QUANDO A IGREJA VACILA: O PECADO DO RACISMO E O CHAMADO DE DEUS À CONVERSÃO

Ricardo André

O racismo continua sendo um câncer no corpo de Cristo.

No início desse mês, houve um caso de denúncia de racismo na Escola Adventista de Codó, no Maranhão, envolvendo a professora Lindinalva da Silva Santos (também conhecida como professora Linda Osvaldo Maia). A denúncia indica que a professora foi alvo de racismo por parte de, pelo menos, um aluno da instituição, após tomar uma medida educativa em sala de aula. O caso gerou forte repercussão nas redes sociais, com manifestações de apoio à professora e de condenação à atitude racista.

A Escola Adventista de Codó, após a denúncia vir a público, adotou por algum tempo o “silêncio total” e fechou os comentários em suas redes sociais, o que gerou críticas por parte do público e de movimentos sociais, como o "Escola em Luta". Depois de dias de silêncio e forte pressão nas redes sociais, a Escola Adventista de Codó finalmente se pronunciou publicamente sobre o caso, na quarta-feira (12), mediante um Comunicado Oficial, publicado no Instagram oficial da instituição. No entanto, a publicação não passou de um comunicado “vazio”, “genérico”, “protocolar” e “insensível”, por não mencionar diretamente o nome da professora vítima, nem apresentar detalhes concretos sobre as providências adotadas. O texto pareceu mais preocupado em preservar a imagem da instituição do que em demonstrar empatia e solidariedade à vítima.

Esse incidente com a professora Lindinalva da Silva Santos demonstrou que o racismo permanece fortemente no Brasil. Dados do Painel de Monitoramento Justiça Racial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que no ano passado o Brasil registrou o maior número de processos sobre racismo: foram 5.552, uma alta de 64% em relação a 2023. Como um vírus que destrói o sistema imunológico de uma pessoa aparentemente saudável, o racismo é um câncer que está lentamente corroendo a saúde moral do nosso país. A igreja deve confrontar diretamente essa doença social, pois ela milita contra a própria essência do evangelho.

Infelizmente, nossa igreja tem tendido a se manter em um silêncio ensurdecedor em relação ao racismo. Tal postura deve ser repudiada antes que possamos cumprir nossa missão. Felizmente, temos muitos precedentes bíblicos para promover essa mudança. Uma passagem em particular destaca o incidente em Antioquia, onde Paulo expôs o pecado do apóstolo Pedro (Gálatas 2:11-14).

O PECADO DE PEDRO: O EVANGELHO NEGADO NA MESA (Gl 2:11, 12)

No cerne da controvérsia da Galácia residia um conflito que Paulo, em sua época, enfrentou, mas não conseguiu erradicar. Ao longo da longa história do cristianismo, esse conflito continuou a envergonhar a igreja, negando “a verdade do evangelho” (Gl 2:14). É um problema que ainda assola a sociedade. Refiro-me ao pecado do racismo, a “crença de que existem raças ou tipos humanos superiores e inferiores, a qual se tenta impor como única e verdadeira” (Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes, O Negro no Brasil de Hoje [Global Editora, 2006], p. 179). Segundo essa crença, um grupo étnico inerentemente superior a outro, no caso o branco, merece tratamento desigual e uma parcela maior das recompensas ou privilégios da sociedade, levando a exclusão do negro (considerado inferior) e a discriminação racial. Tal sistema de crenças e comportamentos surge de uma perspectiva centrada no grupo, a visão de que o modo de vida de um grupo é o padrão pelo qual todos os outros grupos devem ser medidos e valorizados.

Os cristãos judeus do primeiro século sentiam-se assim em relação aos crentes gentios (os não judeus), imaginando-se superiores como povo escolhido de Deus. “Quando os crentes judeus chegaram em Antioquia, ficaram escandalizados ao ver os seus companheiros judeus comendo com gentios incircuncisos. Visto que os judeus consideravam os gentios ritualmente impuros, era prática comum evitar, tanto quanto possível, o contato social com eles. [...] Na verdade, o próprio Pedro lutou com essa questão, que foi resolvida por uma visão divina que o ajudou a ver o erro na qual se encontrava [At 10]” (Comentário Bíblico Andrews [CPB, 2025], v. 4, p. 267).

