BLASFÊMIA CONTRA O SANTUÁRIO NO CONTEXTO DO GRANDE CONFLITO


 Ricardo André

O santuário é uma das mais belas doutrinas da fé cristã. É através desse ensino que podemos compreender melhor o plano de Deus para salvar a humanidade pecadora. De acordo com a escritora cristã Ellen G. White, no santuário celestial está o centro da nossa esperança. Ele o lugar onde Cristo intercede pelos seres humanos e onde o plano da redenção se desenrola, tornando-se o foco central da fé e esperança dos cristãos. Ela escreveu que, “o santuário no Céu é o próprio centro da obra de Cristo em favor dos homens. Ele diz respeito a cada alma que vive na Terra. Abre ante nossos olhos o plano da redenção, conduzindo-nos através do tempo ao próprio fim, e revelando o triunfante resultado da controvérsia entre a justiça e pecado. É da máxima importância que todos investiguem inteiramente estes assuntos, e sejam capazes de dar a cada um que lhes peça a razão para a esperança que neles há” (Cristo em Seu Santuário, CPB, 1979, p. 45).

Desde o seu surgimento em meados do século XIX, os adventistas têm ensinado, com base em evidências nas Sagradas Escrituras, que existe um Santuário real no Céu (Ap 11:19). Esse santuário não é o próprio Céu, mas está no Céu, e foi o modelo dado por Deus a Moisés para a edificação do santuário terrestre (Êx 25:8, 9, 40; Hb 8:5). O santuário terrestre – realidade visível – apontava para o celestial, realidade invisível (Hb 8:9-5; 9:9, 23, 24). Os serviços diários e anual dos sacerdotes e sumos sacerdotes, respectivamente, no Lugar Santo e no Santíssimo do santuário terrestre prefiguravam o ministério sumo sacerdotal de Cristo em duas fases no Santuário Celestial. Ele realizou a expiação completa e perfeita através de Sua morte na cruz, e ao ascender ao Céu, Cristo entrou no Lugar Santo do santuário celestial para ministrar em favor de todo pecador, oferecendo os benefícios de sua morte expiatória a todo pecador penitente, que se entrega a Ele (Hb 7:25; 8:1, 2).

Sobre isso, Ellen G. White afirma nitidamente que Jesus entrou no santuário celestial “com o Seu próprio sangue, a fim de derramar sobre os discípulos os benefícios de Sua expiação”. (Primeiros Escritos [CPB, 1988], p. 260).

Ela ainda escreveu: “A intercessão de Cristo no santuário celestial, em prol do homem, é tão essencial ao plano da redenção, como o foi Sua morte sobre a cruz. Pela Sua morte iniciou essa obra, para cuja terminação ascendeu ao Céu, depois de ressurgir. Pela fé devemos penetrar até o interior do véu, onde nosso Precursor entrou por nós. (Hebreus 6: 20). Ali se reflete a luz da cruz do Calvário. Ali podemos obter intuição mais clara dos mistérios da redenção. A salvação do homem se efetua a preço infinito para o Céu; o sacrifício feito é igual aos mais amplos requisitos da violada lei de Deus. Jesus abriu o caminho para o trono do Pai, e por meio de Sua mediação pode ser apresentado a Deus o desejo sincero de todos os que a Ele se chegam pela fé.” (Ellen G. White, O Grande Conflito [CPB, 2006], pág. 490).

No sistema sacrifical do Antigo Testamento, ao longo do ano ocorria a contaminação do santuário terrestre, por conta da confissão do pecador penitente, cujo pecado era simbolicamente transferido para o animal sacrificado e, através de seu sangue, para o santuário levado pelo sacerdote em sua ministração. Similarmente, hoje “pela fé, os pecados confessados dos que se arrependem são colocados sobre Jesus e transferidos para o santuário celestial”. (FORTIN, Denis, MOON, Jerry. Enciclopédia Ellen G. White [CPB, 2018], p. 1288). Ao término do grande período profético dos 2 300 dias/anos de Daniel 8:14, em 22 de outubro de 1844 (457 a. C. - 1844), Cristo entrou no segundo compartimento do santuário celestial, o Lugar Santo dos Santos ou santíssimo, a fim de iniciar sua segunda e última fase de seu ministério expiatório: o processo de purificação do santuário, contaminado pelos registros dos pecados do Seu povo. Tal processo corresponde ao juízo investigativo ou juízo pré-advento, prefigurado pelo ritual de purificação do santuário terrestre do Dia da Expiação, que ocorria sempre no 10º dia do 7º mês do calendário judaico (Lv 16).

