bíblia?
Uma leitura superficial
do texto bíblico pode sugerir que beber vinho moderadamente não é condenável.
Contudo, essa não é a maneira aceitável de determinar as verdades ou padrões
espirituais. Nossos jovens necessitam de declarações bíblicas que influenciem
suas vidas. Se somos o povo da Palavra, então necessitamos revelar o mandamento
bíblico, não somente nas doutrinas, mas também no estilo de vida que levamos.
Com isso em mente, precisamos verificar o uso do vinho na Bíblia e a atitude
dos escritores bíblicos inspirados. Este artigo examinará apenas aqueles textos
que abordam o aspecto moral envolvido no uso do vinho.
Vinho
no Velho Testamento
O Velho Testamento usa
primariamente duas palavras para vinho: yayin
(mais de 140 vezes) e tirosh (38
vezes). Quando tirosh é usada, nenhum
aspecto moral está envolvido. Na realidade, tirosh
pode ser melhor compreendida como “vinho novo”. A versão King James traduziu-a
dessa maneira 37 vezes.
Por essa razão, este
estudo se limitará aos principais textos que usam yayin. Essa palavra está presente em todo o Velho Testamento. Os
estudiosos aceitam que yayin é o suco
de uva fermentado, citado nas Escrituras.1 Embora sejam feitas
tentativas para demonstrar que ela pode se referir tanto ao vinho fermentado
quanto ao suco de uva fresco, isso não é prova definitiva de tal fato.2
Alguns apontam para
Isaías 16:10, como prova do seu uso para designar o suco de uva não fermentado.
O texto diz: “Já não se pisarão as uvas nos lagares”. O vinho obtido do
esmagamento das uvas é fresco e não fermentado. Além disso, o texto em questão
refere-se ao suco de uva não fermentado. Entretanto, tal interpretação
apresenta alguns problemas.
Primeiro, a referência
encontra-se em meio a uma profecia de linguagem totalmente simbólica, a
respeito de Moabe. Forçar uma interpretação literal de yayin, é violar uma das
regras da hermenêutica bíblica. Segundo, mesmo que o texto seja interpretado
literalmente, não significa que a referência seja a uvas frescas. Ambos, o suco
de uva fermentado e não fermentado, podem ser obtidos da uva espremida. Em
terceiro lugar, porque a evidência aponta para yayin como suco de uva fermentado.
Que razão levaria os
escritores bíblicos a usarem yayin
para o suco de uva não fermentado, quando poderiam usar asis (suco de uva não fermentado) e mishrah (bebida feita de uvas maceradas)? Em Números 6:3 aparece
uma lista de subprodutos da uva proibidos aos nazireus e as palavras ali usadas
são: yayin e mishrah.
Se yayin indica suco de uva fermentado e não fermentado, essa é uma
questão de nossos dias. Os escritores bíblicos aparentemente não tinham
interesse em explicar o significado de termos como yayin. Quando o usavam, entendiam que seus leitores sabiam que eles
estavam referindo-se ao suco de uva fermentado. Caso necessitassem indicar que
o suco de uva usado em conexão com os serviços de culto, ou celebrações
religiosas era o não fermentado, eles teriam feito apenas isso.
Pentateuco
A primeira menção
bíblica ao vinho é encontrada após o dilúvio (Gên. 9:21 e 24). Entretanto, em
Mateus 24:37 e 38 Jesus diz que os antediluvianos conheciam o vinho.3
“Assim como foi nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do homem.
Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilúvio, comiam e bebiam, casavam
e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca.”
Embora não haja
condições de mostrar que o “beber” de Mat. 24:38 esteja associado com vinho ou
outra bebida intoxicantes parece curioso admitir que Deus condenou o simples
ato de comer, beber, ou casar. Jesus ali refere-Se à atitude do povo que a
despeito da urgência do tempo e do iminente juízo de Deus, continua a viver
descuidadamente.
Em Gênesis 9,
encontramos que Noé, após embebedar-se, despiu-se e foi visto por seu filho
Cão. Sem e Jafé providenciaram cobrir a nudez de seu pai, tomando o cuidado de
não observá-la. Esse incidente mudou o curso da vida de Cão. Além disso mostra
que para Noé, Sem e Jafé, era considerado um pecado o fato de um filho
contemplar a nudez de seus pais.