Essa atitude preconceituosa ameaçou a própria sobrevivência da igreja primitiva. Paulo descreve esse incidente específico em Gálatas: “Quando, porém, Pedro veio a Antioquia, enfrentei-o face a face, por sua atitude condenável. Pois, antes de chegarem alguns da parte de Tiago, ele comia com os gentios. Quando, porém, eles chegaram, afastou-se e separou-se dos gentios, temendo os que eram da circuncisão” (v. 11, 12, NVI).

Ao chegar em Antioquia, o apóstolo Pedro se viu atraído pelo espetáculo de cristãos judeus e gentios vivendo juntos, adorando juntos, comendo juntos, confraternizando em uma harmoniosa comunidade de “todas as nações”. Ele se uniu a essa comunhão em cumprimento da amorosa unidade pela qual seu Mestre havia orado tão fervorosamente (Jo 17:20-23).

Como descrever o que estava acontecendo com os cristãos de Antioquia ao viverem o evangelho? Eles tinham uma compreensão radical da fé cristã primitiva, na qual a liberdade era vista como uma realidade vivida, e não apenas uma abstração. Para esse grupo de crentes, a fé significava a liberdade “deste mundo perverso” (Gl 1:4). Acreditavam na libertação das leis, convenções e estruturas repressivas da sociedade de sua época; rejeitavam as distinções comumente aceitas, como as barreiras entre gregos e não gregos, judeus e não judeus, escravos e livres, e a subordinação das mulheres (Gl 3:28). Eles se viam como a vanguarda de uma nova ordem, tendo superado a ignorância e a superstição por meio de seu conhecimento de Deus.

Essencialmente, os cristãos em Antioquia formavam uma comunidade que buscava viver uma nova realidade social e espiritual, caracterizada pela igualdade e pela liberdade radical, como resultado direto de sua fé.

Não é de admirar que Lucas declare em Atos: “Foi em Antioquia que os discípulos foram chamados pela primeira vez de ‘cristãos’” (At 11:26). A experiência deles foi tão radicalmente singular que os observadores não crentes simplesmente chamaram esse novo comportamento de “cristão” - significando semelhante a Cristo.

Para os crentes em Antioquia, incluindo os judeus cristãos entre eles, essa atitude social não era nada surpreendente. Eles estavam simplesmente colocando em prática o “novo mandamento” (Jo 13:34) que Jesus havia ensinado aos discípulos: “Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros” (v. 35). Assim, para eles, não havia mais judeu ou grego, mas unidade em Cristo Jesus (Gl 3:28).

Então algo aconteceu. Alguns judeus de Jerusalém apareceram e, temendo represálias, Pedro “afastou-se e separou-se dos gentios”, e deixou de comer com eles. (Gl 2:12, NVI) Pedro, o grande apóstolo, aquele que falou em línguas no Pentecostes, aquele que curou enfermos, aquele que pregou para multidões, aquele que viu Jesus ressuscitado… esse Pedro falhou. E falhou de maneira grave. Falhou porque deixou o preconceito cultural e religioso influenciar seu comportamento. Ele sabia que Deus não fazia acepção de pessoas (At 10:34). Ele sabia que gentios também eram salvos pela fé. Mas, quando alguns homens chegaram, Pedro deixou o Evangelho e abraçou o medo da opinião alheia. Ele se afastou dos irmãos gentios, evitando comer com eles. A sua atitude criou distância, estabeleceu fronteiras e negou a comunhão que Cristo havia estabelecido na cruz. Ele segregou. Pedro discriminou pessoas. Ele decidiu que alguns crentes mereciam a sua mesa… E outros não. Era preconceito, era segregação, era uma atitude que negava o Evangelho.

