A LEI DOMINICAL NA PROFECIA
Instituto de Pesquisa Bíblica adventista responde perguntas sobre a “marca da besta” e os eventos finais
A atual pandemia parece
ter despertado a atenção de muitas pessoas para as profecias bíblicas. Algumas
têm manifestado um interesse sincero em conhecer mais a respeito dos sinais que
precederão a segunda vinda de Cristo. Ao mesmo tempo, percebe-se que outras têm
feito releituras da escatologia bíblica a partir de perspectivas que tendem a
suprimir/relativizar os elementos preditivos das profecias e a condicioná-las
historicamente.
No contexto adventista,
por exemplo, alguns têm enxergado a promulgação de um futuro “decreto
dominical” em âmbito global como uma possibilidade remota ou algo impossível de
acontecer. Assim, a tradicional interpretação adventista da imposição da
observância do domingo não se encaixa nessa visão.
Foi para esclarecer
essa e outras questões relacionadas ao cenário profético apresentado na Bíblia
e nos escritos de Ellen White que o Instituto de Pesquisa Bíblica (BRI, na
sigla em inglês), órgão ligado à sede mundial da denominação, preparou o
documento intitulado “Answers to Questions on the Mark of the Beast and End
Time Events”, publicado em 25 de junho. A seguir, disponibilizamos uma versão
traduzida para o português.
RESPOSTAS
A PERGUNTAS SOBRE A MARCA DA BESTA E OS EVENTOS FINAIS
Têm chegado perguntas
ao Instituto de Pesquisa Bíblica acerca da posição da Igreja Adventista do
Sétimo Dia quanto à relação entre a marca da besta e a guarda do domingo, bem
como a respeito da condicionalidade da profecia e dos escritos de Ellen G.
White sobre o tempo do fim. As seguintes perguntas resumem as principais
preocupações que foram trazidas à nossa atenção e respondidas aqui de maneira
resumida.
1.
Visto que nem o sábado nem o domingo são especificamente mencionados no livro
do Apocalipse, como pode a marca da besta envolver um dia de adoração ou uma
lei exigindo a guarda do domingo?
A marca da besta é
mencionada sete vezes no Apocalipse (13:16, 17; 14:9, 11; 16:2; 19:20; 20:4).
Quatro dessas menções aparecem no centro do livro (Ap 12-14), que é introduzida
por uma visão da arca da aliança contendo os Dez Mandamentos (Ap 11:19). O povo
remanescente de Deus é identificado como os que “guardam os mandamentos de Deus
e têm o testemunho de Jesus” (Ap 12:17). Imediatamente depois isso, João
descreve duas bestas que perseguem a igreja de Deus: (1) uma que “emerge do
mar” (Ap 13:1) e (2) outra que “emerge da terra” (Ap 13:11). A primeira besta
ordena uma falsa adoração e sua atividade de perseguição se assemelha à do
“chifre pequeno” de Daniel 7, que cuidaria “em mudar os tempos e a lei” (v. 25)
e perseguiria o povo de Deus por 1.260 dias/anos (Ap 13:4, 8).
A conexão com a
profecia de Daniel mostra que a falsa adoração envolve uma tentativa de mudar
os “tempos” de Deus e Sua lei dos Dez Mandamentos. O único mandamento dos dez
que lida com tempo é o quarto — o mandamento para santificar o sábado do sétimo
dia. Historicamente, a tentativa de mudar o dia de adoração foi perpetrada pela
igreja romana, que reverencia o domingo como dia de descanso, em vez do sábado,
o dia de descanso bíblico.
O fato de a segunda
besta em Apocalipse 13, representando o protestantismo apostatado, exercer a
mesma autoridade da primeira besta (Ap 13:12) e cooperar com ela para impor a
falsa adoração mostra que o domingo será uma marca distintiva importante dos
que adoram a besta e sua imagem, em contraste com o povo remanescente de Deus
que guarda “os mandamentos de Deus e a fé de Jesus” (Ap 14:12). Sua obediência
inclui a santificação do sétimo dia porque eles dão ouvidos ao chamado para “adorar
aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas” (Ap 14:7; ver
Êx 20:11). Eles recebem o selo de Deus (Ap 7:4; 14:1), enquanto os que rejeitam
esse chamado e reverenciam o domingo, a marca da autoridade da besta, são
descritos como parte de Babilônia e recebem a marca da besta (Ap 14:8-11). A
prova final, portanto, tem a ver com a verdadeira ou a falsa adoração embasada
na obediência à lei de Deus, o que inclui o sábado e o dia de adoração
inventado pelo homem, o domingo.
2.