As leis sobre os
pecados sexuais em Levíticos “Não descobrirás a nudez de teu pai e de tua mãe”
(Lev. 18:7), são um reflexo posterior dessa compreensão, desde os dias de Noé.
A ira divina atingiu os cananitas por participarem desses pecados. “Com nenhuma
destas coisas vos contamineis, porque com todas estas coisas se contaminaram as
nações que Eu lanço fora de diante de vós. E a Terra se contaminou. E Eu
visitei nela a sua iniquidade, e ela vomitou os seus moradores” (Lev. 18:24 e
25).
O relato não diz que
Noé acordou de seu sono, mas sim “do seu vinho”. A linguagem é significativa:
intencional ou não, o pecado de Cão não haveria acontecido se Noé não tivesse
bebido. O abuso do vinho fez a diferença nessa história. Uma longa história,
porém, começou ali. Os descendentes de Cão, os cananeus, foram condenados (Lev.
18:25 e 28) por causa de sua própria imoralidade e da imoralidade de seus
antepassados. Assim, os israelitas possuíam uma base histórica para a expulsão
dos cananeus. “Com todas essas coisas se contaminaram as nações que Eu lanço
fora de diante de vós” (Lev. 18:24). Os Israelitas sabiam que as ações de Noé e
Cão mudaram o curso de sua história.
Os fatos narrados em
Gênesis 19 também contribuíram para mudar a história de Israel. Após a
destruição de Sodoma e Gomorra, Ló e suas filhas estavam abrigados em uma
caverna. Ali, suas filhas chegaram à conclusão de que só havia um meio de
perpetuar a linhagem de seu pai: a relação incestuosa. Elas sabiam que Ló
jamais consentiria com tal coisa, e a saída foi dar-lhe bebida. Porque Ló
consentiu em beber, ao ponto de embebedar-se por duas noites consecutivas, não
sabemos, mas temos aqui um intencional uso do vinho, para maus propósitos. Vinho
(ou bebida forte), foi um ingrediente necessário para a consecução do mal.
Ambas as filhas deram à
luz, filhos que tornaram-se os progenitores dos Moabitas e Amonitas, terríveis
inimigos de Israel. Tristezas, decepções e mágoas foram o resultado das ações
das filhas de Ló. O texto não menciona qualquer condenação contra os
personagens dessa história. Contudo, as moças sabiam que o incesto era
considerado um pecado, inclusive por Ló. Uma posterior referência a isso é
encontrada nas leis dadas a Israel (Lev. 18). As filhas de Ló sabiam que a
bebida diminui a capacidade da pessoa de evitar fazer aquilo que normalmente
não faria, e que em dose excessiva a bebida anula a percepção dos
acontecimentos presentes. Embora não tratem primariamente do vinho, implicitamente,
as duas histórias condenam a bebida forte, por seus resultados maléficos.
Esta condenação é clara
em Deuteronômio 21:18 a 21, onde fala da punição dos filhos obstinados e
rebeldes. Um filho nessa situação deveria ser levado aos anciãos da cidade por
seus pais, que deveriam dizer: “este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos
à nossa voz: é dissoluto e beberrão. Então todos os homens da sua cidade o
apedrejarão, até que morra” (Deut. 21:20 e 21). Ao passo que obstinação e
rebeldia descreve atitudes, dissolução (glutonaria) e bebedice referem-se a um
tipo de comportamento que é fruto dessas atitudes. Ambos, a atitude e o
comportamento são considerados como graves pecados.
Para os escritores do
Pentateuco, a bebida deve ser evitada não somente pelas consequências que pode
trazer, mas também, porque é pecado.
Seção
histórica
A esterilidade de Ana
levou-a ao templo para orar. “Ana só no coração falava. Seus lábios se moviam,
porém, não se lhe ouvia nenhuma palavra. Por isso Eli a teve por embriagada. E
lhe disse: Até quando estarás tu embriagada? Aparta de ti esse vinho” (I Sam.
