O "PASTOR MIRIM”: PRODUTO DE UM SISTEMA RELIGIOSO CORROMPIDO


 Ricardo André

No livro de Atos 16:16-21, encontramos a história de Paulo e Silas na cidade de Filipos, colônia romana. Num certo dia, eles dirigiam-se ao local de oração, onde encontraram uma jovem escrava possuída por um “espírito de adivinhação” denominado pitônico, que trazia muito lucro para seus donos, através de suas habilidades de adivinhação. “A escrava de Filipos alegava ter esses poderes sobrenaturais e os usava para aconselhar as pessoas supersticiosas ao seu redor e para enriquecer seus donos” (Comentário Bíblico Andrews [CPB, 2024], p. 532). O texto bíblico revela nitidamente que ela era explorada por seus senhores, e começou a seguir os dois missionários por vários dias gritando: “Estes homens são servos do Deus Altíssimo e lhes anunciam o caminho da salvação” (At 17:17, NVI). Paulo, fatigado com aquilo e movido pelo Espírito Santo, expulsou o espírito, libertando a jovem do controle maligno. Este ato de Paulo levou os dois missionários à prisão, pois os senhores da escrava haviam perdido sua fonte de lucro.

“O que ela dizia era verdade, mas criava confusão, pois sugeria que os ensinamentos deles estavam de acordo com sua adivinhação. Paulo e seus companheiros teriam sido vistos como meros clarividentes, como ela (Mc 3:11; Lc 4:41). Paulo não queria que seu ministério fosse associado a esse tipo de atividade [...]. Finalmente, ele ordenou ao espírito maligno que a deixasse em nome de Jesus. O exorcismo do espírito demoníaco pôs fim às habilidades de adivinhação da moça e aos ganhos financeiros que ela produzia (At 16:19)” (Idem, p. 533).

Esse episódio nos ensina, entre outras coisas, sobre a importância de discernir a verdade e o engano, bem como a necessidade de se defender dos falsos profetas.

Esse acontecimento da vida dos dois apóstolos me fez pensar no caso de Miguel Oliveira, de 15 anos, chamado de “pastor mirim”, mas que se autodeclara profeta. Ele é membro da Assembleia de Deus Avivamento Profético (Adap). Miguel, que possui mais de 1,3 milhão de seguidores nas redes, tem causado polêmica nas redes sociais ao divulgar vídeos de pregações, em que alega possuir o dom da cura e revelações espirituais, o que o levou a incentivar uma mulher a abandonar as muletas e tentar caminhar durante um culto. Num outro culto, ele rasgou laudos médicos de uma mulher diagnosticada com leucemia e grita: “Eu rasgo o câncer, eu filtro o seu sangue e eu curo a leucemia”. Dias depois, a mulher vai às redes sociais para negar que tenha sido curada do câncer. Ela afirmou taxativamente que continua com a doença, desmentindo Miguel. O conteúdo provocou reações intensas nas redes e fora delas, incluindo ameaças, críticas e denúncias de charlatanismo. Natural de Carapicuíba (SP), Miguel afirma ter nascido surdo e mudo e teria sido curado por um milagre aos 3 anos, sem nunca ter mostrado laudos médicos que comprovem sua alegação. Tais episódios soaram para muitos como uma manipulação, repercutiu nas redes sociais, alimentando a indignação de muitas pessoas.

Como se não bastasse, na internet diversas pessoas têm divulgado denúncias de que Miguel Oliveira estaria cobrando valores que variam de R$ 3 mil a R$ 30 mil para aceitar convites para pregar em outras igrejas. Além disso, fiéis relataram que durante os cultos o pregador solicitava doações via Pix no valor de até R$ 1 mil em troca de bênçãos. “Quero agora quatro pessoas aqui no altar para doar R$ 1 mil. A velocidade com que você vem é a velocidade com que o milagre será realizado”, diz o jovem, causando grande estranhamento entre os membros dessas igrejas.

A repercussão dessas denúncias continua a crescer, trazendo à tona questionamentos sobre a ética e a legalidade das atitudes do jovem pregador, que, ao que parece, busca explorar a fé alheia para obter vantagens financeiras para ele, sua mãe e seu pastor.

