Adolfo
Suárez*
Entenda
por que a crença popular sobre o estado do ser humano na morte é incompatível
com a visão bíblica
O que é a morte? Essa é
uma indagação que todos fazem, mas nem todos sabem responder satisfatoriamente.
O Novo Dicionário Aurélio registra o seguinte no vocábulo “morte”: “1. Ato de
morrer; o fim da vida animal ou vegetal. 2. Termo, fim. 3. Destruição, ruína.”
A definição do
dicionário é clara, mas as crenças de muitas religiões e filosofias são
diversas. Em seu livro Imortalidade ou Ressurreição?, o teólogo Samuele
Bacchiocchi afirma que, historicamente, há dois pontos de vista principais e
antagônicos sobre a natureza humana: o “dualismo clássico” e o “holismo
bíblico”.
A visão dualista afirma
que a natureza humana é composta por um corpo material e mortal mais uma alma
imortal e espiritual. A alma imortal sobrevive à morte do corpo e se reúne a
ele na ressurreição. Essa concepção dualista teve um impacto imenso no
pensamento cristão, afetando a visão da vida humana, do mundo presente, da
redenção e do mundo por vir.
Por outro lado,
pesquisadores e eruditos bíblicos têm examinado os textos da Bíblia e concluído
que a natureza humana não é dualista, e sim claramente holística. Ou seja, não
há contraste entre o corpo e a “alma”. Aliás, a alma não é algo imaterial; ao
contrário, designa a vitalidade ou princípio da vida humana. Não existe uma
“alma” que sai do corpo quando a pessoa morre. O que acontece é a cessação da
vida, quando o pó volta à terra, de onde veio, e o espírito volta a Deus, que o
deu (Ec 12:7).
Segundo Niels-Erik
Andreasen, em seu artigo no Tratado de Teologia, o estudo das palavras referentes
à morte no Antigo Testamento aponta para uma compreensão simples e única: “o
completo término da vida, de suas expressões e funções”. Isso pode ser
verificado neste conhecido texto bíblico: “Porque os vivos sabem que hão de
morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem tampouco terão eles
recompensa, porque a sua memória jaz no esquecimento. Amor, ódio e inveja para
eles já pereceram; para sempre não têm eles parte em coisa alguma do que se faz
debaixo do sol” (Ec 9:5, 6).
Andreasen acrescenta
que, na terminologia do Novo Testamento, “a morte também é caracterizada como o
fim da vida, e como o inimigo de Deus e da humanidade”. Os vocábulos para
“morte” e “morrer” retratam “uma única concepção da morte”: “o término de toda
existência para todo o ser humano”.
De uma perspectiva
funcional, a morte é o contrário da vida que Deus criou: o que a vida é, a
morte não é. E o que é a vida? A Bíblia responde: “Então, formou o Senhor Deus
ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem
passou a ser alma vivente” (Gn 2:7). A partir desse texto, a vida humana pode
ser esquematizada da seguinte forma: pó da terra + fôlego da vida = ser
vivente. A fórmula da vida, como se vê, depende de Deus.
Analisemos brevemente
essa fórmula. O pó da terra indica que a substância material da qual foi feita
a humanidade (em hebraico ’adam) é a própria terra (em hebraico ’damah). Nesse
sentido, a humanidade é caracterizada como sendo mortal e terrena, pois, como
se originou do pó, não possui nenhuma vida inerente, nenhuma vida própria e
nenhuma vida imortal.
Fica evidente no relato
de Gênesis 2:7 que o corpo formado a partir do pó da terra não continha
materiais ou componentes divinos, que lhe permitissem uma vida independente.
Uma vez formado o boneco Adão do pó da terra, Deus lhe acrescentou a
respiração, o que lhe deu vida/ânimo, às vezes chamada de “espírito”.
Esse fôlego de vida,
como ressalta Andreasen no Tratado de Teologia, não era uma substância separada
colocada no boneco sem vida. Foi o poder divino da vida que transformou o pó em
um ser vivo. Ou seja, o sopro de vida “não representa uma segunda entidade,
acrescentada ao corpo como se fosse um ingrediente, capaz de existir
separadamente”. Esse sopro foi “um poder energizante procedente de Deus, que
transformou o corpo terreno em um ser vivo”.
Mortal
x imortal
Por trás da crença na
reencarnação está a ideia da imortalidade: porque o ser humano não morre,
reencarna em outra vida. Podem os cristãos, que acreditam na Bíblia, dar
crédito ao ensinamento da imortalidade humana? Deixemos a própria Escritura
responder a essa pergunta: o ser humano é como a flor, que nasce e logo murcha;
é uma sombra passageira (Jó 14:2); ele não sabe o que lhe acontecerá amanhã,
pois é como a neblina que aparece e logo se dissipa (Tg 4:14); é como uma brisa
passageira (Sl 78:39).