1:13 e 14). Eli ficou aborrecido por achar que Ana estava embriagada, e
repreendeu-a. Esse fato torna claro que embriagar-se em Israel era uma ofensa,
e algo que o sacerdote considerava um pecado. Ana, por sua vez, também entendia
assim e replicou: “Não tenhas, pois, a tua serva por filha de Belial”
(imprudente, sem valor, desobediente). Nas Escrituras, “Belial” está associado
com idolatria (Deut. 13:13), homossexualismo (Juízes 19:22, 10:13 e Gên. 19:5),
sacrilégio (I Sam. 2:12 a 17), embriaguez (I Sam. 25:17 e 36) e com a morte
eterna (II Sam. 23:6). Ao protestar, dizendo que não era “filha de Belial”, Ana
afirmava que os pecados associados com o culto a Belial, entre os quais estava
a embriaguez, não diziam respeito a ela. Ela compreendia que Deus aborrecia a
embriaguez.
O segundo livro de
Samuel, capítulo 11 contém outra mensagem sobre a embriaguez. Numa tentativa
desesperada para ocultar seu pecado, Davi chamou Urias da frente de batalha,
planejando para que ele fosse para casa ficar com sua esposa. Urias não foi.
Frustrado, Davi o embebedou, esperando que Urias desejasse a esposa pela quebra
de seus princípios. Isso também não funcionou. Davi então providenciou para que
Urias fosse morto em batalha.
A história não se
refere aos malefícios do vinho, mas de quão longe o pecado e o engano podem
levar uma pessoa. Entretanto, existe uma mensagem quanto à embriaguez
semelhante à que encontramos no caso das filhas de Ló. É mais difícil resistir
ao comportamento pecaminoso, no estado de embriaguez, do que no de sobriedade.
Tentar vencer a tentação enquanto se está embriagado é um grande problema.
A história de Absalão
ao planejar matar seu irmão Amnom (II Sam. 13), culpado de incesto com Tamar,
também tem que ver com vinho. Entre os convidados de Absalão para uma festa,
estava também Amnon. Absalão ordenou a seus servos para que matassem Amnon
quando sua mente estivesse anuviada pelo vinho. E assim aconteceu. Não está
claro no texto se Amnon foi pego de surpresa, ou se ele estava tão embriagado
que não teve condições de defender-se. Qualquer que seja o caso, porém, o vinho
foi elemento necessário para a prática do mal, como o foi também nos casos de
Ló e Davi.
Se a hermenêutica
mostra que as histórias bíblicas e as profecias possuem uma aplicação local e
imediata, ao ler ou ouvir aquelas histórias, os israelitas não podiam fugir à
mensagem de que a embriaguez é um comportamento condenado por Deus.
Há quatro referências,
que podem ser consideradas em Provérbios:
1.
Provérbios 20:1. “O vinho é escarnecedor, e a bebida
forte alvoroçadora. Todo aquele que por eles é vencido, não é sábio.” O texto
não diz que o vinho nos torna escarnecedores. Mas sabemos que quando uma pessoa
é escarnecedora, ele ou ela passam a ser desprezados pelos demais. Não é
valorizada, nem respeitada. É lamentável observar os olhos de um escarnecedor.
Ele trata os demais impunemente como se não fossem humanos. O vinho desfigura a
imagem de Deus no homem e destrói o caráter do homem. Além disso, o vinho dá
origem a disputas acirradas e disposição violenta. O texto sugere condenação da
embriaguez, apesar de não ficar claro se ele faz referência ao simples beber
vinho, ou ao uso abusivo.
2.
Provérbios 21:17. “Quem ama os prazeres empobrecerá, quem
ama o vinho e o azeite jamais enriquecerá”. Esse texto é um claro exemplo do
paralelismo hebraico, no qual a segunda linha repete o pensamento da primeira.
A ideia expressa diz respeito ao estilo de vida que dá primazia aos prazeres de
uma vida suntuosa. Quando o amor aos prazeres interfere nas responsabilidades
da vida o resultado é a pobreza. Vinho e azeite simbolizam as coisas que
recebem suprema avaliação, e, Consequentemente, são colocadas acima das demais.