Recentemente, o Conselho Tutelar impediu Miguel Oliveira de publicar suas pregações nas redes sociais e de viajar pregando nas igrejas. Caso a família e Miguel Oliveira descumpram a ordem de suspender as pregações, o pastor mirim poderá ser afastado dos pais. Penso que foi uma decisão acertada, porque lugar de crianças e adolescentes é na escola. Ademais, ele precisa viver a adolescência como qualquer adolescente.

O que está por detrás da performance de Miguel Oliveira? Suas práticas têm apoio bíblico?

MIGUEL É VÍTIMA DE UM SISTEMA RELIGIOSO CORROMPIDO

À semelhança da jovem em Filipos, claramente o adolescente está sendo usado, muito provavelmente, pela sua mãe e pelo pastor da sua igreja para manipular a fé alheia. Acredito piamente que Miguel Oliveira é vítima de um sistema religioso corrompido, que transforma a fé em espetáculo, a fim de se obter lucro. Ele é um retrato desta nova era: A fé virou espetáculo, a emoção virou moeda e a juventude virou vitrine nas redes sociais. É preciso que se diga em alto e bom som que o evangelho não é entretenimento. Cristo não nos chamou para fazer espetáculos ou para entreter as pessoas, mas para negar a nós mesmos e a carregar a cruz e pregar as verdades do “evangelho eterno” (Mt 28:18-20; Ap 14:6-12). Definitivamente, o evangelho não é performance. “É o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1:16).

É importante enfatizar que, o que aquela jovem escrava de Filipos dizia parecia verdadeiro, mas não vinha de Deus. Paulo discerniu o engano e agiu com autoridade espiritual, expulsou o demônio dela, libertando-a e protegeu o evangelho. Embora as pregações de Miguel estejam permeadas com o nome de Jesus, suas práticas não são embasadas nas Sagradas Escrituras. Antes, elas representam distorções da Palavra de Deus. Sua obra é um engodo, como mostraremos mais adiante.

A escritora cristã Ellen G. White escreveu extensivamente sobre falso avivamento nos últimos dias promovido pelo movimento pentecostal e neopentecostal, alertando para a necessidade de discernimento e a busca pela verdade. Ela enfatiza que o Espírito Santo é a fonte de um verdadeiro avivamento, que leva à mudança de coração e vida, e que Satanás pode imitar o avivamento para enganar as pessoas. Ela escreveu: “Antes de os juízos finais de Deus caírem sobre a Terra, haverá, entre o povo do Senhor, tal avivamento da primitiva piedade como não fora testemunhado desde os tempos apostólicos. [...] O inimigo das almas deseja estorvar esta obra; e antes que chegue o tempo para tal movimento, esforçar-se-á para impedi-la, introduzindo uma contrafação. Nas igrejas que puder colocar sob seu poder sedutor, fará parecer que a bênção especial de Deus foi derramada; manifestar-se-á o que será considerado como grande interesse religioso. [...] Há um excitamento emotivo, mistura do verdadeiro com o falso, muito apropriado para transviar. Contudo, ninguém necessita ser enganado. À luz da Palavra de Deus não é difícil determinar a natureza destes movimentos. Onde quer que os homens negligenciem o testemunho da Escritura Sagrada, desviando-se das verdades claras que servem para provar a alma e que exigem a renúncia de si mesmo e a do mundo, podemos estar certos de que ali não é outorgada a bênção de Deus” (O Grande Conflito [CPB, 2006], p. 464).

Ellen White esclarece ainda que os falsos reavivamentos são caracterizados pelo envolvimento com o fanatismo religioso, típico do culto carismático adotado por Miguel. “O fanatismo, a exaltação, o falso falar línguas e os cultos ruidosos, têm sido considerados dons postos na igreja por Deus. Alguns têm sido iludidos a esse respeito. Os frutos de tudo isto não têm sido bons. "Pelos seus frutos os conhecereis" [Mt 7:20]. O fanatismo e o ruído têm sido considerados indícios especiais de fé. Algumas pessoas não se satisfazem com uma reunião, a menos que experimentem momentos de poder e de gozo. Esforçam-se por isto, e chegam a uma confusão dos sentimentos. A influência dessas reuniões, porém, não é benéfica. Ao passar o auge do sentimento, essas pessoas imergem mais fundo que antes da reunião, pois sua satisfação não proveio da devida fonte. As mais proveitosas reuniões para o bem espiritual, são as que se caracterizam pela solenidade e o profundo exame do coração, cada um procurando conhecer-se a si mesmo e, com sinceridade e profunda humildade, buscando aprender de Cristo. (Testemunhos Seletos [CPB, 1984], v. 1, p. 161).