Apocalispse 13:6 prediz que justamente o santuário celestial seria um objeto da blasfêmia pela besta do mar: “E ela abriu a boca em blasfêmia contra Deus, para blasfemar o seu nome, e o seu tabernáculo, e os que habitam no céu” (BKJ Fiel 1611). Obviamente, esse santuário atacado pela besta do mar é o santuário celestial, e que o profeta João afirma que “abriu-se, então, o santuário de Deus, que se acha no céu, e foi vista a arca da sua aliança no seu santuário [...]” (Ap 11:19, NAA).

Afinal, quem é a besta que surge do mar? Essa besta é um poder religioso apóstata que se ergue de Roma e se torna um sistema mundial de adoração (Ap 13: 3, 4). Essa besta não é uma pessoa; é uma organização religiosa que substitui a verdade de Deus por decretos humanos. Quanto a identificação desse poder político-religioso, é preciso um estudo pormenorizado, o que demanda um espaço maior, por isso não dá para fazer isso nesse texto. (Para um estudo detalhado sobre a identificação da besta do mar clique aqui).  Mas, todas as especificações da profecia apontam inquestionavelmente para o poder católico romano, que atuou durante o período profético de 42 meses ou 1. 260 dias/anos (Ap 13:5-7; 12:6). O ano 538 d. C. marca, apropriadamente, o início desse período profético, quando a igreja romana, tendo o papa como seu líder, estabeleceu-se como um poder eclesiástico e de Estado que dominou o mundo ocidental durante a Idade Medieval. Em 1798 d. C., essa fase terminou quando uma das cabeças da besta foi mortalmente ferida, causando o fim temporário ao domínio opressivo da igreja e à religião apoiada pelo Estado, conforme previa a profecia (v. 3). Isso aconteceu em 1798 (538 + 1260 = 1798), durante a Revolução Francesa, quando tropas de Napoleão Bonaparte invadiram Roma e prenderam o Papa Pio VI (1775-1799), levando-o para o cativeiro (v. 10). No entanto, a profecia prevê também a cura da ferida no fim dos tempos, o que fará com que esse sistema seja restaurado.

Note que a profecia prediz que a besta do mar iria blasfemar não somente de Deus mas também daquilo que está ligado a Deus, a exemplo do santuário celestial. Nesse sentido, a profecia apocalíptica abre a cortina e nos dá um vislumbre do grande conflito que se desenrola no céu e na terra, que envolve um vasto sistema religioso que se ergueu em oposição à obra e ao ministério de Cristo e contra o Seu povo.

Afinal de contas, o que está acontecendo aqui? Como devemos entender o significado deste texto, especialmente no contexto do grande conflito?

O CONTEXTO DE ADORAÇÃO

Para começar, a blasfêmia da besta do mar contra o santuário é um componente crucial e central do tema do grande conflito, como aparece no livro do Apocalipse. A questão principal do conflito está relacionada à adoração. A principal questão na crise final é quem deve ser adorado. O dragão envida todos os seus esforços para se tornar objeto de adoração. Esses esforços incluem guerra contra Miguel (12:7-9); guerra contra o “filho varão” (v. 4, 5); guerra contra a mulher (v. 6, 13-16); e guerra contra o remanescente da semente da mulher (v. 17). Tudo isso traz um resultado esperado: com exceção da mulher e do remanescente de sua semente (v. 6, 14-17), o mundo inteiro “adorou o dragão” (13:4), “e adoraram a besta” (v. 3, 4), e “todos os que habitam na terra a adorarão [a besta do mar]” (v. 8, NVI).

Embora Satanás pareça dominar o conflito na Terra, em Apocalipse 14:6-15:4 a cena muda. Pouco antes do fim, Deus enviará Suas mensagens de advertências, representadas simbolicamente pela voz de três anjos que voam pelo céu. A palavra grega para anjo (aggelos) significa “mensageiros” (Dicionário Bíblico Adventista do Sétimo Dia [CPB, 2016], p. 67). As evidências de Apocalipse sugerem que os três anjos representam o povo de Deus, a quem é confiada a mensagem do tempo do fim para que ela seja compartilhada com o mundo. Essas mensagens são urgentes e importantes; elas devem ser ouvidas por todos, pois dizem respeito ao destino eterno das pessoas. Os três anjos proclamam o evangelho eterno (Ap 14:6-12), tendo a adoração como tema, contra-atacando a falsa campanha de adoração do dragão e seus agentes. O primeiro anjo emite um chamado para adorar a Deus, o Criador, no contexto da hora do julgamento. O anjo disse com voz forte: “Temam a Deus e deem glória a ele, pois é chegada a hora em que ele vai julgar. E adorem aquele que fez o céu, a terra, o mar e as fontes das águas” (Ap 14:7, NAA). O juízo em vista aqui é o juízo investigativo ou pré-advento, que ocorre antes da segunda vinda de Cristo. O propósito desse juízo é revelar se estamos ou não de fato servindo a Deus, uma escolha manifestada por nossas obras (2 Co 5:10). Na conclusão desse juízo, o destino de cada pessoa estará decidido (Ap 22:11), e Jesus virá para trazer Sua recompensa a cada um segundo suas obras (Ap 22:12).