O mesmo pensamento é expresso mais claramente em provérbios 23:21: “O beberrão
e o comilão caem em pobreza”.
3.
Provérbios 23:29 a 34. Refere-se tanto ao que estimula a
embriaguez, quanto ao alcoólatra. Aflição, tristeza, lutas, queixas, doenças e
olhos vermelhos são o seu lucro. Veem coisas estranhas, falam obscenidades e
geralmente agem como imbecis porque “se demoram em beber vinho” e “andam
buscando bebida misturada”. Esse comportamento traz vitupério ao nome de Deus;
portanto, não é apropriado para um cristão. A passagem condena a embriaguez, e
o verso 31 mostra quão repugnante é: “Não olhes para o vinho quando se mostra
vermelho”.
4.
Provérbios 31:4 e 5. Aí são admoestados os reis e príncipes
para não tomarem vinho ou outra bebida intoxicante, pois precisam de mente
clara e são juízo para liderar o povo de Deus. O texto chama a atenção para o
fato de que a bebida diminui a capacidade de agir de acordo com a lei. A “lei”
aqui é chaqaq, que significa “decreto”. Embora a ideia de decreto não esteja
claro, o contexto sugere a proteção do pobre, pela lei em Israel. Os reis e
príncipes (dispenseiros da justiça) dados ao vinho, “pervertem o direito dos
aflitos”. A palavra hebraica traduzida por “aflito” é ben oni. A cognata ana
significa pobre, desamparado, necessitado. O texto, pois, traz uma advertência:
A bebida alcoólica prejudica a percepção da justiça, em juízo que envolve o
pobre.
Os primeiros textos de
Provérbios apresentam advertências que condenam o vinho, e não exatamente o
ébrio. Temos assim uma evidente progressão na atitude de Israel, no que diz
respeito ao uso do vinho. Essa progressão aparece também na seção profética do
Velho Testamento. O que causou essa progressão? Teriam os israelitas chegado à
conclusão de que era extremamente difícil, senão impossível, controlar o uso do
vinho, e, por essa razão, seria melhor evitar seu uso totalmente? Ou será que o
próprio Deus, ao perceber a situação, inspirou o autor de Provérbios para
escrever tais orientações?
Os
profetas
Faremos uma incursão
nos livros proféticos em ordem cronológica. Iniciaremos por Amós, um livro de
juízo. O capítulo primeiro fala do julgamento de Damasco, Gaza, Tiro, Edom e
Amom. O segundo capítulo inicia com o julgamento de Moabe, e então se dedica ao
julgamento de Israel. Cada seção descreve os juízos e os pecados específicos
que os causaram.
Antes de emitir os
juízos sobre Israel, Deus relembra Sua bondade para com Seu povo. “Eu destruí
diante deles o amorreu… Também vos fiz subir do Egito e quarenta anos vos
conduzi no deserto, para que possuísseis a terra do amorreu. Dentre vossos
filhos suscitei profetas, e dentre vossos jovens, nazireus… Mas vós aos
nazireus destes a beber vinho e aos profetas ordenastes, dizendo: Não
profetizeis.”
Deus guiou e protegeu
Israel no passado. Agora, Ele mesmo condena os israelitas por suas ações (dar
vinho aos nazireus) e palavras (pedir aos profetas que não profetizassem), com
as quais eles frustraram Suas tentativas de conduzi-los. Deus instituiu o
nazireado. A razão não é especificada, mas dois anteriores, e um subsequente
nazireu — Samuel, Sansão e João Batista — foram chamados por Deus para liderar
Seu povo nalgum momento de sua história. Todo nazireu era “santo ao Senhor”
todos os dias de sua separação, sob solene voto de dedicação integral (Ver Núm.
6). Uma das características do voto, era a abstenção completa dos produtos
resultantes da videira, inclusive o vinho. Não é dito o porque da proibição,
mas é suficiente dizer que Deus tinha um propósito; e que ambos, Deus e o
nazireu consideravam o voto como sagrado. Os israelitas dos dias de Amós sabiam
disso, e sabiam também que os nazireus eram pessoas especialmente dedicadas a
Jeová. Ao oferecer-lhes vinho, Israel escarnecia não somente de Deus, mas
também dos próprios nazireus e seus votos. Era como se Israel estivessse
dizendo a Deus, que não se importava com Ele, nem com o Seu povo, e que se Deus
continuasse a abençoar os profetas e nazireus, eles O desonrariam e lhes
mostrariam seu desprezo.