Certamente, Miguel foi incentivado pelos seus responsáveis e pelo seu pastor a fazer todas aquelas encenações bizarras, imitando os pastores das grandes igrejas neopentecostais, que se utilizam da religião para obter lucro, explorando a fé alheia, e que enriqueceram-se à custa dos símplices do Evangelho (2 Pe 2:3), a exemplo dos pastores Edir Macedo (fundador da Igreja Universal do Reino de Deus e dono da Rede Record), Valdemiro Santiago (ex-pastor da IURD e fundador da Igreja Mundial da Graça de Deus), Romildo R. Soares (cunhado do Edir Macedo e fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus). Silas Malafaia (fundador da Assembléia de Deus Vitória em Cristo) e Estevam Hernandes (fundador da Igreja Renascer em Cristo). Eles acumularam, com a facilidade, verdadeiras fortunas. E com elas construíram verdadeiros impérios da Comunicação, ao comprarem rádios, jornais e TVs. Há um claro interesse comercial, uma rede de negócios, que envolve meios de comunicação, gravadoras, editoras, shows, viagens turísticas, empreendimentos imobiliários, franquias e muito mais. As “campanhas”, “correntes”, dízimos e ofertas doados pelos fiéis, bem como a vendas de uma infinidade de materiais “sagrados” fazem com que essas igrejas pentecostais sejam negócios altamente lucrativos, e seus líderes, milionários. É a chamada "indústria da fé".

Nos seus cultos, esses pastores falam o tempo todo em dinheiro. Além do dízimo, os fiéis são estimulados a fazerem "propósitos com Deus" e pagam por isso. Levam ao máximo a famigerada Teologia da Prosperidade, criada por evangélicos nos Estados Unidos, no início do século XX. A tão propalada teologia da prosperidade que faz comércio da Santa Palavra de Deus tomou níveis que nunca imaginaríamos serem possíveis. Pregações simplesmente regadas de emocionalismo deturpam os textos bíblicos; falsas profecias e pedidos aterradores de ofertas são tão comuns hoje que, para muitos, essa só pode ser a realidade bíblica, pois é o único tipo de pregação que vários crentes ouvem. De acordo com essa falsa teologia, a relação do crente com Deus é de contrato. Não se espera a salvação com a vinda de Cristo. O que interessa é o aqui e agora. Os fiéis investem agora, dando dinheiro à igreja nesse acordo com Deus, para ter o lucro lá na frente.

Podemos afirmar com segurança que tais obreiros representam os modernos experts “vendilhões do Templo”. Exploraram ostensivamente o desonesto mercado da fé, ocupam cada vez maiores espaços para divulgação de seus negócios, aumentarem o número de fiéis, iludi-los com discursos ocos e faturar cada vez mais, com dízimos, contribuições e sabe-se o quê mais, porque a arrecadação religiosa é uma imensa caixa preta, uma excelente alternativa para insuspeita lavagem de dinheiro. Indubitavelmente, Miguel é produto desse sistema religioso falso e corrompido.

No passado Jesus expulsou os vendilhões e ladrões do Templo, que haviam corrompido a adoração (Mt 21:12, 13). Similarmente, na Sua segunda vinda ele expulsará também os modernos vendilhões do templo que exploram a fé dos fiéis e fazem dos seus templos verdadeiros “balcões de negócios”.  Jesus afirmou: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?’ Então eu lhes direi claramente: ‘Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!’ "(Mt 7:21-23, NVI).

Mas, é preciso que se diga que nem todas as igrejas evangélicas são “balcões de negócios”. Os evangélicos não pentecostais, denominados de históricos, a exemplo dos Adventistas do Sétimo Dia, Batistas, Metodistas e Presbiterianos, e mesmo algumas igreja pentecostais, não adotam essas práticas abomináveis. São sérios, corretos e transparentes na aplicação dos recursos doados pelos seus membros, e que não são usados para o enriquecimento dos pastores.

