A CAÓTICA TEOLOGIA DO ANTINOMISMO
Azenilto G. Brito
As interpretações bíblicas da teologia antinomista, ou semi-antinomista, representam um desafio ao bom-senso e à lógica. É uma teologia mais do que contraditória--verdadeiramente caótica. Senão, vejamos: Primeiramente, pelo confuso raciocínio desses "teólogos", temos um Deus um tanto quanto desorganizado, que mistura um preceito cerimonial dentro de um código de normas morais. Pois não é que esse Deus profere solenemente aos ouvidos do povo escolhido 10 mandamentos como base de um concerto muito especial com tal povo, depois ainda escreve tais mandamentos com o Seu próprio dedo em duas tábuas de pedra, e isso por duas vezes (pois as primeiras pedras foram quebradas por Moisés), sendo 9 preceitos morais e um cerimonial?!
Em vez de deixar o tal mandamento
cerimonial para ditá-lo mais tarde a Moisés juntamente com as inúmeras outras
regras rituais que Moisés escreveu num livro, esse "desorganizado"
Legislador coloca o mandamento cerimonial bem no meio do código de leis
morais--o preceito do sábado! Mas, pior ainda, esse Deus dos antinomistas
estabelece o princípio do sábado na Criação do mundo, separando o sétimo dia
para o descanso, abençoando-o e santificando-o, mas deixa o homem sem esse
repouso. Como não está escrito especificamente que Adão guardava o sábado, fica
"provado" que ele devia trabalhar como jardineiro (Gên. 2:15) todos
os sete dias, sem descanso. Ah, sim, ele tinha as noites para isso. . .
Valendo-se ainda do ineficaz
"argumento do silêncio", também não ficou escrito nada que Abraão e
outros patriarcas bíblicos respeitassem não só esse preceito do sábado, mas
outros preceitos, como o de não adorar imagens de esculturas ou furtar. Assim,
é bem possível que Abraão, Isaque, Jacó fossem batedores de carteira nas horas
vagas, pois não havia nenhuma regra escrita, "não furtarás"! E quem
sabe Abraão mantivesse em sua tenda imagens de Santo Abel, Santo Enoque e São
Noé para sua veneração? Afinal, onde estava escrito "não farás para ti
imagens de esculturas. . . não te encurvarás diante delas nem as
servirás?"
Não disse Paulo que "onde
não há lei, não há transgressão" (Rom. 4:15)? E é esquisito como esse
Deus, que fez do sábado "sinal" entre Ele e Seu povo (Êxo. 31:17), depois
mudou radicalmente de ideia e disse que desprezava o tal sábado em Isaías 1:13
e até profetizou que ia acabar com essa instituição em Oséias 2:11, para mais
tarde inspirar o restaurador da religião israelita a reinstituí-lo (Neem.
13:15ss). O mais estranho é que foi por causa da violação do sábado--que tinha
dito ao povo que desprezava--que Ele os castigou com o cativeiro (ver Jeremias
17:27). . . Ou seja, o povo foi castigado por não respeitar um preceito que
Deus disse que aborrecia!. . .
E Deus ainda convida "os
filhos dos estrangeiros" a unirem-se ao concerto divino com Israel
observando exatamente, o quê? O sábado! Mas, espera aí, esse não era preceito
só para judeu e ninguém mais? Pois é, só que o tal sábado, estabelecido só para
o judeu, mais tarde Cristo disse que foi "feito por causa do
homem-anthropós". Bem, quem sabe o "homem" aí é só o judeu (e as
judias) . ... Contudo assim se dá também com a instituição do matrimônio, onde
o mesmo homem-anthropós deixa o pai e a mãe e une-se a sua mulher (Mat. 19:5).
E casamento é coisa só para judeu?
Por falar em Cristo, a teologia
antinomista coloca o Filho de Deus em situação bem complicada. Primeiro, transforma-o
num tremendo hipócrita que diz que não veio abolir a lei, e sim cumpri-la,
recomenda a mais perfeita obediência a essa lei (Mat. 5:17-19), para depois
violar consciente e propositadamente um dos seus mandamentos (adivinhem qual. .
. - João 5:18)! E ainda se dedica a uma campanha contra a validade do mesmo
mandamento, criticando os que o observavam! Seria Sua situação, nessa base,
melhor do que a daqueles aos quais chamou de "sepulcros caiados" que
adotavam a filosofia do "façam o que eu digo, mas não o que faço"?
Todavia, embora querendo
"acabar" com o sábado, na interpretação antinomista, Cristo "Se
esquece" de dizer abertamente que não é para cumprir o mandamento. Diz,
porém, que é para atentar ao que os chefes religiosos diziam, e praticar, mas
não do modo hipócrita em que pretendiam obedecer à lei. Entretanto, uma das
coisas que eles diziam para o povo cumprir era o descanso aos sábados! (ver
Mateus 23:1, 2 cf. Lucas 13:14). Então, temos mais uma incrível contradição,
pela ótica antinomista--Ele quer acabar com o sábado, mas não diz nada
objetivamente nesse sentido, apenas fica com "indiretas". Ao
recomendar, porém, àquela gente que atentem ao que dizem seus líderes
religiosos e cumpram ("fazei e guardai . . . TUDO quanto eles vos
disserem"), a indireta termina sendo de recomendação ao sábado!