Beber vinho aqui não
aparece como uma ação maléfica, mas, a própria bebida é um mal que estava sendo
imposto aos nazireus, com o propósito de levá-los a violar o voto feito com
Deus. De qualquer modo, forçar os nazireus a beber era apenas uma entre várias
maneiras pelas quais Israel demonstrava seu descontentamento para com Deus e
Seu povo. Eles também fizeram isso, trocando a justiça por prata, pervertendo
os caminhos dos pobres, adulterando e ordenando aos profetas para que não
profetizassem (Amós 2:6, 7 e 12). Temos causa e efeito relacionados aqui?
Primeiro vimos que o vinho está relacionado com glutonaria, literalmente (Deut.
22) e figurativamente (Isa. 22). Com perversão sexual (Gên. 9 e 19; Isa. 28) e
menosprezo à Palavra de Deus e seus convites para o arrependimento. A bebida
conduz a esses pecados, ou é sintoma de um problema de atitude mais profundo?
(Ver Habacuque 2)
Vamos agora aos dias de
Isaías. A falta de sensibilidade de Israel para com a Obra de Deus, em grande
parte foi acompanhada pelo obscurecimento causado pelo vinho. O resultado foi o
desastre: “Portanto o Meu povo será levado cativo, por falta de entendimento…
Então o povo se abate e o homem se avilta” (Isa. 5:13 e 15).
Segundo Isaías,
capítulo 22, a situação tornou-se cada vez pior. Vemos um povo que não retornou
para Deus, nem ouviu Seu chamado para o arrependimento. “O Senhor dos exércitos
vos convida naquele dia para chorar, para prantear, rapar a cabeça e cingir o
cilício. Porém, é só gozo e alegria o que se vê. Matam-se bois, degolam-se
ovelhas, come-se carne, bebe-se vinho, e se diz: comamos e bebamos, que amanhã
morreremos” (Isa. 22:12 e 13).
Todos os meios usados
por Deus para livrar Israel do exército de Senaqueribe, esgotaram-se sem que o
povo sequer reconhecesse sua real situação. Inclinaram-se, entretanto, a comer
e a beber. O texto não trata primordialmente de beber vinho, mas do desprezo de
Israel para com Deus, Sua palavra e a seriedade do tempo. Beber vinho e o comer
carne simbolizam o desdém do povo ao chamado de Deus para o arrependimento.
A mais incisiva
exortação a respeito do vinho e bebidas intoxicantes encontra-se em Isaías
28:7: “Mas também estes cambaleiam por causa do vinho, e não podem ter-se em pé
por causa da bebida forte. O sacerdote e o profeta cambaleiam por causa da
bebida forte, são vencidos pelo vinho, não podem ter-se em pé por causa da
bebida forte. Erram na visão, tropeçam no juízo”.
Não somente o povo de
Israel, mas também seus líderes espirituais foram influenciados pela bebida
alcoólica. Deus comunicou Sua verdade, Sua vontade, Sua graça, e perdão ao Seu
povo, a despeito dos sacerdotes e profetas. Nem os profetas (“eles erram nas
visões”), nem os sacerdotes (“eles tropeçam no julgamento”) eram capazes de
realizar seu trabalho, por causa da bebida. A implicação é clara: O vinho e
bebida forte obscurecem a mente, ao ponto de impossibilitar o ouvir a voz de Deus.
(Ver Lev. 10:9 e 10).
Isaías 28 é uma
aguilhoada contra aqueles que abusam do vinho. Mas não é tudo: O vinho ali é
mencionado em conexão com “bebida intoxicante” (shekar = cerveja) e a bebida forte é condenada, não importa a
quantidade. William Shea diz que yayin
pode não ser condenado totalmente no Velho Testamento, mas shekar, sim.4 Uma das razões porque shekar como cerveja é totalmente condenada, e yayin não, está no fato de um ser o produto direto de uma mistura
alcoólica intencional, enquanto que o outro não. Feita a partir do grão, shekar só pode ser fabricada a partir de
uma decisão para fazer a cerveja. Mas o suco da uva naturalmente fermenta,
independente da vontade humana.