O segundo anjo declarou: “Caiu! Caiu a grande Babilônia que fez com que todas as nações bebessem o vinho do furor da sua prostituição” (Ap 14:8).    Essa segunda mensagem declara a queda da Babilônia mística. Babilônia representa um falso sistema religioso caído, que rejeitou a mensagem do primeiro anjo em favor de um falso sistema de adoração. Por isso, que o terceiro anjo adverte contra adorar “a besta e a sua imagem” (Ap 14:9-11). Enquanto em 13:7-8, as pessoas adoram a besta, em 14:6-7 todas as pessoas são chamadas a adorar o Deus do céu. A escolha será entre adorar ao Criador ou adorar a besta. Cada pessoa decidirá quem terá sua lealdade – Jesus ou Satanás.

O SIGNIFICADO DA BLASFÊMIA

Durante seu esforço para ser adorado, a besta do mar “abriu a boca em blasfêmia contra Deus, para blasfemar do seu nome e do seu tabernáculo” (Ap 13:6, NVI). Note que a Revelação informa que os objetos da blasfêmia do poder político-religioso representado pela besta do mar incluem o próprio Deus (16:11, 21), Seu nome (13:6; 16:9) e Seu tabernáculo (13:6). A profecia sugere que o alvo da blasfêmia é Deus. A palavra grega blasphemia significa simplesmente “difamar o nome ou o caráter de Deus”, mas em Ap 13:6 a implicação vai além desse significado (Dicionário Bíblico Adventista do Sétimo Dia [CPB, 2016], p. 199). João pelo menos conhece a conotação da palavra blasfêmia, conforme descrita em João 10:33: “Não te apedrejamos por nenhuma obra boa, mas sim por blasfêmia; e porque, sendo tu homem, te fazes Deus” (NVI). Os oponentes de Jesus, os líderes judeus, O acusaram de blasfêmia porque afirmava ser Deus. Visto que realmente era Deus, Jesus não estava blasfemando (Jo 10:30; 5:18; 8:58; Cl 2:9). Qualquer outra pessoa que pretendesse possuir poderes e prerrogativas divinas estaria blasfemando. Os fariseus também acusaram a Jesus de blasfêmia porque Ele perdoava pecados (Lc 5:21). Mas estavam novamente errados. Como Deus, Jesus podia perdoar pecados. Entretanto, os fariseus definiam a blasfêmia corretamente. Todo indivíduo, exceto os membros da Divindade, que afirma possuir o poder e o direito de perdoar pecados é blasfemador. Qualquer pessoa que se coloca no lugar de Deus e reivindica prerrogativas que pertencem somente a Deus comete blasfêmia (ver também Mt 9:1-6 26:65; 14:64) - exatamente o que o dragão e a besta que saiu do mar buscam fazer por si mesmos.

Como o alvo final da blasfêmia é Deus, tudo diretamente associado a Deus é afetado. Isso inclui o poder de Deus, o reino de Deus, a autoridade do Ungido de Deus (Ap 12:10); os mandamentos de Deus (12:17; 14:12); o nome de Deus; e o tabernáculo de Deus, Seu templo (13:6). Todos são alvos do ataque de Satanás. Em Apocalipse 12:7-9, a causa e o principal problema da guerra no céu não são mencionados, mas esses versículos simplesmente dizem que Satanás e seus anjos são lançados à terra. No entanto, o versículo 10 esclarece que o poder, o reino e a autoridade de Deus são confirmados porque Satanás foi expulso. Isso implica que o poder, o reino de Deus e a autoridade de Cristo eram, na verdade, os problemas da guerra no céu - o alvo do ataque de Satanás. Falando da origem do pecado e do conflito no Céu, a Bíblia Sagrada afirma: “Você foi ungido como um querubim guardião, pois para isso eu o determinei. Você estava no monte santo de Deus e caminhava entre as pedras fulgurantes. Você era inculpável em seus caminhos desde o dia em que foi criado até que se achou maldade em você. Por meio do seu amplo comércio, você encheu-se de violência e pecou. Por isso eu o lancei em desgraça para longe do monte de Deus, e eu o expulsei, ó querubim guardião, do meio das pedras fulgurantes. Seu coração tornou-se orgulhoso por causa da sua beleza, e você corrompeu a sua sabedoria por causa do seu esplendor. Por isso eu o atirei à terra; fiz de você um espetáculo para os reis”. (Ez 28:14-17, NVI).  Como se vê, “Lúcifer se recusou a permanecer contente com sua exaltada posição, recebida do Criador. Em seu egoísmo, cobiçou a igualdade como próprio Deus: ‘Tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte da congregação me assentarei. [...] Serei semelhante ao Altíssimo” (Is 14:13, 14). Contudo, embora ele desejasse a posição de Deus, não almejava Seu caráter. Ansiava possuir a autoridade de Deus, mas não Seu amor. A rebelião de Lúcifer contra o governo de Deus foi o primeiro passo em sua transformação em Satanás, ‘o adversário’” (Nisto Cremos: As 28 Crenças Fundamentais da Igreja Adventista dos étimo Dia [CPB, 2018], p. 125).

