DESMOND FORD – UMA ESTRELA FULGURANTE NO ADVENTISMO QUE FOI OFUSCADA

Ricardo André

Na primeira metade do ano de 1984, tornei-me Adventista do Sétimo Dia, depois de participar de uma série de estudos bíblicos, num Evangelismo Público, realizado pela Igreja Adventista da Cidade do Cabo de Santo Agostinho/PE. Convencido de que os ensinos e crenças adventistas estavam em perfeita harmonia com as Sagradas Escrituras, decidi me batizar no dia 17 de agosto de 1985. Era ainda uma criança com apenas 12 anos de idade, mas com uma firme convicção de que estava tomando a melhor decisão da minha vida, e de que Cristo estava conduzindo minha decisão.

Devo admitir que, em minha experiência de conversão ainda na tenra idade, algo que me chamou atenção na mensagem adventista foi o fato de fazer sentido em um mundo confuso. Aos 13 anos de idade, ao folhear a Bíblia do irmão Djair, que estava sentado ao meu lado na igreja, num sábado, notei que Daniel 8:14 estava marcado com tinta amarela. Ao lê-lo não entendi nada do conteúdo do versículo. Mas, senti que era importante porque o irmão, a quem admirava tinha marcado em sua Bíblia. Saí da igreja com aquele texto em minha mente. Quando cheguei em casa, embora não entendendo o significado do texto, com um marca-texto marquei-o na minha Bíblia também. A partir daquele dia passei a pesquisar com afinco sobre Daniel 8:14. Depois de meses de estudos, descobri uma das mais belas doutrinas da fé cristã. Descobri que a lógica e a coerência desse ensino era muito atraente, e pude compreender melhor o plano de Deus para me salvar e salvar a humanidade pecadora. Foi essa doutrina que me fez acreditar que a Igreja Adventista do Sétimo Dia é um movimento profético suscitado por Deus para anunciar ao mundo esse ensino e outros que gravitam em torno dele antes da colheita da Terra (Ap 14:14-20). As crenças adventistas, notadamente a do santuário, não só faziam sentido, como também se sustentavam em um conjunto coerente – um conjunto de esperança em um Deus de amor que porá fim à longa e triste história do pecado de maneira harmônica com Seu caráter. A crença do santuário é um tema que mais aprecio ensinar nos estudos bíblicos com outras pessoas.

A doutrina bíblica do santuário é um ensino basilar da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Foi a interpretação e compreensão da profecia de Daniel 8:14 que deu origem a igreja e explica sua existência como uma entidade distinta dentro do Cristianismo. Desde o seu surgimento em meados do século XIX, os adventistas têm ensinado, com base em evidências nas Sagradas Escrituras, que existe um Santuário real no Céu (Ap 11:19). Esse santuário não é o próprio Céu, mas está no Céu, e foi o modelo dado por Deus a Moisés para a edificação do santuário terrestre (Êx 25:8, 9, 40; Hb 8:5). O santuário terrestre – realidade visível – apontava para o celestial, realidade invisível (Hb 8:9-5; 9:9, 23, 24). Os serviços diários e anual dos sacerdotes e sumos sacerdotes, respectivamente, no Lugar Santo e no Santíssimo do santuário terrestre prefiguravam o ministério sumo sacerdotal de Cristo em duas fases no Santuário Celestial. Ele realizou a expiação completa e perfeita através de Sua morte na cruz, e ao ascender ao Céu, Cristo entrou no Lugar Santo do santuário celestial para ministrar em favor de todo pecador, oferecendo os benefícios de sua morte expiatória a todo pecador penitente, que se entrega a Ele (Hb 7:25; 8:1, 2).

Sobre isso, Ellen G. White afirma nitidamente que Jesus entrou no santuário celestial “com o Seu próprio sangue, a fim de derramar sobre os discípulos os benefícios de Sua expiação”.1 No sistema sacrifical do Antigo Testamento, a contaminação do santuário ocorria pela confissão do pecador penitente, cujo pecado era simbolicamente transferido para o animal sacrificado e, através de seu sangue, para o santuário levado pelo sacerdote em sua ministração. Similarmente, hoje “pela fé, os pecados confessados dos que se arrependem são colocados sobre Jesus e transferidos para o santuário celestial”.2 Ao término do grande período profético dos 2 300 dias/anos de Daniel 8:14, em 22 de outubro de 1844 (457 a. C.–1844), Cristo entrou no segundo compartimento do santuário celestial, o Lugar Santo dos Santos ou santíssimo, a fim de iniciar sua segunda e última fase de seu ministério expiatório: o processo de purificação do santuário, contaminado pelos registros dos pecados do Seu povo. Tal processo corresponde ao juízo investigativo, prefigurado pelo ritual de purificação do santuário terrestre do Dia da Expiação, que ocorria sempre no 10º dia do 7º mês do calendário judaico (Lv 16).