Vinho
no Novo Testamento
A palavra grega para
vinho é oinos. Se significa suco de
uva fermentado ou não, essa é uma questão de nossos dias. Dicionários e
comentários sobre o Novo Testamento admitem que oinos significa suco de uva fermentado.5 Na maioria dos
casos, o contexto exige essa interpretação. Outra palavra grega é gleukos, que significa vinho novo, vinho
doce, ou suco de uva. Aparece uma única vez no Novo Testamento (Atos 2:13)
quando os apóstolos foram acusados de estar embriagados. Devemos concordar com
Lucas, que gleukos foi a bebida que
causou a embriaguez.
Todos os textos do Novo
Testamento, que usam oinos ou falam
da embriaguez com sentido pejorativo, exceto um, o fazem na forma de
ensinamentos. Três são de Jesus, e os demais, de Paulo.
Evangelhos
Em Mateus 24, Jesus
fala da necessidade de preparo para a Sua Segunda Vinda (Ver Mat. 24:44). O
“servo fiel e prudente” será achado de prontidão, pelo seu senhor. Este servo é
chamado de “Bem-aventurado”. O “servo mau” é relapso para com as coisas de seu
senhor e “passou a espancar os seus companheiros, e a comer e beber com
ébrios”. Aquele servo será excluído, e sua parte será com os hipócritas.
O assunto dos tipos de
pessoas que serão encontradas quando o Senhor retornar, é repetido cinco vezes
no contexto imediato de Mat. 24. (24:40 e 41; 45-51; 25:1-13; 14-30; 32-46). Um
grupo estará pronto quando o Senhor retornar. Outro grupo não.
O servo despreparado é
violento para com os seus, e companheiro de ébrios. Violência, glutonaria e
embriaguez não são a causa, mas um sinal de seu despreparo. Embora condene o
comportamento irresponsável do mau servo, Jesus mostra que seu grande pecado é
a hipocrisia (Mat. 24:51). Semelhante ensino é encontrado na parábola das dez
virgens (Mat. 25:1-13), dos talentos (Mat. 25:14-30), e das “ovelhas e bodes”
(Mat. 25:31-46). Consequentemente, os ébrios mencionados em Mat. 24:49-51,
descrevem um povo que professa ser parte do povo de Deus, mas vive de modo
contrário à Sua vontade.
O que é interessante é
que Jesus tenha escolhido os ébrios para ilustrar Sua mensagem — como também o
fizeram os profetas do Velho Testamento. É claro, portanto, que nesse texto, Jesus
claramente condenou a embriaguez.
O próximo texto é
talvez o mais difícil dentre os encontrados nos Evangelhos sobre essa questão.
Ao fazer a defesa de João Batista, Jesus disse: “…veio João Batista sem comer
pão nem bebendo vinho, e dizem: tem demônio. Veio o Filho do Homem, comendo e
bebendo, e dizeis: Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e
pecadores” (Lucas 7:33-35).
Não existem evidências
de que Jesus tomasse suco de uva fermentado. A única referência feita por Ele,
partiu de Seus inimigos. Fazer a exegese de um documento antigo tendo como base
uma acusação feita pelos inimigos de alguém, é no mínimo ingênuo.
Outro aspecto a ser
levado em consideração, é que a declaração de Jesus deve ser entendida em seu
contexto. Jesus argumentou que João não buscou para o seu ministério a
aprovação dos líderes religiosos de Jerusalém, os quais, consequentemente,
desprezaram a ele e sua mensagem. A pregação de João no deserto, a sua dura
mensagem (Mat. 3:7-12), seus hábitos alimentares e sua maneira de vestir
fizeram com que concluíssem que João estava possesso. Jesus sempre declarou uma
certa afinidade com João (Mat. 21:23-27), e isso contribuiu para que se
tornasse também, uma pessoa suspeita para esses mesmos líderes. Ele também
recusou para o Seu ministério a aprovação deles. Associou-Se com pescadores,
prostitutas, coletores de impostos e outros pecadores. Aqui temos culpa por
associação: Jesus, “um amigo de coletores de impostos e pecadores” (Lucas
7:34), deve compartilhar de seus estilos de vida, glutonaria e bebedeiras.