BLASFÊMIA E O TRONO DE CRISTO

Satanás continua sua batalha na terra contra Deus. À besta do mar ele dá três coisas: seu poder, trono e grande autoridade (Ap 13:2). Isso é uma reminiscência de como Deus deu a Jesus a autoridade para sentar em Seu trono (Ap 3:21; Ap 4, 5), e todas as criaturas O louvam dizendo: “Digno é o Cordeiro que foi morto para receber poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e bênção” (5:12, BKJ Fiel 1611). O próprio Jesus diz: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28:18, NVI; ênfase adicionada). O dragão eleva o status da besta do mar para ser como Cristo, que recebe o trono, o poder e a autoridade de Deus Pai. Esse paralelo contrastante confirma o fato de que a besta do mar desempenha o papel do anticristo; ele é, de fato, o próprio anticristo. Por trás desse anticristo está o dragão que lhe deu poder. Isto é blasfêmia contra Deus; de fato, na cabeça da besta do mar há “um nome blasfemo” (Ap 13:1, NVI).

Jesus sentou-se com Seu Pai em Seu trono (3:21) porque Ele "havia sido morto" (5:6), e Seus seguidores também vencerão "pelo sangue do Cordeiro" (12:11). Eles vencem porque são perdoados pelo mérito do sangue do Cordeiro (7:14). Por Sua morte, Cristo perdoa pecadores; e porque Ele venceu e sentou-se no trono, Ele é digno de ser adorado (5:12). O espaço não vai nos permitir enumerar completamente os erros graves que tomaram conta do catolicismo romano no decorrer dos séculos. Muitos desses erros são realmente blasfemos. Mas podemos mencionar as pretensões históricas dos papas e dos concílios católicos romanos, cujas decisões ainda são considerados oficiais. A blasfêmia do dragão e da besta que se espalhou pelo mar é, indubitavelmente, a afirmação de que eles têm o trono, como se também tivessem o poder e a autoridade para perdoar pecados.

O Papa Leão XIII escreveu em 20 de junho de 1894: “Nós, [os papas] ocupamos na Terra o lugar do Deus Onipotente” (“A Reunião da Cristandade”, The Great Encyclical Letters of Pope Leo XIII [Nova York: Benziger, 1903], p. 304). Citado em Lição da Escola Sabatina, 3º Trimestre de 1989, ed. de Professor, p. 33, 34.

O Concílio Vaticano (1869-1870) decidiu o seguinte: “Se alguém falar, portanto, que o Pontífice Romano tem apenas a função de inspeção ou direção, mas não o pleno e supremo poder de jurisdição sobre a Igreja universal, não somente nas coisas que dizem respeito à fé e à moral, mas também nas que se referem à disciplina e ao governo da Igreja espalhada pelo mundo todo; ou, que ele só possui as parte mais importantes, mas não toda a plenitude desse supremo poder; ou que esse poder não é ordinário e imediato, ou sobre as igrejas em conjunto e individualmente, e sobre os pastores e os fiéis em conjunto e individualmente; que ele seja anátema [maldito]” (Henry Denziger, The Soucers of Catholic Dogma, tradução da 30ª edição de Enchiiridion Symbolorum [St. Louis: Herder, 1957], p. 455). Citado em Lição da Escola Sabatina, 3º Trimestre de 1989, ed. de Professor, p. 34.

O mesmo Concílio do Vaticano decretou: “E assim Nós [...] ensinamos e explicamos que o dogma foi revelado divinamente: que o Pontífice Romano, quando fala ex-cathedra, isto é, quando desempenha o dever de pastor e mestre de todos os cristãos, de acordo com a sua suprema autoridade apostólica, explica uma doutrina de fé ou de moral ou de moral que deve ser mantida pela Igreja universal, por meio da ajuda divina que lhe foi prometida na bênção de Pedro, atua com essa infalibilidade com a qual o Redentor divino queria que Sua Igreja fosse instruída ao definir alguma matéria de fé e de moral; e assim, tais definições do Pontífice Romano, por si mesmo, mas não pelo consenso da Igreja, são inalteráveis” (Idem, p. 457).