Muitos cristãos adventistas são racistas. Um dia, poucos meses depois do nascimento do meu filho, Martin Luther King, uma irmã da igreja que eu congregava, aproximou-se de nós e perguntou o nome do nosso bebê. Quando falei o nome, ela respondeu: “Coitado! Além de ser preto recebeu esse nome”. Aquela fala da irmã foi como uma flecha no meu coração. Em função da simplicidade dela, ignorei sua fala. A maioria dos crentes adventistas não assumem que são racistas, mas em diversas ocasiões deixam escapar o racismo latente através de expressões e palavras racistas. Muitos outros crentes adventistas não pronunciam palavras abertamente racistas, mas silenciam diante do racismo. Talvez muitos adventistas não agridam, mas se comportam como Pedro: afastam-se. A separação, a indiferença, a exclusão sutil… tudo isso nega o Evangelho.

A ação de Pedro afetou os outros que estavam com ele: “Os demais judeus também se uniram a ele nessa hipocrisia, de modo que até Barnabé se deixou levar” (v. 13). Poucos momentos na Bíblia são tão fortes quanto este: o confronto entre dois gigantes da fé. Paulo, um apóstolo mais “novo”, repreendendo Pedro - o apóstolo dos apóstolos - “na cara”, “por sua atitude condenável” (Gl 2:11). Paulo, ao usar a palavra "hipocrisia", indica que as convicções teológicas de Pedro não haviam mudado, nem as de Barnabé. Ambos ainda acreditavam que a comunhão que agora evitavam era moral e teologicamente correta. Então, por que não defenderam aquilo em que acreditavam? Era o medo de represálias políticas de Jerusalém, o centro do poder da igreja primitiva. A força dessa pressão social é vista em como ela levou até mesmo Barnabé, amigo íntimo e colaborador de Paulo, a quem a Bíblia declara ter sido “um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé” (At 11:24).

Note que o erro de Pedro não ficou com ele. Infectou outros. Contaminou a comunidade. Influenciou líderes. A discriminação racial funciona do mesmo jeito. Um olhar torto, uma piada, uma omissão, um costume, e de repente… os ministérios ficam embranquecidos, cargos de destaque nas igrejas locais e nas administrações dos campos são sempre ocupados pelos mesmos e por pessoas brancas, pessoas negras são tratadas como “visitantes eternos” na própria igreja, irmãos brancos são vistos como “norma”, e irmãos negros como “exceção”. Alguns anos atrás, um irmão branco disse para mim que a cor que Deus criou foi a branca, e que é essa que será a cor dos salvos na Nova Terra. Essa afirmativa racista do irmão gerou uma forte discussão entre nós. Não me calei. Falei para ele que a crença dele não tinha fundamento bíblico, era racista e negava o evangelho. Ficamos chateados um com o outro durante alguns meses. Mas depois voltamos a nos falar. Outro dia, uma irmã com a intenção de me elogiar, afirmou: “Ricardo é um negro de alma branca”. Foi duro ouvir essa expressão. Nela a palavra "branca" é usada para descrever o bem e o bom, em oposição ao negro. Trata-se de uma expressão que estabelece uma hierarquia de valor, onde a negritude é vista como algo negativo e a branquitude como algo positivo. Ela também sugere que uma pessoa negra só pode ser considerada boa se tiver qualidades associadas à branquitude, o que é uma forma de racismo e negação da identidade negra. Com essa expressão, ela queria dizer que “apesar de ser negro” eu era um homem bom por possuir uma “alma branca”. Por que para eu ser bom tenho que ter uma “alma branca”? A bondade não é uma exclusividade das almas brancas. Portanto, sou negro de “alma preta”. Tudo isso vai formando um ambiente que machuca, exclui e fere irmãos e irmãs feitos à imagem de Deus. A verdade é que o racismo, quando entra na igreja, fere o corpo de Cristo. Fere porque rompe a unidade. Fere porque contradiz a cruz. Fere porque diminui aqueles que Deus dignificou.  O pecado de um produz o pecado de muitos. E Paulo chama isso pelo nome: hipocrisia - viver de modo contrário à verdade do evangelho (v. 14).

