UMA RESPOSTA BÍBLICA AO “PASTOR” QUE DIZ ODIAR POBRES
Ricardo André
Hoje (27/6), ao
percorrer as redes sociais, me deparei com um vídeo que, mais do que me
surpreender, feriu minha sensibilidade cristã e social. O vídeo foi publicado
por um senhor que se intitula “pastor” Nicoletti, fundador e líder da Igreja
Recomeçar, em Santa Catarina. Nele, tal pastor destila ódio contra os pobres. O
vídeo mostra que ele encontrava-se pregando, quando afirmou, de forma
despudorada, que “odeia pobres”, e ainda afirmou que “dar esmola é patrocinar a
escravidão”.
Num discurso repleto de
preconceito, ignorância e arrogância, ele afirmou que Jesus nunca foi pobre e
“quem diz isso está mentindo. Porque o pobre não é só pobre financeiramente,
ele é vítima de alguém que o fez ficar pobre. Ele sempre entende que o mundo
deve para ele, e a culpa é de quem tem mais”. Não satisfeito com as asneiras já
proferidas, disse que, em vez de ajudar financeiramente, as pessoas deveriam
levar os pobres três dias para sua igreja. “Você vai ver, vai mudar a vida
dela”, afirmou.
O ápice de seu show de
horrores foi quando esse suposto pastor partiu para ataques diretos e covardes
ao Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Fazendo referência à sua
deficiência física chamou-o de “nove dedos”, e usando um termo ofensivo o
chamou de “ladrão”. Quando um pastor fala "nove dedos" para se
referir ao Presidente Lula, só demonstra que de ministério pastoral e ética não
entende nada. Absolutamente! Certamente, boa parte de sua humanidade já morreu.
O ministério pastoral não combina com preconceito e é incompatível com o
capacitismo. E isso não tem a ver com opiniões políticas. Nunca! É com caráter
mesmo. Um pastor pode pessoalmente discordar do que a autoridade governamental
vigente faz, e até considerá-la incapaz, desonesta, maldosa, entre outros,
porém é incompatível com o cristianismo publicamente (principalmente numa
igreja) usar palavras preconceituosas e ofensivas contra o presidente da
República ou qualquer outra autoridade governamental. Vejam só! O pastor chamou
de ladrão um homem que possui uma história marcada pela luta por justiça
social, e que ao longo de seus três mandatos como Presidente da República,
implementou políticas públicas que tirou milhões de brasileiros da linha da
pobreza. (Para assistir o vídeo clique aqui).
A partir da fala desse
senhor podemos afirmar com segurança que não estamos diante de um pastor, mas
de um “coachs” que utiliza a religião para obter lucro, explorando a fé alheia.
Sua atitude é uma verdadeira demonstração de hipocrisia, típica de quem tenta
disfarçar seu próprio caráter podre. Até porque a conduta e a fala de um pastor
devem sempre serem caracterizadas por humildade, santidade, amor pelas almas
(pessoas), e um testemunho coerente entre palavras e ações. O pastor deve ser
um exemplo de piedade, refletindo a natureza de Cristo em seu caráter e
ministério. Ele deve ser autocontrolado, evitar a frivolidade e
manter uma conduta respeitável em todas as situações. Sua linguagem deve ser
pura, edificante e livre de fofocas, conversas vulgares ou qualquer tipo de
leviandade.
Com propriedade, a
escritora cristã Ellen G. White escreveu sobre a conduta de um pastor. Eis como
suas palavras traduzem a solenidade da vida de um ministro do evangelho:
“É de religião que os
pastores necessitam; uma diária conversão a Deus, um interesse indivisível,
altruísta em Sua causa. Deve haver humilhação de si mesmos e o lançar fora todo
ciúme, más suspeitas, inveja, ódio, malícia e incredulidade. É requerida
completa transformação. Alguns perderam de vista nosso Modelo, o sofredor Homem
do Calvário. Em Seu serviço não devemos esperar facilidades, honra e grandeza
nesta vida, pois Ele, a Majestade do Céu, não as teve. “Era desprezado e o mais
indigno entre os homens, homem de dores, experimentado nos trabalhos.” “Mas Ele
foi ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o
castigo que nos traz a paz estava sobre Ele, e, pelas Suas pisaduras, fomos
sarados.” Isaías 53:3, 5. [...]. Rogo a todos, especialmente àqueles que
pregam a Palavra e a doutrina, que façam incondicional entrega a Deus.