Na obra The Seventh-day
Adventist Encyclopedia, editada por Don Neufeld, é-nos dito que “as Escrituras
em parte alguma descrevem a imortalidade como uma qualidade ou estado que o
homem ou mulher – ou sua ‘alma’ ou ‘espírito’ – possui inerentemente. Os termos
normalmente traduzidos como ‘alma’ e ‘espírito’ […] ocorrem mais de 1.600 vezes
na Bíblia, mas nunca em associação com as palavras ‘imortal’ ou
‘imortalidade’”.
Por outro lado, Deus é
apresentado como eterno e imortal: “Ao Rei eterno, imortal, invisível, Deus
único, honra e glória pelos séculos dos séculos” (1Tm 1:17). “O único que
possui imortalidade, que habita em luz inacessível, a quem homem algum jamais
viu, nem é capaz de ver. A Ele honra e poder eterno” (1Tm 6:16).
Assim, na perspectiva
bíblica, os seres humanos são limitados, mortais e transitórios, enquanto Deus
é infinito, imortal e eterno. Atribuir imortalidade ao ser humano equivale a
dizer que ele é divino, e isso contraria os ensinamentos da Escritura.
O apóstolo Paulo afirma
que tudo foi criado por Deus e para Deus (Cl 1:16). É dele que toda criatura
recebe o fôlego da vida; é por causa dele que “nos movemos, e existimos” (At
17:25, 28). De modo que o ser humano foi criado para viver eternamente, pois
recebeu o sopro de vida de um Deus que é eterno. Não faria sentido pensar que
Deus nos cria para então morrermos.
Nesse sentido, deve
ficar claro que, “quando Deus criou Adão e Eva, concedeu-lhes liberdade de
decisão – a capacidade de escolher”. O homem “poderia obedecer ou deixar de
fazê-lo, e a continuação de sua existência dependeria de contínua obediência
através do poder de Deus. Assim, a sua posse do dom da imortalidade era
condicional” (Nisto Cremos, p. 429, 430).
Por
que morremos
O texto de Gênesis 2:17
é a primeira passagem bíblica que faz referência à morte, numa advertência de
Deus para que Adão e Eva não comessem da árvore do conhecimento do bem e do
mal, porque no dia em que dela comessem morreriam. Esse texto revela que a
morte é consequência direta do pecado (ou punição, como diriam alguns), aspecto
confirmado pelo apóstolo Paulo (Rm 5:12; 6:23) ao ligar a morte à narrativa
sobre Adão.
Como resultado da
desobediência, Adão recebeu logo a sentença que hoje faz parte da realidade de
todos os seres humanos: “Tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3:19). E o que nós
temos que ver com a transgressão de Adão e Eva? Por que nós, cidadãos do século
21, temos que morrer se não estávamos lá no Éden?
Acontece que somos
descendentes deles e acabamos sendo impactados por aquilo que eles fizeram,
assim como nossos descendentes serão impactados por aquilo que nós fizermos.
Sendo que Adão e Eva perderam a imortalidade condicional e não podiam
transmitir para nós aquilo que eles próprios não possuíam, “a morte passou a
todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5:12).
É interessante notar
que em pelo menos duas ocasiões Jesus comparou a morte ao sono. Em certa
ocasião, Ele disse: “Nosso amigo Lázaro adormeceu, mas vou para despertá-lo”
(Jo 11:11). O próprio escritor bíblico esclarece que Jesus “falara com respeito
à morte de Lázaro; mas eles supunham que tivesse falado do repouso do sono” (v.
13).
De fato, o corpo já
estava cheirando mal, pois fazia quatro dias que havia sido sepultado (v. 39).
Em outra circunstância, referindo-se a Talita, filha de Jairo, chefe de uma
sinagoga, Jesus disse: “Por que tanto choro e tanta confusão? A menina não
morreu; ela está dormindo” (Mc 5:39, NTLH). Qual foi a reação das pessoas?
Começaram a rir dele (v. 40), pois sabiam que menina estava morta (v. 35).
Por que a insistência
de Jesus em comparar a morte com o sono? O que Ele está ensinando é que “a
morte não é aniquilação completa; é apenas um estado temporário de
inconsciência enquanto a pessoa aguarda a ressurreição” (Nisto Cremos, p. 431).
O médico Lucas e os
apóstolos Paulo e Pedro também se referiram à morte como um sono. Falando do
mártir Estêvão, Lucas escreveu: “Então, ajoelhando-se, clamou em alta voz:
Senhor, não lhes imputes este pecado! Com estas palavras, adormeceu” (At 7:60).