Esse segundo aspecto ou fase da obra expiatória de Cristo “é a consumação de Sua obra de vindicação e juízo, uma purificação do Universo do pecado, dos pecadores e de Satanás. Deus em Cristo assume a responsabilidade pelo pecados de Seu povo. Cada pecado confessado que se encontra nos registros celestes é creditado ao Filho de Deus. Mas esse processo deve ter uma conclusão, do contrário, o problema do pecado nunca seria completamente resolvido. Em algum momento os registros devem ser fechados. Isso envolve uma obra de investigação e juízo, que resultar na vindicação do povo de Deus. Os nomes dos falsos crentes são retirados do Livro da Vida. A justificação dos crentes verdadeiros é ratificada, os nomes deles são conservados no celeste Livro da Vida, e seus pecados apagados dos registros. Deus é vindicado quando mostra ao Universo que Suas decisões judiciais são justas, que o pecado e a santidade, poder e graça de Deus só é possível por meio do Cordeiro, que derrota o dragão definitivamente, destruindo-o do Universo de Deus”.3 Portanto, o dia antitípico da expiação compreende um período de tempo que vai desde “1844 até o fim do milênio, a consumação da história de salvação”.4

Esse juízo, que precede o segundo advento de Jesus, e foi visto pelo profeta Daniel na visão do capítulo 7 (versos 9 e 10). O profeta João viu um movimento de alcance mundial anunciando esse juízo por ocasião de seu início (Ap 14:6, e 7). “A terminação do ministério de Cristo assinalará o fim do tempo da graça para os seres humanos, antes do segundo advento”.5

Essa é a visão tradicional da Igreja Adventista acerca do santuário, e compreende uma de suas crenças distintivas, pois não é compartilhada por nenhum outro grupo cristão. Não obstante ser um ensinamento exclusivo da Igreja Adventista e praticamente a única doutrina que não temos em comum com nenhum outro grupo religioso, a verdade sobre o santuário não pode ser vista como um ensinamento estranho, desvirtuado e indefensável; tampouco uma invenção para se sair bem de uma dificuldade histórica que os primeiros adventistas tiveram com a profecia dos 2.300 dias de Daniel 8:14, como querem alguns. Em vez de ser um desvio da fé cristã histórica, o ensino do santuário permeia toda a Bíblia Sagrada, é a conclusão lógica e a inevitável consumação dessa fé. É uma verdade presente, uma verdade para os últimos dias; mensagem oportuna, confiada a igreja remanescente.

A doutrina do santuário é de tamanha relevância para a nossa compreensão do plano de Deus para salvar a raça caída, bem como para a compreensão da nossa origem como um povo, que Ellen G. White dedicou um capítulo inteiro de O Grande Conflito, intitulado “O Santuário Celestial, Centro de Nossa Esperança” (cap. 23) à defesa dela. Em 1906, ela escreveu: “a compreensão correta do ministério do santuário celestial constitui o alicerce de nossa fé”.6 Ora, se a doutrina do santuário constitui-se no alicerce da nossa fé, pressupõe-se que se se retira essa doutrina do arcabouço de crenças da igreja, ela fatalmente perde sua identidade como a Igreja Remanescente da profecia bíblica, e consequentemente sua razão de existir, pois cremos que surgimos na hora da profecia bíblica para anunciar essa e outras verdades que giram em torno dela (Ap 10; 14:6-12), no contexto das três mensagens de Apocalipse 14, verdade presente de Deus para as últimas gerações da Terra.

Importante destacar que o entendimento da doutrina do santuário nos primórdios do adventismo foi, indubitavelmente, a chave que esclareceu o mistério do desapontamento de 1844, vivenciado pelos primeiros adventistas, e lançou luz sobre pontos básicos de nossa fé e verdades essenciais da Bíblia. Em outras palavras, o santuário “revelou um conjunto completo de verdades ligadas harmoniosamente entre si”7, a exemplo da distinção de leis, lei de Deus, sábado, expiação, mediação, justificação, santificação, segunda vinda de Cristo, recompensa dos justos e dos ímpios e completa destruição do mal.

No dia 3 de abril de 1847, Ellen G. White teve uma visão do Santíssimo, no templo do Céu. Assim ela descreve sua visão: “Sentíamos um incomum espírito de oração. E ao orarmos o Espírito Santo desceu sobre nós. Estávamos muito felizes. Logo perdi de vista as coisas terrestres e fui arrebatada em visão da glória de Deus. Vi um anjo que voava ligeiro para mim. Rápido levou-me da Terra para a Cidade Santa. Na cidade vi um templo no qual entrei. Passei por uma porta antes de chegar ao primeiro véu. Este véu foi erguido e eu entrei no lugar santo. Ali vi o altar de incenso, o castiçal com sete lâmpadas e a mesa com os pães da proposição. Depois de ter eu contemplado a glória do lugar santo, Jesus levantou o segundo véu e eu passei para o santo dos santos.