O Concílio de Trento (1545-1563) decidiu: Nosso Senhor Jesus Cristo, quando estava para ascender da Terra ao Céu, deixou os sacerdotes como Seus próprios vigários [...], como governantes e juízes, a quem devem ser trazidos todos os pecados mortais em que tenham caído os fiéis de Cristo, para que eles, em virtude do poder das chaves, possam pronunciar a sentença de remissão ou retenção dos pecados. [...] Ele também ensina que mesmo os sacerdotes envolvidos em pecado mortal exercem como ministros de Cristo a função de perdoar pecados, em virtude do Espírito Santo concedido na ordenação, e que a opinião de que esse poder não existe nos maus sacerdotes, é errônea” (Idem, p. 275, 277).

“Não existe ofensa, por mais grave que seja, que a Igreja não possa perdoar” (Catecismo da Igreja Católica [Edições Loyola, 2000], nº 982, p. 277).

“Se na Igreja não existisse a remissão dos pecados na Igreja, não existiria nenhuma esperança, nenhuma perspectiva de uma vida eterna e de uma libertação eterna” (Idem, nº 983, p. 278).

Alguns pecados particularmente graves são passíveis de ex-comunhão [...]. Neste caso, a absolvição não pode ser dada, segundo o direito da Igreja, a não ser pelo Papa, pelo Bispo local ou por presbíteros autorizados por eles. Em caso de perigo de morte, qualquer sacerdote, mesmo privado da faculdade de ouvir confissões, pode absolver qualquer pecado e de qualquer ex-comunhão” (Idem, nº 1463, p. 403, 404).

Vemos aqui uma maneira como a questão do santuário se encaixa nesse ataque à autoridade de Deus. No Antigo Testamento, o santuário é o lugar onde os sacerdotes ministram para o perdão dos pecados. O ministério diário do sacerdote no lugar santo do santuário terrestre era um tipo do ministério diário de intercessão de Cristo no santuário celestial (Hb 8:1, 2; 7:25). De fato, no Novo Testamento, Jesus é descrito como o Sumo Sacerdote que entra no santuário celestial com Seu próprio sangue para a obra da redenção (Hb 9:12-22). É a este aspecto do ofício sacerdotal de Cristo que a besta papal se opõe, blasfema e ataca, quando ensina os fiéis a irem, não a Jesus, em busca de perdão de seus pecados, mas aos sacerdotes humanos. Portanto, a blasfêmia contra o santuário de Deus é vista por essa tentativa de usurpar o que pertence somente a Deus.

De acordo com as Sagradas Escrituras, a habitação de Deus é o santuário celestial, onde Cristo ministra em favor da nossa salvação. A besta do mar busca negar a obra mediadora de Cristo, procurando substituí-la por um sacerdócio humano que afirma conferir salvação e perdão dos pecados. Usurpar esses poderes pertencem somente a Deus é a essência da blasfêmia.

Podemos ainda citar a missa católica como uma blasfêmia contra o santuário. De acordo com a teologia católica, a missa é um sacrifício diário. Nesse sentido, o sacrifício da missa, o sacerdote (padre) católico se torna “outro Cristo” no sentido de que sacrifica o Cristo real sobre o altar e o apresenta para a salvação dos fiéis. “O sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia [missa] são um sacrifício único. [...] Nesse sacrifício divino, que é celebrado na missa, o mesmo Cristo que Se ofereceu uma vez de maneira cruenta (com presença de sangue) no altar da cruz é contido e é oferecido de maneira incruenta” (Idem, nº 1.367, p. 381).

Portanto, pela missa e pelo confessionário, a mente dos crentes cristãos é afastada da dependência ininterrupta do ministério de mediação do Salvador Jesus em Seu santuário e, mediante essas elaboradas cerimônias, o nome de Cristo e o Seu ministério são obscurecidos e perdidos de vista.

O completo perdão que Cristo quer dar aos que confiam em Sua livre e perfeita justiça foi usurpado por um sistema que, na realidade, toma o lugar do próprio Cristo. Em vez de confiar diretamente em Cristo e no que Ele fez por nós, os crentes são ensinados a depender de uma Igreja como veículo pelo qual é dispensado tudo o que Cristo nos oferece.

BLASFÊMIA E O DECÁLOGO

Em Apocalipse 11:19, o profeta João descreve uma visão do Céu, em que ele vê que “abriu-se, então, o santuário de Deus, que se acha no céu, e foi vista a arca da sua aliança no seu santuário”.