O CONFRONTO DE PAULO: QUANDO O EVANGELHO EXIGE CORAGEM (Gálatas 2:14)

Chegamos agora ao cerne do problema: “Quando vi que não estavam andando de acordo com a verdade do evangelho, declarei a Pedro, diante de todos: ‘Você é judeu, mas vive como gentio e não como judeu. Portanto, como pode obrigar gentios a viverem como judeus?’” (Gl 2:14). “Do ponto de vista de Paulo, o comportamento de Pedro sugeria que os cristãos gentios fossem fiéis de segunda categoria, na melhor das hipóteses. Além disso, ele acreditava que as ações de Pedro colocariam forte pressão sobre os gentios para que eles se sujeitassem, se quisessem experimentar uma comunhão plena” (Carl P. Cosaert, Lição da Escola Sabatina. O evangelho em Gálatas [CPB, 3º Timestre 2017], ed. Professor, p. 36). Paulo considerou esse comportamento hipócrita uma negação do evangelho. Visto que a ação de Pedro foi em grande parte pública, a condenação e a repreensão dessa ação também precisavam ser pública. Por isso que Paulo declara: “declarei a Pedro, diante de todos [...].

É assustador defender a verdade sozinho quando os líderes da igreja cedem à pressão social e política. Paulo declarou que a conduta de Pedro, segregacionista e racista, era um pecado contra o evangelho. “Ao relatar o acontecimento em sua carta, Paulo desejava que os gálatas evitassem o erro de Pedro e não se submetesse à circuncisão. Em vez disso, ele desejava que seguissem o seu exemplo e permanecessem firmes no evangelho. Essa história é um lembrete importante pare nós hoje. Ela nos ajuda a garantir que as nossas ações estejam em harmonia com as crenças centrais do evangelho que professamos, independentemente da aprovação de outros” (Comentário Bíblico Andrews [CPB, 2025], v. 4, p. 267).

Amigo leitor, quando as Sagradas Escrituras expõem o pecado de Pedro, elas estão ensinando a nós, igreja do século XXI, que até grandes homens de Deus podem ser influenciados pelo preconceito do seu tempo. Nas palavras de Ellen G. White, “mesmo os melhores homens, se deixados a si mesmos, cometerão graves erros. Quanto mais responsabilidades forem colocadas sobre o agente humano, quanto mais elevada for sua posição pata mandar e controlar, mais dano ele certamente causará ao perverter mentes e corações, se não seguir cuidadosamente o caminho do Senhor. Em Antioquia, Pedro falhou nos princípios da integridade. Paulo teve que resistir face a face a sua influência ruinosa. Esse fato está registrado para que outros possam se beneficiar dele e para que a lição possa ser uma solene advertência aos homens que ocupam altas posições, para que não faltem com a integridade, mas se atenham aos princípios” (Comentários de Ellen G. White, em Comentário Bíblico Adventista [CPB, 2014], v. 6, p. 1236). E se Pedro vacilou, nós também podemos vacilar. Se Pedro precisou ser confrontado, a igreja também precisa. Por isso, nesta Semana da Consciência Negra, precisamos encarar este fato: o racismo não é apenas um problema social - é um problema espiritual, é pecado, e ainda aparece dentro da igreja.

E qual é a verdade do evangelho? É a manifestação da graça de Deus. Pedro negou essa graça da mesma maneira que os falsos irmãos da Galácia fizeram posteriormente, minando assim a liberdade em Cristo. Isso sugere a ideia de que a conduta de Pedro em Antioquia pode ter influenciado os gálatas a seguirem o mesmo caminho, adotando “outro evangelho” (Gl 1:6, 7). Este era um evangelho de escravidão e servidão às regras humanas e regulamentos sociais, que dava aos seus seguidores uma falsa sensação de superioridade espiritual e racial, ao mesmo tempo que os impedia de experimentar a verdadeira liberdade espiritual e social em Cristo. Assim, o pecado de Pedro - segregação racial e tratamento preferencial, racismo - tornou-se o pecado da igreja.