A resposta de Jesus não
deve ser usada como desculpa para o uso de bebida alcoólica.
Os
escritos de Paulo
O apóstolo Paulo
menciona vinho e/ou ébrios, dez vezes em suas epístolas. Sete passagens
condenam a bebida não somente por ser intoxicante (Rom. 13:13; Gál. 5:21; Efés.
5:18), mas também em função do seu impacto negativo sobre o relacionamento com
Deus (Rom. 14:21; I Cor. 5:11; 6:10; 11:21). As outras três passagens
necessitam ser estudadas mais acuradamente.
Paulo aconselhou a
Timóteo, para que os diáconos não fossem dados a muito vinho (I Tim. 3:8).
Escreveu a Tito aconselhando as mulheres idosas para que não fossem
“escravizadas” a muito vinho (Tito 2:3). Por si mesmos, esses textos sugerem
que beber vinho é aceitável, dentro de certos limites. Quando comparados com o
conselho de Paulo a Timóteo para que usasse um pouco de vinho para suas
frequentes enfermidades (I Tim. 5:23), fica a impressão de que beber vinho é
aceitável, desde que não se torne um vício. É preciso lembrar que nas sete
outras passagens onde Paulo fala acerca de oinos,
a embriaguez é condenada, e não o beber vinho em si. A consistência indica que
não podemos fazer com que oinos seja
fermentado em uma passagem e não fermentado em outra, em função de noções
preconcebidas. Oinos é oinos.
Como, então, entender os conselhos de Paulo a Timóteo e Tito? Outras passagens ajudarão. Em I Coríntios 6:19 e 20, Paulo diz: “Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo” (Ver I Cor. 3:16 e 17). Existe alguma coisa no beber vinho, que glorifique a Deus? A força desse texto está no fato de colocar responsabilidades sobre os tomadores de vinho.
Consideremos a metáfora
do templo. Não se admitia num templo nada que fosse comum ou sujo. Apenas o que
era limpo e santificado podia ser usado pelo sacerdote na oferta de
sacrifícios. Se aplicarmos esse raciocínio aos textos de Coríntios, a conclusão
é única: Deus espera que tenhamos cuidado com o nosso corpo. A bebida pode
danificá-lo.
Tomar vinho
moderadamente pode prejudicar nosso corpo? Existem numerosos dados científicos
que confirmam isso. A mais importante consideração para os cristãos, é que o
uso de bebidas alcoólicas, ainda que moderadamente, prejudica nossa capacidade
de pensar claramente. Já que é através da mente que podemos saber a vontade de
Deus para nossa vida, cabe-nos então evitar o uso de qualquer coisa que possa
impedir essa linha de comunicação.
Essa conclusão,
contudo, entra aparentemente em conflito com Paulo, pois ele aconselha Timóteo
a tomar pouco vinho. Paulo aprova assim a destruição do templo de Deus? Como
resolver este dilema?
Para obter a resposta,
devemos voltar ao tempo de Paulo. No primeiro século, quando então a medicina
científica não existia, os idosos admitiam que o vinho possuía poderes
curativos, que até mesmo os remédios não possuíam. Tal uso do vinho era aceitável
para Paulo. Alguns dirão que esta conclusão é simplista. Outros dirão que ela
carece de evidências. Contudo, como um estudante da Bíblia, e alguém que crê
que ela não se contradiz, ela é a única solução satisfatória.
Conclusão
Além das considerações
bíblicas, podemos concluir:
1. Beber vinho não é um
assunto debatido amplamente na Bíblia. Embora apareça no Velho Testamento,
poucas passagens dizem alguma coisa sobre seu uso. Na maioria das vezes o vinho
aparece como parte do cenário do Velho Testamento, sempre mencionado com azeite
e pão. O vinho é quase sempre usado num sentido simbólico.