Qual é o número da besta e como isso se relaciona à marca da besta?
Na Bíblia, o número da
besta é mencionado em Apocalipse 13:17, 18: “Para que ninguém possa comprar nem
vender, senão aquele que tem a marca, o nome da besta ou o número do seu nome.
Aqui está a sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da besta,
pois é número de homem [anthropou = de um ser humano]: Ora, esse número é
seiscentos e sessenta e seis”.
A Igreja Adventista do
Sétimo Dia não tem uma posição oficial sobre essa questão, mas há dois pontos
de vista principais em nosso meio acerca do número da besta (666), em
Apocalipse 13:17, 18. Alguns o interpretam como uma referência crítica ao
título papal Vicarius Filii Dei, embora não nos seja dito que “666” seja o
somatório do valor numérico das letras em tal designação.
Outros veem o “6”
triplo como indicativo de uma trindade satânica. Eles ressaltam que a expressão
“é número de homem” (Ap 13:18) pode ser traduzida como “é número da
humanidade”, ou seja, de seres humanos separados de Deus. Esse número (seis
usado três vezes) simbolizaria, portanto, uma rebelião intensa e independência
total de Deus. No entanto, o texto grego é literalmente 600 + 60 + 6, e não
três 6 ou um 6 triplo. Ao reconhecer isso, muitos adventistas do sétimo dia continuam
a associar o número da besta com o título papal Vicarius Filii Dei, tendo
pesquisas recentes proporcionado boas evidências históricas para vincular o
“666” com esse título. Seja como for, há muitas evidências do texto e da
história para identificar a primeira besta de Apocalipse 13 com o papado,
independentemente de como o “666” seja compreendido.
3.
Na Bíblia, há profecias condicionais e incondicionais. Como os escritos de
Ellen G. White poderiam ser compreendidos à luz desse fato? A interpretação
pode ser condicional se a profecia apocalíptica é incondicional?
As profecias clássicas
do Antigo Testamento se concentram primariamente no próprio tempo e contexto
histórico do profeta, embora também possam incluir uma perspectiva cósmica,
mais ampla, que atinge até o “dia do Senhor” no tempo do fim (ver, por exemplo,
Is 2:12; 13:9; Jo 2:21). As profecias clássicas dadas no contexto da aliança de
Deus com Israel continham elementos condicionais, cujo cumprimento dependia da
resposta de Israel (ver Dt 28). Semelhantemente aos profetas canônicos, os
testemunhos de Ellen G. White acerca de pessoas e instituições podem ter apenas
uma aplicação local, condicional, visto que seu cumprimento geralmente dependia
da resposta ou decisão dos envolvidos. No entanto, como nas Escrituras, os
princípios subjacentes são de aplicação contínua.
Por outro lado, as
descrições feitas por Ellen White sobre o tempo do fim devem ser compreendidas
no contexto escatológico da profecia apocalíptica bíblica, bem como em visões
que ela mesma recebeu de Deus. Essas mensagens proféticas interpretam a
profecia apocalíptica, que é, por sua própria natureza, incondicional e se
concentra na resolução do grande conflito. Considerando que as mensagens
proféticas de Ellen G. White refletem o contexto do tempo do fim, e não o
contexto local da época em que foram escritas, elas devem ser compreendidas
como profecias incondicionais, ou seja, como as profecias apocalípticas de
Daniel e Apocalipse que dão sustentação ao seu panorama profético.
4.
Os pontos de vista de Ellen G. White sobre o papado e o protestantismo, em
conexão com a marca da besta, mudaram com o passar dos anos?
Não há mudança real nos
pontos de vista de Ellen G. White sobre o papado e o protestantismo, nem a
respeito da imposição da marca da besta. A fim de compreender suas últimas
declarações, é útil considerar seus primeiros escritos sobre o tema. A primeira
declaração de Ellen G. White a respeito do catolicismo e do protestantismo como
poderes perseguidores data de 1850 e se baseia em Apocalipse 13 e 17, capítulos
nos quais o papado é descrito como “a mãe das meretrizes” e os protestantes,
como “suas filhas”, assim como “a besta de dois chifres”.
Várias fases da
perseguição são descritas: (1) o “dia” do papado refere-se aos 1.260 anos de
supremacia papal e perseguição ao povo de Deus; (2) os protestantes, em
harmonia com o que diz a segunda mensagem angélica (Ap 14:8), também começariam
a persegui-los. O fato de Ellen G. White não considerar encerrada a obra de
perseguição do papado está claro nos parágrafos subsequentes, que indicam fases
adicionais de perseguição; (3) igrejas protestantes, juntamente com a Igreja
Católica, viriam contra os que “guardam o sábado e desconsideram o domingo”; e
(4) a Igreja Católica emprestaria sua influência aos protestantes nos Estados
Unidos para destruir o povo de Deus (Ellen G. White, Ms 15, 1850, parágrafos
5-7). Assim, de acordo com Ellen White, católicos e protestantes farão uma
aliança durante um período considerável de tempo para perseguir o povo de Deus.