Consagrem-Lhe a vida e sejam verdadeiros exemplos ao rebanho. Não se conformem
em permanecer anões espirituais. Que seu alvo seja nada menos do que a
perfeição do caráter cristão. Permitam que sua vida seja desprendida,
irrepreensível e uma reprovação aos egoístas cujas afeições estão em tesouros
terrestres. Deus conceda que sua vida seja fortalecida de acordo com as
riquezas de Sua glória, “com poder pelo Seu Espírito no homem interior; para
que Cristo habite, pela fé, no vosso coração; a fim de, estando arraigados e
fundados em amor, poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual
seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor
de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais cheios de toda a
plenitude de Deus”. Efésios 3:16-19. (Testemunhos
Para a Igreja, v. 2, p. 516, 521).
Indubitavelmente, a
postura e fala do “pastor” Nicoletti vão na contramão dos ensinos das Sagradas
Escrituras. Senão, vejamos:
1)
A Bíblia Sagrada ensina amar as pessoas. Jesus ensinou o
amor ao próximo como um mandamento central, enfatizando o amor incondicional e
a compaixão, mesmo para aqueles que são considerados inimigos. Além disso,
Jesus desafiou seus seguidores a amar até mesmo seus inimigos, orando por
aqueles que os perseguem (Mt 5:43, 44). Ele exemplificou esse amor através de
suas ações, como cuidar dos pobres, doentes e marginalizados. O amor ao
próximo, segundo Jesus, deve ser expresso através de atitudes diárias de
bondade, serviço e perdão. Ao seguir o exemplo de Jesus, os cristãos são
chamados a amar todas as pessoas, independentemente de suas diferenças, crenças
ou comportamentos.
Ao afirmar que “odeia
os pobres”, o “pastor” Nicoletti dá uma clara demonstração de que não vive os valores
do evangelho em sua vida, não podendo sequer ser chamado de cristão, tampouco
de pastor. Nesse sentido, a Bíblia usa uma linguagem muito forte para descrever
pessoas como o “pastor” Nicoletti: “Se alguém afirmar: "Eu amo a
Deus", mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a
quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1 Jo 4:20, NVI).
2)
Jesus era pobre materialmente. Há evidências bíblicas
que sugerem que Jesus viveu uma vida relativamente pobre, especialmente se
comparado aos ricos de sua época. Embora não fosse um mendigo, Jesus não tinha
riquezas materiais, vivia de forma modesta e dependia da bondade dos outros
para muitas coisas, como comida e abrigo. Ele próprio afirmou não ter onde
reclinar a cabeça, indicando sua falta de moradia fixa e recursos (Mt 8:20).
Essa escolha de viver
na pobreza foi uma decisão consciente de Jesus, que não se encaixava nos
padrões de riqueza da época e se identificava com os mais pobres e
marginalizados. Ele escolheu viver entre os excluídos, como forma de se
conectar com a experiência humana e servir a todos, especialmente aos mais necessitados.
Apesar de não ter
posses materiais, Jesus é considerado rico em amor, paz, misericórdia e graça.
Sua riqueza reside no seu sacrifício, na sua mensagem de salvação e no seu amor
incondicional pela humanidade. A Bíblia, em 2 Co 8:9, afirma: “Pois vocês conhecem a
graça de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por amor de
vocês, para que por meio de sua pobreza vocês se tornassem ricos”. Essa
passagem destaca a escolha de Jesus em se tornar pobre para que seus filhos
pudessem se tornar ricos espiritualmente.