“Dentro do santo dos santos, no santuário celestial, acha-se guardada sagradamente a lei divina - a lei que foi pronunciada pelo próprio Deus em meio dos trovões do Sinai, e escrita por Seu próprio dedo nas tábuas de pedra. A lei de Deus no santuário celeste é o grande original, de que os preceitos inscritos nas tábuas de pedra, registrados por Moisés no Pentateuco, eram uma transcrição exata. Os que chegaram à compreensão deste ponto importante, foram assim levados a ver o caráter sagrado e imutável da lei divina” (Ellen G. White, O Grande Conflito [CPB, 2006], p 433, 434).

Curiosamente, essa é a única cena do santuário em Apocalipse que menciona “a arca da aliança”. Nesse sentido, seguramente podemos afirmar que a arca da aliança tem algo a ver com o grande conflito conforme revelada em Apocalipse 12-14. E, dos três objetos mantidos na arca da aliança do Antigo Testamento - o maná, a vara de Arão e as tábuas de pedra (Hb 9:4; Dt 10:3-5; 1 Reis 8:9), apenas um é mencionado em Apocalipse 12-14: os Dez Mandamentos (12:17; 14:12). Isso pode significar que o Decálogo é a questão central da controvérsia.  Isso também é indicado pelo fato de que o dragão faz guerra contra o povo remanescente, aqueles que “guardam os mandamentos de Deus” (12:17). Portanto, a blasfêmia contra o tabernáculo e o nome de Deus é também blasfêmia contra os Dez Mandamentos da lei de Deus.

As atividades do dragão, da besta que saiu do mar e da besta que saiu da terra confirmam sua transgressão contra os mandamentos de Deus. Isso inclui, por exemplo, reivindicar adoração para si mesmos (13:4; cf. Êx 20:3); fazer uma estátua ou imagem para ser adorada (13:14, 15; cf. Êx 20:4-6); e blasfemar contra o nome de Deus (13:6; cf. Êx 20:7). Esses são os três primeiros mandamentos. A besta que saiu do mar blasfema contra o tabernáculo de Deus aqui também, porque nele está a arca da aliança, e na arca da aliança está o Decálogo, que revela o caráter do próprio Deus.

BLASFÊMIA E O SÁBADO

O ataque da besta do mar contra o Decálogo também é descrito em Daniel 7 nas obras do chifre pequeno. Daniel 7:25 destaca as atividades do chifre pequeno: (1) para falar contra o Altíssimo, (2) para oprimir os santos do Altíssimo e (3) para mudar os tempos e a lei. Como o alvo da guerra é o Altíssimo, isso certamente se refere também aos "tempos e à lei" do Altíssimo.

Daniel 7:25 refere-se aqui ao esforço do chifre pequeno (a besta do mar de Apocalipse 13) para mudar os tempos relacionados à lei de Deus. “A única parte dos Dez Mandamentos que trata do tempo é o quarto mandamento. Esse poder tentou mudar o dia de adoração do sábado para o domingo. Procurar mudar o dia de adoração, o sábado do sétimo dia, que Deus deu como sinal de sua autoridade (Êx 31:13; Ez 20:12, 20), é uma tentativa de usurpar a autoridade divina no mais básico possível. Nesse ponto está o foco do conflito final sobre a verdadeira e a falsa adoração” (Mark Finley, Lição da escola Sabatina, 2º Trimestre de 2024, ed. de Professor, p. 99).  Sendo assim, a blasfêmia contra o santuário celestial também tem algo a ver com o ataque aos mandamentos de Deus, particularmente o mandamento do sábado.

Ao reivindicar autoridade para mudar a guarda do sábado para o domingo, a Igreja Católica atacou esse mandamento da lei de Deus. “Na edição de 1957 do The Convert’s Cathecism of Catholic Doctrine [Catecismo da Doutrina Católica], de Peter Geiermann, as seguintes perguntas são dirigidas aos conversos do catolicismo:

“P.: Qual é o dia de sábado?

“R.: O sábado é o sétimo dia.

P.: Por que nós observamos o domingo em lugar do sábado?

“R.: Nós observamos o domingo em lugar do sábado porque a Igreja Católica transferiu a solenidade do sábado para o domingo” (Peter Geiermann, The Convert’s Cathecism of Catholic Doctrine [St. Louis, Mo.: B. Herder Boo, Co., 1930], p. 50). Citado em C. Mervyn Maxwell, Uma Nova Era Segundo as Profecias de Daniel [CPB, 2004], p. 134, 135.

Ellen G. White aponta para a instituição do domingo como sinal da autoridade papal; mas, mudando a lei, Roma está fazendo o que Satanás tentou fazer no Céu – provar que a lei de Deus é imperfeita, e o Doador é falível. “Ao gabar-se de seu poder sobre a lei de Deus, ela está expressando os sentimentos do grande enganador. Deus instituiu o sábado como sinal de sua autoridade e poder, e o papado, agindo em nome do príncipe do mal, aponta o domingo como sinal de seu poder e jurisdição” (Signs of the Times, 19 de novembro de 1894). Citado em Lição da Escola Sabatina, 2º Trimestre 2002, ed. de Professor, p. 104.