Será que o Cristo dos
antinomistas é tão pouco atento a esses importantes detalhes e termina caindo
em tal evidente contradição? Seja como for, Ele lança-Se em sua "campanha
anti-sabática" muito indiretamente, apenas dando "pistas" quanto
à futura atitude de desprezo pelo sábado. Contudo, nesse empreendimento Ele
decerto fracassou, pois não conseguiu convencer a Sua própria santa mãe e
outras mulheres que O serviam com a máxima dedicação a desprezarem o sábado.
Nem convenceu ao autor bíblico inspirado, Dr. Lucas. Este relata, escrevendo 30
anos após Sua morte, que as santas mulheres que preparavam unguentos para
embalsamar o corpo do Senhor pararam todas as atividades ao final da
sexta-feira, e no sábado "repousaram conforme o mandamento" (Lucas
23:56).
As "indiretas" de
Cristo contra a guarda do sábado certamente não surtiram o efeito desejado (pelos
antinomistas). Cristo ainda atribui ao Pai a incoerência das incoerências,
agora colocando o próprio Deus em situação também complicadíssima, sempre
segundo a visão antinomista.
Além de, como já vimos, Ele ter
misturado preceitos morais com um cerimonial, ainda cria uma lei que, na
prática, não funciona um dia por semana. Eis que "os sacerdotes violam o
sábado e ficam sem culpa" (Mat. 12:5), o que, nessa incrível teologia,
significa simplesmente que eles não cumpriam o preceito divino porque atuavam
no Templo, sacrificando até em dobro aos sétimos dias. Ou seja, a lei religiosa
criada para elevar espiritualmente o povo era violada cada sábado pelos
próprios líderes espirituais que tinham o dever de dar o melhor exemplo àquela
boa gente, mas o Legislador se esqueceu do detalhe que aos sábados a lei não
era respeitada justamente por aqueles que a deviam promover entre o povo! Um
Legislador assaz incompetente. . .
Essa louca teologia, porém,
prossegue ensinando que todos os Dez Mandamentos foram abolidos na cruz,
contudo os princípios morais básicos foram sendo restaurados, menos a questão
do dia de guarda. Tanto assim que todos os mandamentos estariam repetidos no
Novo Testamento, menos o do sábado. Isso significa que, como dizemos em nossa
matéria "10 Dilemas dos Que Negam a Validade dos 10 Mandamentos Como Norma
Cristã", se todos os mandamentos foram abolidos na cruz, mas sendo depois
restaurados no Novo Testamento (menos o 4º.), imaginemos uma situação incrível
que se estabeleceria: O 5º mandamento foi de embrulho com todos os demais
regulamentos morais e cerimoniais quando Jesus exalou o último suspiro e declarou,
"Está consumado". Daí, no minuto seguinte qualquer filho de um
seguidor de Cristo poderia chutar a canela de seu pai ou mãe, xingá-los,
desobedecê-los e desrespeitá-los livremente, eis que o 5o. mandamento só foi
"restaurado" quando Paulo se lembrou de referi-lo, escrevendo aos
efésios, e isso no ano 58 AD (ver Efés. 6: 1-3)! E, pior ainda, os termos do
mandamento "não matarás" só foram reiterados por Paulo em Romanos
13:9, no ano 56 ou 58 AD (bem como "não adulterarás", "não
furtarás", "não cobiçarás". . .). Ou seja, por quase 30 anos os
filhos dos cristãos não tinham que respeitar os pais, pois o 5º. mandamento só
é restaurado após umas três décadas, e mesmo assim só para os efésios. Muitas
décadas mais se passaram até atingir toda a comunidade cristã para
cientificar-se da necessidade de os filhos respeitarem seus pais! Além de os
cristãos poderem matar uns aos outros, etc., nesse mesmo período "sem a
lei restaurada". . . Faz sentido isso tudo?
Por aí se vê a enrascada em que
essa gente se mete ao contrariarem o "assim diz o Senhor" das
Escrituras. Contudo, a desvairada teologia semi-antinomista continua fazendo
seus estragos. Segundo ela, Paulo diz quatro coisas diferente a respeito do
princípio do dia repouso em quatro de suas epístolas:
a) Aos Romanos, segundo ainda
essa teologia semi-antinomista, tanto faz guardar um dia como outro, ou dia
nenhum, que Deus aceita tudo sem problema. Pode ser, consequentemente até o
sábado! Os crentes que decidam livremente como será a sua liturgia de observância
ou não de um dia dedicado a Deus, cada um segundo a sua preferência. Agora,
como o "Deus de ordem e não de confusão" encararia isso, não é dito,
sobretudo porque seria meio complicado pensar em que dia esses cristãos se
reuniriam para o culto, já que Mateus dedica o domingo ao Senhor, Tiago a 2a.
feira, André a 3a. feira, Filipe a 4a. feira, Pedro a 5a. feira, João a 6a.