O racismo, por definição, é uma ideologia de supremacia que perpetua o mal através de um tratamento objetivo, diferenciado e desigual das pessoas. Justifica esse mal atribuindo um significado negativo às diferenças biológicas e/ou culturais, minando o poder do evangelho e anulando a graça de Deus. Não há dúvida de que o pecado de Pedro se tornou o grande pecado da igreja atual.

Como se vê, diante do pecado de Pedro, Paulo não ficou em silêncio. Ele não disse: “Ah, Pedro é assim mesmo.” Ele não passou pano: “Foi só uma opinião.” Mas disse: “Pedro, você está negando a verdade do Evangelho!” Por quê? Porque o Evangelho é reconciliação, igualdade, dignidade, unidade. E toda forma de racismo - seja declarado ou sutil - é uma contradição frontal ao Evangelho.

Na igreja de hoje, precisamos de “Paulos”. Pessoas que tenham coragem espiritual para dizer: “Isso não combina com Jesus”. Pessoas que não se calam diante da injustiça. Pessoas que não concordam com o racismo silencioso, estrutural, sutil ou declarado que ainda existe nas nossas comunidades. Pessoas que não se calam diante de atitudes discriminatórias, não aceitam racismo como “brincadeira”, não justificam preconceito com “tradição”, não escondem injustiças para “evitar conflito”. Coragem espiritual é denunciar o pecado, não a pessoa. É confrontar em amor o que nega Cristo.

RESOLVENDO O PECADO DE PEDRO

Como esse problema pode ser resolvido? Paulo explica que “se reconstruo o que destruí, provo que sou transgressor” (Gl 2:18, NVI). Comumente, esperaríamos que ele dissesse o oposto, que destruísse o que havia sido construído. Mas aqui temos Paulo denunciando a reconstrução do que foi destruído. Isso só pode significar o muro divisório da hostilidade mencionado em Efésios 2:14-16. Indubitavelmente, o racismo reconstrói o que Cristo destruiu, o muro das divisões raciais e das facções sociais. O resultado dentro da igreja é guerra em vez de paz.

Se o evangelho que pregamos não conseguir derrubar esse muro divisório, permitindo que os membros mantenham suas ideias racistas, sua arrogante segregação e exclusividade racial, então, de acordo com Paulo, temos “um outro evangelho”, uma falsificação. Tal crença e comportamento violam tanto a graça de Deus quanto a “lei da liberdade” (Tg 2:12).

Uma vez que a divisão racial e o tratamento preferencial são construções sociais, reflexo da sociedade, eles podem ser reconstruídos “quebrando a estrutura social racista” existente na igreja.

Não devemos tolerar nada na igreja que seja incompatível com o reino de Deus. A igualdade não é uma opção deixada ao bel-prazer da igreja; é um mandamento e uma ordem divina. O apóstolo Pedro mudou. A Bíblia mostra isso. Ele aprendeu. Cresceu. Se arrependeu. A igreja também pode mudar.

E o que a igreja hoje pode fazer para gerar essa mudança? O primeiro passo é reconhecer que o racismo é pecado - e existe dentro da igreja. Negar o problema é perpetuá-lo. Não há cura para aquilo que negamos. Mas não basta reconhecer o problema é imprescindível debater sobre o preconceito racial no espaço da igreja e em todas as suas instituições, que ainda é um tabu. A igreja na América do Sul possui um relevante e exitoso Projeto denominado “Quebrando o Silêncio”, que promove no meio adventista o debate a respeito da violência contra a mulher, a criança e o idoso. A igreja bem que poderia aproveitar esse projeto para promover também o debate sobre o racismo sem medo, receio ou preconceito. O silêncio da igreja sobre as dinâmicas das relações raciais tem permitido que seja transmitida aos crentes uma pretensa superioridade branca, sem que haja questionamento desse problema por parte da liderança. Silenciar-se diante do problema não apaga magicamente as diferenças, e ao contrário, permite que cada um construa, a seu modo, um entendimento muitas vezes estereotipado do outro que lhe é diferente. Esse entendimento acaba sendo pautado pelas vivências sociais de modo acrítico, conformando a divisão e a hierarquização raciais.