Este mandamento constitui-se o selo de Deus (Ez 20:12, 20), pois é o único mandamento os elementos vitais do selo. Primeiro, apresenta o Deus verdadeiro, como o único objeto de adoração, ao declarar o Seu nome: “o Senhor (Yahweh), teu Deus”. Segundo, identifica Seu título: “Aquele que fez, o Criador”, o que explica por que Deus merece adoração - Ele é o Criador. Terceiro, destaca o território universal do reino de Deus: o céu, o mar e a terra (Êx 20:10, 11). (Nisto Cremos: As 28 Crenças Fundamentais da Igreja Adventista dos étimo Dia [CPB, 2018], p. 319, 320).

No dia 3 de abril de 1847, Ellen G. White teve uma visão do Santíssimo, no templo do Céu. Assim ela descreve sua visão: 

“Sentíamos um incomum espírito de oração. E ao orarmos o Espírito Santo desceu sobre nós. Estávamos muito felizes. Logo perdi de vista as coisas terrestres e fui arrebatada em visão da glória de Deus. Vi um anjo que voava ligeiro para mim. Rápido levou-me da Terra para a Cidade Santa. Na cidade vi um templo no qual entrei. Passei por uma porta antes de chegar ao primeiro véu. Este véu foi erguido e eu entrei no lugar santo. Ali vi o altar de incenso, o castiçal com sete lâmpadas e a mesa com os pães da proposição. Depois de ter eu contemplado a glória do lugar santo, Jesus levantou o segundo véu e eu passei para o santo dos santos.

“No lugar santíssimo vi uma arca, cujo alto e lados eram do mais puro ouro. Em cada extremidade da arca havia um querubim com suas asas estendidas sobre ela. Tinham os rostos voltados um para o outro, e olhavam para baixo. Entre os anjos estava um incensário de ouro. Sobre a arca, onde estavam os anjos, havia o brilho de excelente glória, como se fora a glória do trono da habitação de Deus. Jesus estava junto à arca, e ao subirem a Ele as orações dos santos, a fumaça do incenso subia, e Ele oferecia suas orações ao Pai com o fumo do incenso. Na arca estava a urna de ouro contendo o maná, a vara de Arão que florescera e as tábuas de pedra que se fechavam como um livro. Jesus abriu-as, e eu vi os Dez Mandamentos nelas escritos com o dedo de Deus. Numa das tábuas havia quatro mandamentos e na outra seis. Os quatro da primeira tábua eram mais brilhantes que os seis da outra. Mas o quarto, o mandamento do sábado, brilhava mais que os outros; pois o sábado foi separado para ser guardado em honra do santo nome de Deus. O santo sábado tinha aparência gloriosa - um halo de glória o circundava. Vi que o mandamento do sábado não fora pregado na cruz. Se tivesse sido, os outros nove mandamentos também o teriam, e estaríamos na liberdade de transgredi-los a todos, bem como o quarto mandamento. Vi que Deus não havia mudado o sábado, pois Ele jamais muda. Mas Roma tinha-o mudado do sétimo para o primeiro dia da semana; pois deveria mudar os tempos e as leis”. (Primeiros Escritos [CPB, 1988], p. 32, 33).

Depois dessa visão da mensageira do Senhor, ficou claro para os pioneiros adventistas que a aceitação da verdade do santuário envolvia o reconhecimento dos requisitos da lei de Deus e a obrigatoriedade da guarda do sábado do quarto mandamento. Após a descoberta do santuário, as visões de Ellen G. White mostraram a dimensão escatológica do conflito que se desenvolveria em torno da questão do verdadeiro sábado no fim do tempo, trazendo o entendimento da mensagem do terceiro anjo de Apocalipse 14:9-13. Até esse momento, o sábado não tinha sido visto sob esse ângulo.

A RESPOSTA DO CÉU À BLASFÊMIA

A proclamação das três mensagens angélicas é a resposta do Céu a essa blasfêmia contra o santuário celestial. As mensagens começam com “o evangelho eterno” (Ap 14:6). O mundo é lembrado das boas novas de Jesus Cristo como o caminho da salvação (At 4:12). Não importa quão grande seja o trono, o poder e a autoridade dados pelo dragão à besta do mar, “a salvação pertence ao nosso Deus, que está assentado no trono, e ao Cordeiro” (Ap 7:10, NVI), e “Àquele que está assentado no trono e ao Cordeiro sejam o louvor, a honra, a glória e o poder para todo o sempre” (5:13, NVI). Nenhum ser humano ou entidade humana pode substituir o poder e a autoridade que pertencem somente a Deus.