2. Um dos temas mais
importantes das Escrituras tem que ver com as repetidas tentativas de Deus para
resgatar Seu povo do pecado, da rebelião e livrá-lo da morte. É à luz dos
episódios ali apresentados que o vinho aparece, e raramente a embriaguez, não
somente como inútil, mas também como um impecilho aos esforços de Deus. Os que
afirmam que a Bíblia não condena o uso do vinho, apegam-se em vão a algum
ensinamento, história ou texto que exaltam as virtudes do vinho. Admitimos que
existem passagens que falam literalmente e simbolicamente do povo de Deus,
usando vinho ao comemorar as vitórias contra seus inimigos (Ecle. 9:7; Isa.
55:1; Joel 2:19 e 24; Amós 9:14; Zac. 9:17 e 10:7) e em festas religiosas (Gên.
14:18; Deut. 12:17, 14:23 e 26; I Crôn. 12:40; Prov. 3:10; Isa. 55:1 e 65:8;
Jer. 31:12).
Pode ser que em tais
celebrações o uso do vinho tivesse algum significado cultural (e religioso?)
simbólico, entre os israelitas, que nós desconhecemos. Mas usar tais textos
como prova de que a Bíblia não condena o uso do vinho é arbitrário. Precisamos
apenas rever nas Escrituras o registro de tristezas e desgraças que se abateram
sobre indivíduos e famílias, e que foram estimuladas pelo uso do vinho. Além disso,
a Bíblia menciona o vinho, tanto simbólica como literalmente, mais no contexto
do juízo, do que no contexto de festas. Discutir em termos de números e
quantidades é simplismo. Entretanto, aqueles que se referem aos textos que
relacionam o vinho com festividades, podem também tomar conhecimento daqueles
que colocam o vinho no contexto do juízo.
3. Este artigo não é
uma arma para ser usada contra qualquer pessoa na igreja, que esteja lutando
com o uso de bebidas alcoólicas. Esta não é a minha intenção. Talvez alguns
estranhem o fato desta matéria condenar o uso de bebidas alcoólicas. Eu não
posso fazer o texto dizer o que eu quero.
Entretanto, eu espero
que este artigo diga não somente o que eu penso, mas também o que Deus pensa.
Se cremos que Deus é o criador de todas as coisas, inclusive de nosso corpo,
cremos também que Ele sabe o que é melhor para nosso corpo e nossa mente. Deus
já sabia disso. Vivemos numa época em que necessitamos pensar claramente,
especialmente no que diz respeito à nossa vida espiritual. Porque faríamos
aquilo que impediria tal coisa?
Finalmente, façamos uma
aplicação mais prática. Nossa missão na Terra deve ser orar e glorificar a
Deus, e permitir que Ele nos torne ministros da reconciliação. O ministério
terá exercido uma influência, tanto sobre os que entrarão no Reino de Deus como
sobre os que ficarão do lado de fora. O melhor caminho para um ministro é o da
abstenção de bebidas alcoólicas e outras drogas, dando atenção ao conselho do
apóstolo Pedro: “Por isso, cingindo o vosso entendimento, sede sóbrios e
esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Jesus
Cristo. Como filhos da obediência, não vos amoldeis às paixões que tínheis
anteriormente na vossa ignorância. Pelo contrário, segundo é santo Aquele que
vos chamou, tornai-vos santos também vós, em todo vosso procedimento” (I Pedro
1:13-15).
1. William A. Holiday,
A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament, pág. 134; Don F.
Neufeld, SDABC, volume 8; Siegfried H. Horn, SDAD, pág. 1149; William Wilson,
Old Testament Word Studies, pág. 483.
2. Samuele Bacchiocchi,
Wine in the Bible, págs. 66-69.
3. Heinrich Seeseman,
Theological Dictionary of the New Testament, vol. 5, págs. H 162-166.
4. William Shea, Álcool
e a Bíblia. Pesquisa não publicada.
5. Horn, pág. 1149;
Seeseman, págs. 66-69; Joseph Henry Thayer, Greek-English Lexicon of the New
Testament, pág. 442.
*ROGER
S. EVANS, Pastor da Igreja Adventista de Delaware,
Westerville, Ohio.
FONTE:
Ministério,
Mar-Abr de 1993
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