A próxima declaração
importante, publicada em 1884, discorre sobre essa fala inicial de 1850 e
mostra que a mensagem do segundo anjo sobre a queda de Babilônia se refere
especificamente ao protestantismo apóstata: “A palavra de Deus ensina que essas
cenas [de perseguição durante o período de supremacia papal] devem se repetir à
medida que católicos e protestantes se unirem para a exaltação do domingo”
(Ellen G. White, The Spirit of Prophecy, v. 4, p. 233, 396).
Em suma, a posição de
Ellen G. White sobre o papado e a promoção da santidade do domingo permanece
consistente. Declarações posteriores, incluindo as que foram publicadas nas
diversas edições de O Grande Conflito, são um aprimoramento de sua declaração
inicial, não uma mudança de posicionamento. Por exemplo, em 1900, ela escreveu:
“Quando vier a prova, será mostrado claramente o que é a marca da besta. Ela é
a observância do domingo” (Ellen G. White, Eventos Finais, p. 224).
5.
Os adventistas do Sétimo Dia continuam sustentando o cenário do tempo do fim
encontrado nos escritos de Ellen G. White?
Em harmonia com a
referência ao testemunho de Jesus em operação no final da história mundial (Ap
12:17), os adventistas reconhecem Ellen G. White como mensageira do Senhor e
continuam sustentando que seus escritos foram dados à igreja remanescente como
um guia inspirado para estes últimos dias, sendo especialmente úteis na compreensão
das profecias da Bíblia acerca dos eventos finais. Conforme demonstram as
respostas a essas perguntas, cremos que suas interpretações proféticas são
sólidas e permanecem relevantes e instrutivas para a igreja.
6.
A interpretação adventista de Apocalipse 13 é anticatólica?
Ellen G. White
reconhece que os filhos de Deus estão presentes em todas as denominações,
incluindo a Igreja Católica Romana. Ela declara: “Não devemos criar
desnecessariamente um preconceito em seu espírito [isto é, na mente dos
católicos] com o fazer-lhes um ataque. […] Pelo que Deus me tem mostrado,
grande número será salvo dentre os católicos” (Manuscrito 14, 1887, parágrafo
4). Em outra de suas obras, a pioneira acrescenta: “Entre eles [os católicos]
existem muitos que são cristãos conscienciosos, que vivem segundo a luz que
lhes é proporcionada, e Deus atuará em seu favor” (Testemunhos Para a Igreja,
v. 9, p. 243). Essas declarações deixam claro que Ellen G. White não era, de
forma alguma, anticatólica. Dito isso, vale salientar que ela permanecia
alinhada com a Reforma. A pioneira via o sistema doutrinário católico,
incluindo a missa e os outros sacramentos, como inconsistentes com a fé em
Cristo e com o princípio da Sola Scriptura. Além disso, ela entendia que a
estrutura de autoridade da Igreja Católica Romana está em oposição direta à
Bíblia e sua autoridade. Sua compreensão de Apocalipse 13 é consistente com a
teologia adventista e com a interpretação historicista de outras profecias
apocalípticas em Daniel e Apocalipse.
7.
Alguns têm conjecturado que a Bíblia e Ellen G. White não proporcionam
sustentação à compreensão de que a adoração no sábado versus domingo será uma
questão importante no tempo do fim. Há evidências recentes que sustentem a
interpretação tradicional adventista?
Em primeiro lugar,
devemos ser muito cuidadosos ao lidar com profecias bíblicas não cumpridas e
resistir à tentação de interpretar as Escrituras pelas lentes das últimas
manchetes dos jornais. Devemos seguir princípios sólidos de interpretação bíblica
e dar a devida atenção ao texto bíblico (ver Frank M. Hasel, ed., Biblical
Hermeneutics: An Adventist Approach [Silver Spring, MD: Biblical Research
Institute e Review and Herald Academic, 2020]). A ideia de que declarações de
Ellen G. White sobre a Igreja Católica Romana não refletem a realidade
pós-Concílio Vaticano II, que foram condicionadas pelas circunstâncias de seu
tempo e não se aplicam à nossa situação presente demanda uma análise mais
detalhada.