Segundo, ouvindo e acolhendo nossos irmãos e irmãs negros. Suas experiências são reais, suas dores são reais, sua contribuição é fundamental para a igreja. Valorizar sua experiência. Honrar sua história. Terceiro, promover intencionalmente inclusão e representatividade na liderança da igreja. E isso não é “favorecimento”; é reparação, justiça e coerência com o evangelho. Quarto, confrontando com amor quando surgir qualquer atitude, comentário ou comportamento racista.

E sexto, a adoção de um Protocolo Antirracista é um passo essencial para qualquer igreja ou instituição que deseja promover dignidade, equidade e justiça. O racismo não se manifesta apenas em ofensas explícitas, mas também em práticas silenciosas, estruturas desiguais e atitudes naturalizadas que ferem, excluem e desumanizam. Ter um protocolo significa assumir compromisso formal com a proteção da vida, da integridade e da autoestima das pessoas negras.

Esse tipo de documento orienta como agir diante de situações de racismo, define responsabilidades, cria canais de denúncia seguros, estabelece medidas educativas e disciplinares, e evita improvisos que muitas vezes silenciam vítimas e protegem agressores. Além disso, demonstra que a instituição não compactua com discriminação e está disposta a promover transformação real, não apenas discursos, como aparentemente fez a direção da Escola Adventista de Codó.

Para igrejas, é também uma expressão prática do evangelho: acolher, reparar e cuidar dos que sofrem injustiça. Para instituições públicas e privadas, é um requisito ético e social, que fortalece confiança, transparência e convivência saudável. Implementar um Protocolo Antirracista é, portanto, afirmar que vidas negras importam - na prática, todos os dias.

Finalizo minha reflexão afirmando que a igreja só é a igreja de Jesus Cristo quando vive de acordo com os Seus ensinamentos e princípios. Sem isso, é meramente um clube social sofrendo sob uma profunda ilusão espiritual.

O que transforma um clube social em igreja é a experiência de Gálatas 2: 20: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. O poder de romper com a estrutura social existente não provém de fontes humanas. Somente pelo poder de Cristo que habita em nós é que a vitória nos alcançará individual e coletivamente. Embora eu acredite profundamente que a ruptura definitiva das estruturas existentes só ocorra quando “o reino do mundo se tornar o reino de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará para todo o sempre” (Ap 11:15), podemos e devemos ser agentes de mudança no presente - o sal, a luz e o fermento que estimulam a transformação espiritual e social.

Em tempos de convulsão como os que a sociedade atravessa atualmente, a igreja não pode se deixar levar pela corrente da conveniência. Se o evangelho significa alguma coisa, significa transformação. Portanto, somente quando a igreja é um agente de mudança é que ela é verdadeiramente igreja.

Que o Espírito Santo nos conduza a um arrependimento sincero, que arranque de nós todo preconceito consciente ou inconsciente, e que faça de nós uma comunidade onde o céu começa aqui - onde a diversidade não é ameaça, mas testemunho.

Oração: Querido Deus e bom Pai que estás no Céu, tira de nós o coração de pedra. Arranca todo preconceito, todo medo, todo silêncio cúmplice. Dá-nos o Evangelho vivo que ama, inclui e restaura. Que cada pessoa negra na nossa igreja jamais seja tolerada… mas honrada, celebrada, valorizada como imagem de Deus (Gn 1:27). Faz de nós uma comunidade onde Tu és visto na cor da diversidade. Amém!

 

 

 

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