A BÍBLIA SAGRADA DESAPROVA O COMÉRCIO REVESTIDO DE RELIGIÃO

As Escrituras Sagradas reprovam esse comércio travestido de religião (At 8.17-24). Distorções bíblicas, aberrações teológicas e verdadeiras loucuras são oferecidas em forma de disfarçados amuletos, unções sem fundamento, seminários de grupo fechado e tantas outras invenções para se ganhar dinheiro dos irmãos do despercebido universo religioso. Campanhas de oração, jejum, cultos de cura interior e libertação tocados à base de ofertas com valores estipulados. Qualquer igreja que, por interesses escusos, se presta a essa prática ridícula e baixa, assumindo uma posição de mendicância, contraria os valores do evangelho, que ensina a fazer exatamente o contrário: “Curem os enfermos, ressuscitem os mortos, purifiquem os leprosos, expulsem os demônios. Vocês receberam de graça; deem também de graça” (Mateus 10:8, NVI). “Disse Pedro: "Não tenho prata nem ouro, mas o que tenho, isto lhe dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, ande" (Atos 3:6, NVI).

Jesus não fez propaganda de Suas curas com o intuito de criar uma reputação sensacionalista, nem como pretexto para arrecadar dinheiro; ao invés disso, Ele ordenava aos curados “Olhai que ninguém o saiba” (Mateus 8:1-4, 9:27-31). Atualmente, o que se vê nos cultos realizados por Miguel e nas igrejas neopentecostais é justamente o contrário. Enquanto Jesus pedia para que não falassem aos demais sobre suas curas, os operadores de falsas curas transformam os “testemunhos” em estratégia de marketing religioso. Afinal, a minha igreja cura/liberta/prospera mais do que as outras, então você tem que vir dar seu dízimo aqui porque é aqui que Deus está.

Alguns pregadores da época de Paulo eram “mascates” ou “falsificadores da Palavra de Deus” que pregavam sem compreender a mensagem do Senhor e sem se importar com o que acontecia com os seus ouvintes. Não estavam preocupados em promover o Reino de Deus - queriam apenas dinheiro, e o apóstolo Paulo sempre denunciou aquelas pessoas que estavam pregando a Palavra de Deus visando apenas o enriquecimento. Ele afirmou: “Ao contrário de muitos, não negociamos a Palavra de Deus visando lucro; antes, em Cristo falamos diante de Deus com sinceridade, como homens enviados por Deus” (2 Co 2:17, NVI).

A salvação e as bênçãos de Deus para a humanidade são de graça e por isso não tem custo financeiro. O apóstolo Paulo escrevendo aos cristãos efésios, afirmou: “Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus” (Efésios 2:8, NVI). A experiência da salvação é um dos grandes milagres de Deus oferecido gratuitamente aos homens. O meio para tal bênção é a graça de Deus e a expressão do referido termo transporta duas verdades salientes. Primeiro, a graça Divina quanto à salvação eterna não ocorre por nossos méritos, é fruto do amor de Deus (Ef 2.8; Tt 2.11). Segundo, se tamanho dom não é recebido por merecimento em escala moral e espiritual (Is 64:6), o seu preço está além das possibilidades humanas de pagá-lo. O ônus da grandiosa obra da redenção foi custeado pelo sangue de Cristo e sua eficaz obra expiatória (1 Co 6:20; Hb 9:22).

O problema é que tal verdade tem sido distorcida por falsas mensagens que descaradamente tentam vender as bênçãos da gratuidade Divina. A ganância é um abismo de interesses insaciáveis capaz de transformar a casa de Deus numa corja de ladrões e num antro de aproveitadores (Lc 19:45-48). Fora isso, o oportunismo de consumo do "mundo cristão" tornou-se numa tentação que tem desviado muita gente do caminho céu. O famigerado cristianismo ávido por novidades, carente de Deus e distante das Escrituras está à mercê de experts vendilhões do templo, dos charlatões de plantão e dos enganadores disfarçados de crentes. O objetivo dessa gente é escuso, por detrás da cortina de seus "ministérios ungidos" estão motivos e compromissos materiais que os escravizaram mesmo pregando uma mensagem de liberdade.

Caro amigo leitor, o preço de nossa salvação e das bênçãos celestiais reservadas para nós já foi pago. Louvado seja Deus! A sua salvação, a cura divina, os dons espirituais, a transformação da vida, a restauração da família, a libertação de seus filhos e a vida eterna já estão com valores liquidados pelo grandioso amor de Deus e pela oferta voluntária de Cristo Jesus (Rm 5:8). Não pague mais por aquilo que Deus já te oferece de graça e que está simplesmente ao alcance de sua fé nele! Abaixo as indulgências modernas de um cristianismo corrompido por mundo governado pelo espírito materialista!!!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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