Embora o Concílio
Vaticano II tenha levado a uma maior abertura por parte da Igreja Romana para
com outros grupos religiosos, não houve mudança doutrinária substancial,
inclusive acerca de sua posição sobre o domingo como dia de adoração. De fato,
a interpretação adventista das profecias de Daniel e Apocalipse e as
declarações de Ellen G. White a esse respeito parecem cada vez mais plausíveis.
Por exemplo, na seção 67 de sua Carta ApostólicaDies Domini, o papa João Paulo
II declarou que “é natural que os cristãos se esforcem para que, também nas circunstâncias
específicas do nosso tempo, a legislação civil tenha em conta o seu dever de
santificar o domingo” e enfatizou que eles “têm a obrigação de consciência de
organizar o descanso dominical de forma que lhes seja possível participar na
Eucaristia, abstendo-se dos trabalhos e negócios incompatíveis com a
santificação do dia do Senhor”.
Mais recentemente, o
papa Francisco fez o seguinte apelo em sua Encíclica Laudato Si (seção 13): “O
urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir
toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral,
pois sabemos que as coisas podem mudar”. Esse desenvolvimento, de acordo com o
papa Francisco, inclui a restauração da vida espiritual, tendo em seu cerne a
Eucaristia e o domingo como dia universal para o descanso, bem como para
experimentar essa restauração.
A importância da
adoração no domingo e a obrigação de participar da missa aos domingos também
são enfatizadas no catecismo católico mais recente: “Todo cristão deve evitar
impor a outrem, sem necessidade, o que possa impedi-lo de guardar o Dia do
Senhor. […] Não obstante as pressões de ordem econômica, os poderes públicos se
preocuparão em assegurar aos cidadãos um tempo destinado ao repouso e ao culto
divino. Os patrões têm obrigação análoga para com os seus empregados”
(Catechism of the Catholic Church, 1994, seção 2187; ver também as seções 2176,
2177, 2182 e 2184; disponível em português aqui).
O papel unificador do
domingo também é reconhecido por líderes ortodoxos. Numa edição de 2015 da
Sunday Magazine, o teólogo e líder ortodoxo Demetrios Tonias considerou o
“domingo como marca da unidade cristã”. Portanto, não é surpresa que alguns
políticos impulsionem essas ideias e até mesmo preconizem uma frequência obrigatória
na igreja aos domingos e leis dominicais mais estritas, não apenas dos Estados
Unidos. A forte Aliança Europeia pelo Domingo (European Sunday Alliance) está
exigindo leis dominicais mais rígidas nos países da União Europeia. Embora
esses desdobramentos sejam sinais dos tempos e mereçam nossa devida atenção,
podem não ser o cumprimento final do cenário do tempo do fim que é apresentado
nas Escrituras e nos escritos de Ellen White. Contudo, certamente proporcionam
uma estrutura na qual essas coisas podem plausivelmente ocorrer em um período
de tempo relativamente curto.
Conclusão
Como adventistas do
sétimo dia, nossa missão é pregar o evangelho eterno ao mundo, que está
centrado no sacrifício de uma vez por todas de Cristo na cruz, o dom gratuito
de Sua justiça e Seu ministério de intercessão e juízo no santuário celestial.
Nossa tarefa especial no tempo do fim se concentra na proclamação das três
mensagens angélicas, a fim de preparar um povo para Seu breve retorno. Nossa
compreensão profética dos eventos finais é essencial a essas mensagens.
Embora não devamos nos
envolver em especulações que nos distraiam dessa missão, os eventos finais
realmente tendem a confirmar nossa compreensão. Estamos convencidos de que as
mensagens proféticas de Deus, conforme reveladas na Bíblia e nos escritos de
Ellen G. White, são corretas e proporcionam um cenário cada vez mais plausível
à medida que nos aproximamos dos eventos finais que foram divinamente
revelados, mesmo se não pudermos determinar precisamente quão breve esses
eventos se darão.
Nosso foco deve
permanecer na missão da igreja, fortalecendo a família, envolvendo-nos em
evangelismo e refletindo Jesus em nossa vida. À medida que as condições do
mundo avançam e continuamos a estudar as profecias da Bíblia em busca de
orientação, especialmente os livros de Daniel e Apocalipse, nossa compreensão
dos eventos finais se tornará mais clara. Os escritos de Ellen G. White também
são um recurso importante que lançam luz sobre essas profecias.
INSTITUTO
DE PESQUISA BÍBLICA, órgão vinculado à sede mundial da
Igreja Adventista, nos Estados Unidos (com tradução de Hander Heim)
FONTE:
Site
Revista Adventista
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