Portanto, não estamos
“mentindo” (como alega o Nicoletti) quando afirmamos que, ao vir a Terra como
homem, Jesus materialmente era pobre. Nesse caso quem está mentindo é o pastor
Nicoletti. Obviamente, por ser Deus Jesus é rico, mas ao assumir a forma humana
escolheu viver como um pobre do ponto de vista econômico. Negar isso é negar a
revelação bíblica.
3)
As Sagradas Escrituras ensinam o cuidado pelos pobres. Jesus
nos ensinou, entre outras coisas, a alimentar os famintos, dar de beber aos
sedentos, acolher os refugiados, vestir o nu, cuidar dos enfermos e visitar os
que estavam na prisão. Ele nos assegurou: “O que vocês fizeram a algum dos meus
menores irmãos, a mim o fizeram” (Mt 25:40, NVI) e “Sempre que o deixastes de
fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer” (Mt 25:45, NVI).
Note que Jesus disse que quando servimos aos outros estamos servindo a Ele.
Essa declaração deve transformar todos os nossos relacionamentos e atitudes. Mas
parece que não conseguiu mudar as atitudes do pastor Nicolleti.
Aqui cabe um poderoso
pensamento da escritora cristã Ellen G. White: “A norma da regra áurea é a
verdadeira norma do cristianismo; tudo que a deixa de cumprir, é um engano. Uma
religião que induz os homens a estimarem em pouco os seres humanos, avaliados
por Cristo em tão alto valor que por eles Se deu; uma religião que nos leve a
negligenciar as necessidades humanas, seus sofrimentos ou direitos, é religião
falsa. Menosprezando os direitos do pobre, do sofredor e do pecador, estamo-nos
demonstrando traidores a Cristo. É porque os homens usam o nome de Cristo ao
passo que Lhe negam o caráter na vida que vivem, que o cristianismo tem no
mundo tão pouco poder” (O Maior Discurso
de Cristo [CPB, 2014], p. 136, 137).
Quando o “pastor”
Nicoletti afirma que “dar esmola é patrocinar a escravidão”, incentivando seus
seguidores a fazerem vista grossa as necessidades dos pobres, seus sofrimentos
e direitos, contraria frontalmente esse claro ensino de Jesus e revela o quanto
ele é um “anão espiritual”. Provê as necessidades básicas das pessoas pobres,
incluindo arranjos para que elas consigam sobreviver independente da ajuda
assistencial, é fazer justiça social a esses oprimidos (vítimas da injustiça).
É imprescindível dizer
que existe um campo em que Deus é necessariamente radical e inflexivelmente
parcial: o campo da justiça. Aí Deus coloca-se do lado da justiça e contra a
injustiça, sem a menor concessão, sem a menor “neutralidade”, e sem simples
“preferências”: Deus está contra a injustiça e coloca-se do lado dos
“injustiçados” e “oprimidos”. Deus não faz nem pode fazer uma “opção
preferencial pela justiça”, ao contrário, opta por ela posicionando-se
radicalmente contra a injustiça e assumindo de uma maneira total a causa dos
injustiçados. Isso é “preferência pelos pobres”. Compreendamos que a opção
pelos pobres feita por Jesus, significa que Ele acolheu os pecadores, as
pecadoras, os publicanos, os doentes. Expulsou os demônios das pessoas,
ressuscitou os mortos, fez os paralíticos andarem, os surdos ouvirem, os cegos
verem a realidade, curou os leprosos. Ele fez o que pode às pessoas mais
excluídas da sociedade da sua época, a fim de ajudá-las e levantá-las.
Similarmente, hoje também Cristo coloca-se ao lado dos pobres, dos negros, dos
índios, das crianças, das mulheres, dos desempregados, dos idosos abandonados e
de qualquer outro grupo social, que sofrem com as injustiças sociais.