O Céu também responde à blasfêmia reafirmando a validade dos mandamentos de Deus: “Aqui está a perseverança dos santos que guardam os mandamentos de Deus” (14:12, NVI). O chamado de Deus é proclamado (v. 7), e a adoração à besta que saiu do mar e à sua imagem é condenada (v. 9-11). Particularmente, o chamado à observância do sábado é enfatizado, indicado na mensagem do primeiro anjo: “Temei a Deus e dai-lhe glória, porque é chegada a hora do seu juízo; adorai aquele que fez o céu, a terra, o mar e as fontes das águas” (v. 7, NVI). A mensagem do primeiro anjo recomenda que as pessoas do mundo adorem a Deus como Criador e faz alusão à fraseologia do quarto mandamento: “Aquele que fez o céu, e a Terra, e o mar, e as fontes das águas” (Êx 20:11). Portanto, a observância do sábado de Deus faz parte da mensagem do primeiro anjo. Somos convidados a adorar o Criador no dia que constitui o monumento comemorativo de Sua obra criadora. Isto também faz parte do evangelho eterno.

“Enquanto o fato de que Ele é o nosso Criador continuar a ser razão por que O devamos adorar, permanecerá o sábado como sinal e memória disto. Tivesse sido o sábado universalmente guardado, os pensamentos e afeições dos homens teriam sido dirigidos ao Criador como objeto de reverência e culto, jamais tendo havido idólatra, ateu, ou incrédulo. A guarda do sábado é um sinal de lealdade para com o verdadeiro Deus, “Aquele que fez o céu, e a Terra, e o mar, e as fontes das águas”. Segue-se que a mensagem que ordena aos homens adorar a Deus e guardar Seus mandamentos, apelará especialmente para que observemos o quarto mandamento” (Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 438).

CONCLUSÃO

Sem dúvida, o livro do Apocalipse abre a cortina e nos oferece um vislumbre do grande conflito enquanto ele se desenrola no céu e na terra. Em Apocalipse, podemos ver que o dragão e seus agentes podem concentrar todos os seus esforços em blasfemar contra Deus e Seu santuário celestial. No entanto, no final, esse ataque será derrotado, o santuário será purificado (Daniel 8:14) e o grande conflito terminará com a vitória de deus sobre o diabo, sobre o mal e o pecado, e sobre o sofrimento e a morte. Essa vitória de deus culminará na segunda vinda de Cristo, no juízo milenar e na restauração de todas as coisas.

Após a destruição do diabo e dos pecadores impenitentes no final do milênio bíblico, Deus restaurará nosso planeta à sua beleza e perfeição original. A nova Terra será o nosso lar. Lá viveremos como originalmente pretendíamos viver antes da queda: sem pecado, dor, morte e sofrimento, cheirando flores, cultivando um jardim, estudando uma folha, brincando com um leão, encontrando redimidos de todas as idades, bem como anjos e outros seres criados, e interagindo com eles. “Ali, mentes imortais contemplarão, com deleite que jamais se fatigará, as maravilhas do poder criador, os mistérios do amor que redime. Ali não haverá nenhum adversário cruel, enganador, para nos tentar ao esquecimento de Deus. Todas as faculdades se desenvolverão, ampliar-se-ão todas as capacidades. A aquisição de conhecimentos não cansará o espírito nem esgotará as energias. Ali os mais grandiosos empreendimentos poderão ser levados avante, alcançadas as mais elevadas aspirações, as mais altas ambições realizadas” (Ellen G. White, O Grande Conflito [CPB, 2006], p. 677). Um ponto ainda mais importante é que desfrutaremos o privilégio da comunhão face a face com Deus e iremos adorá-Lo pessoalmente (Ap 21:1-5).

“O grande conflito terminou. Pecado e pecadores não mais existem. O Universo inteiro está purificado. Uma única palpitação de harmonioso júbilo vibra por toda a vasta criação. DAquele que tudo criou emanam vida, luz e alegria por todos os domínios do espaço infinito. Desde o minúsculo átomo até ao maior dos mundos, todas as coisas, animadas e inanimadas, em sua serena beleza e perfeito gozo, declaram que Deus é amor” (Ellen G. White, p. 678).

Caro amigo leitor, a grande verdade é que todos estamos, realmente, no meio do grande conflito, e a que lado vamos nos unir, ao lado de Satanás, que ataca o santuário, centro de nossa esperança, ou ao lado de Cristo, o Sumo Sacerdote, que intercede diariamente por nós e opera nossa salvação no santuário celestial? No fim, é nossa própria escolha, e de ninguém mais.

 

 

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