feira, Judas Tadeu o sábado e Bartolomeu, dia nenhum. . . A base disso? A
interpretação que dão a Romanos 14:5 e 6.
b) Aos Gálatas a instrução é que
guardar dias, e meses, e tempos e anos é voltar aos "rudimentos fracos e
pobres". Logo, não há nenhum dia mais para guardar, nem sábado, nem
domingo, nem qualquer dia que seja. É até um pecado pensar em dedicar um dia ao
Senhor, coisa "fraca", e "pobre". A base disso? -- Gálatas
4:9 e 10.
c) Aos Colossenses, o sábado não
é mais para ser observado porque foi abolido com a "cédula de
ordenanças". A base? Colossenses 2:14-16. O que fica no lugar? Paulo
simplesmente nada diz, e como se contradiz com o que dissera aos romanos, fica
o mistério pairando no ar . . .
d) Aos Coríntios, ele sugere que
os cristãos observem o primeiro dia da semana indo à Igreja regularmente para
arrecadar ofertas (1 Cor. 16:2), não necessariamente para comemorar a Ressurreição
que em parte alguma das Escrituras conta com qualquer recomendação de
observância ou é prática sugerida.
Bem, mas se o sábado é um
mandamento "cerimonial", todas as cerimônias eram o antítipo que
apontavam para o tipo - a sombra que encontrava a realidade. Qual era o sentido
simbólico do sábado "cerimonial"? Oh, isso é fácil, segundo os
antinomistas--o sentido se acha na epístola aos Hebreus que traz exatamente a
exposição do cerimonial israelita detalhando o seu significado na expiação de
Cristo. É verdade, os capítulo 7 a 10 de Hebreus detalham muita coisa sobre o
sentido do sangue de bodes e carneiros, e atividades dos sacerdotes e levitas,
o sentido do santuário terrestre e das ofertas e suas peças do ritual todo de
Israel, enfim, uma exposição bem completa expondo o fim do Velho Concerto
[Velho Testamento] e o cumprimento do simbolismo de suas inúmeras cerimônias.
Mas, onde é que o "sábado
cerimonial" entra nessa explicação toda do sentido do cerimonial judaico
nos capítulos específicos onde o autor discorre a respeito? Não entra! A
questão do sábado merece dois capítulos especiais, o 3 e o 4, para expor, não
que foi abolido por ter cumprido o seu papel prefigurativo, mas que "resta
um repouso sabático [sabbatismós, em grego] para o povo de Deus" (Heb.
4:9). Então, em lugar de o sábado ser discutido nos capítulos 7 a 10 de Hebreus
que tratam do sentido do cerimonial, nem aparece em tal local. Ou melhor,
aparece sim, no capítulo 8:6-10 onde é dito que sob o Novo Concerto [Novo
Testamento], Deus escreve a Sua lei nos corações e mentes dos que aceitam os
seus termos.
Em parte alguma é dito que quando
Ele escreve, mediante a operação de Seu Espírito, as Suas leis nos corações e
mentes de Seus Filhos, o mandamento do sábado fica de fora, ou tenha havido
mudança do sábado para o domingo. O pessoal da teologia antinomista gosta de
dizer que agora não mais vivemos sob a "lei mosaica" (no que estão
certos), e sim sob a "lei de Cristo", ou "lei da fé", ou
"lei da graça", ou "lei do Espírito" contudo nenhuma dessas
expressões aparece neste texto (que é reprodução de Jeremias 31:31-33), que
apenas faz referência às "minhas leis" (de Deus).
Destarte, fica o ônus da prova
com quem negue que as tais "minhas leis" é algo diverso das leis de
Deus já conhecidas por Israel quando a promessa desse Novo Concerto havia sido
primeiro estendida ao povo escolhido. E os leitores cristãos-hebreus da
epístola que leva o seu nome compreenderiam muito bem a que "minhas
leis" o autor se referia. Mas, se essas "minhas leis" são as
mesmas de Jeremias 31:31-33, então as cerimônias que vigoravam ao tempo do
profeta também deveriam entrar, alegam alguns.
Ocorre que é exatamente nos
capítulos 7-10 que o autor de Hebreus explica o sentido das cerimônias e o
porquê de terem findado. Como os leitores originais da epístola, os
judeus-cristãos, já sabiam que o véu do Templo estava rasgado de alto a baixo,
e como liam no capítulo 4:9 que "resta um repouso sabático para o povo de
Deus", eles não teriam dúvidas de que o mandamento do sábado não tinha por
que estar excluído das "minhas leis" que Deus promete escrever nas
mentes e corações dos filhos de Deus, segundo "superiores promessas".
E essas promessas representam a atuação do Espírito Santo, cuja posse leva o
justo que vive pela fé a vivenciar a "a justiça da lei" (Romanos 8:3,
4). Afinal, Paulo pergunta: "Anulamos, pois, a lei pela fé?" E ele
mesmo responde: "Não, de maneira nenhuma, antes confirmamos a lei"
(Rom. 3:31). Esta passagem final coloca as coisas dentro da devida perspectiva
e representa um golpe mortal sobre as loucuras das interpretações antinomistas.
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