Nesse contexto, ao
longo dos reinados de Israel e Judá, além do profeta Isaías, Deus enviou diversos
outros profetas para denunciar e advertir o pecado da injustiça contra os
oprimidos, bem como para lembrar aos líderes e ao povo suas responsabilidades
para com os excluídos. Os opressores deveriam ser refreados, e os pobres,
desafortunados e oprimidos precisavam ser libertados. O Senhor chama Israel ao
arrependimento e a praticar obras dignas. Entre outras coisas Ele pede:
“Aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos
direitos do órfão, defendam a causa da viúva” (Isaías 1:17). O profeta Isaías
ainda deixou nítido que a injustiça social provoca a indignação de Deus: “Seus
líderes são rebeldes, amigos de ladrões; todos eles amam o suborno e andam
atrás de presentes. Eles não defendem os direitos do órfão, e não tomam
conhecimento da causa da viúva. Por isso o Soberano, o Senhor dos Exércitos, o
Poderoso de Israel, anuncia: "Ah! Derramarei minha ira sobre os meus
adversários e me vingarei dos meus inimigos” (Is 1:23,24, NVI).
Já o profeta Miqueias
deixou claro que, quando praticamos a justiça, estamos andando com Deus: “Ele
mostrou a você, ó homem, o que é bom e o que o Senhor exige: Pratique a
justiça, ame a fidelidade e ande humildemente com o seu Deus” (Miquéias 6:8,
NVI). Para além da depravação sexual, o profeta Ezequiel claramente descreveu
“os pecados de Sodoma e Gomorra”, como sendo a injustiça econômica e a falta de
cuidado para com os pobres oprimidos, ao declarar: “Ora, este foi o pecado de
sua irmã Sodoma: Ela e suas filhas eram arrogantes, tinham fartura de comida e
viviam despreocupadas; não ajudavam os pobres e os necessitados” (Ezequiel
16:49, NVI).
Ao vir Jesus à Terra,
Ele mostrou, entre outras coisas, que Deus ama a justiça e abomina a opressão.
Ele definiu Sua missão afirmando que "O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para
proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar
os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor" (Lucas 4:18,19, NVI).
Toda a prática de Jesus foi a realização dessas coisas lidas na sinagoga. “Além
disso, os escritores dos evangelhos, ao narrarem a história do Salvador, muitas
vezes usaram a linguagem dos profetas do Antigo Testamento para explicar o que
Ele estava fazendo. Dessa maneira, a vida de Cristo foi vista claramente na
tradição desses profetas, incluindo a compaixão deles pelos pobres e oprimidos”
(Lição da Escola Sabatina, 3º Trimestre
de 2019, edição do professor, p. 84).
Portanto, as Sagradas
Escrituras revelam claramente que os pobres e oprimidos, que Jesus chama de
“meus pequeninos irmãos” (Mt 25:40), eram o foco especial do Seu ministério,
por serem os mais vulneráveis da sociedade, e fruto de uma estrutura
sócio-política opressora. Logo, defender e lutar para que haja justiça social,
para que negros, pobres, mulheres, crianças abandonadas, indígenas e outros
oprimidos usufruam de cidadania plena é honrar e adorar a Deus (Is 56:6-10).
Mas, quando, seja qual for a razão, negamos a apoiar tais causas representamos
mal a Deus. O sábio afirmou: “Aquele que oprime o pobre com isso despreza o seu
Criador, mas quem ao necessitado trata com bondade honra a Deus” (Pv 14:31,
NVI). A palavra de Jesus fica como uma exortação para o “pastor” Nicoletti e
para cada um de nós, a fim de termos uma prática de vida cristã que se
vislumbrará no dia da Sua vinda: “o que vocês fizeram a algum dos meus menores
irmãos, a mim o fizeram” (Mt 25:40, NVI) e “o que vocês deixaram de fazer a
alguns destes mais pequeninos, também a mim deixaram de fazê-lo” (Mt 25:45).
Portanto, quando Jesus voltar, nossa atitude diante dos injustiçados e
oprimidos será o critério para distinguir os salvos dos perdidos.
Concluo minha reflexão
com um pensamento do mestre Paulo Freire:
“Que é mesmo a minha
neutralidade senão a maneira cômoda, talvez, mas hipócrita, de esconder minha
opção ou meu medo de acusar a injustiça? Lavar as mãos em face da opressão é
reforçar o poder do opressor, é optar por ele”.
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