Paulo escreveu: “Nem todos dormiremos, mas transformados seremos todos, num
momento, num abrir e fechar de olhos, ao ressoar da última trombeta” (1Co
15:51, 52). Pedro, por sua vez, registra: “Nos últimos dias, virão
escarnecedores com os seus escárnios, andando segundo as próprias paixões e
dizendo: Onde está a promessa da sua vinda? Porque, desde que os pais dormiram,
todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação” (2Pe 3:3, 4).
Mas a metáfora do sono
em relação à morte não é exclusiva do Novo Testamento. No Antigo Testamento
também temos exemplos dela. Em Jó 14:10-12 (NVI), lemos: “Mas o homem morre, e
morto permanece; dá o último suspiro e deixa de existir. Assim como a água do
mar evapora e o leito do rio perde as águas e seca, assim o homem se deita e
não se levanta; até quando os céus já não existirem, os homens não acordarão e
não serão despertados do seu sono.” O salmista afirma: “Atenta para mim,
responde-me, Senhor, Deus meu! Ilumina-me os olhos, para que eu não durma o
sono da morte” (Sl 13:3). Daniel (12:2, NVI) registra: “Muitos dos que dormem
no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e
horror eterno.”
Quando a Bíblia compara a morte com o sono, apresenta suas características e sua natureza (Nisto Cremos, p. 432):
As pessoas que dormem
estão inconscientes e nada sabem (Ec 9:5).
No sono, não há
qualquer tipo de plano (Sl 146:4).
O sono impede
atividades, trabalhos e qualquer manifestação emocional (Ec 9:6, 10).
Durante o sono, não há
como louvar a Deus (Sl 115:17).
O sono pressupõe que a
pessoa vai despertar (Jo 5:28, 29).
Onde
estão os mortos
No imaginário popular é
comum as pessoas pensarem que há um mundo dos mortos. Era assim na mitologia
grega, que influenciou fortemente a cultura ocidental. Além disso, as pessoas
falam no inferno com tal naturalidade que parece realmente haver um lugar como
esse. “A visão tradicional do inferno tem dominado o pensamento cristão desde o
tempo de Agostinho até o século 19”, afirma o Dr. Samuele Bacchiocchi no livro
mencionado.
O teólogo ressalta
ainda que a análise do uso da palavra sheol no Antigo Testamento e de hades no
Novo Testamento (normalmente traduzidas como “inferno”) “mostra que ambos os
termos denotam a sepultura ou o reino dos mortos, e não o lugar de punição para
os ímpios. Não há felicidade ou punição imediatamente após a morte, mas um
descanso inconsciente até a manhã da ressurreição”.
Entretanto, se a Bíblia
não fala em “inferno”, de onde vem a compreensão de hades e sheol como lugar de
tormento eterno? Bacchiocchi explica que “a noção de hades como o lugar de
tormento para os ímpios deriva da mitologia grega, e não da Escritura. Na
mitologia, hades era o submundo onde as almas conscientes dos mortos eram
divididas em duas regiões principais, sendo um lugar de tormento e outro de
bem-aventurança. Essa concepção grega de hades influenciou alguns judeus
durante o período intertestamentário a adotar a crença de que imediatamente
após a morte as almas dos justos prosseguiam à felicidade celeste, enquanto as
almas dos ímpios iam a um lugar de tormento, no inferno”.
Certeza
da ressurreição
Para encerrar, nada
melhor que pensar no contraponto da morte: a ressurreição. Crer na ressurreição
não é uma “aposta cega”. Tem fundamento e credibilidade a partir da experiência
do Senhor Jesus Cristo. Conforme mostra William Craig, autor de Em Guarda:
Defenda a Fé Cristã com Razão e Precisão, a síntese da coerência e
credibilidade da ressurreição de Cristo é a essência da ressurreição dos
justos.
Os relatos de Marcos
15:37–16:7, Atos 13:28-31 e 1 Coríntios 15:3-5, por exemplo, reafirmam os
mesmos fatos: Cristo morreu, foi sepultado, ressuscitou e apareceu. De acordo
com Craig, o ensino bíblico sobre o assunto pode ser resumido em três frases:
(1) o sepulcro estava vazio, (2) Jesus apareceu após sua morte, (3) a convicção
dos discípulos era correta, pois eles não colocariam sua vida em risco por uma
mentira. Enfim, não precisamos ficar com dúvidas: Cristo ressuscitou e, por seu
poder, quem permanecer firme com Ele, ainda que morra, viverá para sempre.
A pessoa que crê nas
verdades ensinadas pela Bíblia sobre a natureza do ser humano, o estado dele na
morte, a ressurreição e a promessa da eternidade não fica no escuro e tem uma
esperança firme. A morte traz sofrimento e dor para todos, mas o cristão não se
desespera. Sua esperança está em Jesus, a fonte da vida eterna.
FONTE:
Artigo publicado originalmente na edição de novembro de 2016 da Revista
Adventista
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