“No lugar santíssimo vi uma arca, cujo alto e lados eram do mais puro ouro. Em cada extremidade da arca havia um querubim com suas asas estendidas sobre ela. Tinham os rostos voltados um para o outro, e olhavam para baixo. Entre os anjos estava um incensário de ouro. Sobre a arca, onde estavam os anjos, havia o brilho de excelente glória, como se fora a glória do trono da habitação de Deus. Jesus estava junto à arca, e ao subirem a Ele as orações dos santos, a fumaça do incenso subia, e Ele oferecia suas orações ao Pai com o fumo do incenso. Na arca estava a urna de ouro contendo o maná, a vara de Arão que florescera e as tábuas de pedra que se fechavam como um livro. Jesus abriu-as, e eu vi os Dez Mandamentos nelas escritos com o dedo de Deus. Numa das tábuas havia quatro mandamentos e na outra seis. Os quatro da primeira tábua eram mais brilhantes que os seis da outra. Mas o quarto, o mandamento do sábado, brilhava mais que os outros; pois o sábado foi separado para ser guardado em honra do santo nome de Deus. O santo sábado tinha aparência gloriosa - um halo de glória o circundava. Vi que o mandamento do sábado não fora pregado na cruz. Se tivesse sido, os outros nove mandamentos também o teriam, e estaríamos na liberdade de transgredi-los a todos, bem como o quarto mandamento. Vi que Deus não havia mudado o sábado, pois Ele jamais muda. Mas Roma tinha-o mudado do sétimo para o primeiro dia da semana; pois deveria mudar os tempos e as leis”.8

Depois dessa visão da mensageira do Senhor, ficou claro para os pioneiros adventistas que a aceitação da verdade do santuário envolvia o reconhecimento dos requisitos da lei de Deus e a obrigatoriedade da guarda do sábado do quarto mandamento.

Após a descoberta do santuário, as visões de Ellen G. White mostraram a dimensão escatológica do conflito que se desenvolveria em torno da questão do verdadeiro sábado, trazendo o entendimento da mensagem do terceiro anjo de Apocalipse 14:9-13. Até esse momento, o sábado não tinha sido visto sob esse ângulo.

Como se vê, a doutrina do santuário significa muito para a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Ela é a essência do adventismo. Sobre isso, o saudoso e grande estudioso e erudito adventista Leroy Edwin Froom escreveu: “A verdade do santuário é a essência do adventismo e tudo abrange; qualquer enfraquecimento, negação ou supressão da verdade do santuário é questão séria, mesmo crucial. Qualquer desvio ou abandono dela fere o coração do adventismo, sendo um desafio à sua própria integridade”9

Froom ainda observa que “se não existe santuário no Céu, e nele não há operado um grande Sumo Sacerdote, e se já não existe mensagem da hora do juízo a ser, por ordem divina, pregada atualmente, então não há lugar para nós no mundo religioso, nem missão e mensagem denominacionais distintas, nem desculpas para ficarmos como entidade eclesiástica separada”.10

Predito ataques a Doutrina do santuário

Com séculos de antecedência, Deus predisse por meio dos apóstolos e depois através de Ellen G. White que nos últimos dias muitos iriam negar, combater e tentar remover os pilares da verdade. Na sua carta a Timóteo, o apóstolo Paulo previu que alguns se desviariam da fé verdadeira, dando ouvidos a “espíritos enganadores e a doutrina de demônios” (1Tm 4:1). E que eles “não suportarão a sã doutrina” (2Tm 4:3). Já o apóstolo Pedro predisse que surgiria dentro da igreja de Deus heresias destruidoras, introduzidas dissimuladamente por falsos mestres e profetas, difamariam “o caminho da verdade” (2Pe 2:1, 2).

Sob inspiração divina, Ellen G. White também previu que os pilares da fé adventista sofreriam ataques, notadamente a doutrina do santuário. Ela alertou que pessoas dentro da igreja impelidos por satanás tentariam bani-la da igreja. Ela escreveu:

“Os fundamentos de nossa fé […] estavam sendo retirados, pilar por pilar. Nossa fé nada teria sobre o que se apoiar – o santuário estava eliminado, a expiação descartada. […] Teorias sedutoras estão sendo ensinadas de tal modo que não as reconheceremos a menos que tenhamos um claro discernimento espiritual”.11

“Os homens tentarão introduzir novas teorias e tentarão provar que essas teorias são escriturísticas, conquanto sejam errôneas, as quais, se forem aceitas, comprometerão a fé na verdade. Não, não; não devemos desviar-nos da plataforma da verdade em que fomos estabelecidos”.12

Ela predisse ainda que a negação do claro ensino bíblico do santuário causaria a queda espiritual de alguns: “O inimigo introduzirá doutrinas falsas, tais como a de que não existe um santuário. Este é um dos pontos em que alguns se apartarão da fé”.13

Ao longo dos 176 anos de existência, diversos movimentos dissidentes e pessoas se levantaram dentro do movimento adventista para combater um ou outro ensino “da plataforma da verdade em que fomos estabelecidos”. Mas, possivelmente a doutrina do santuário tem sido objeto de mais ataques, críticas e debates tanto por adventistas quanto por não-adventistas, do que todas as outras facetas do seu sistema de crenças.

Os anais da história do povo do advento registram pelo menos oito líderes e professores de teologia influentes que questionaram a doutrina do santuário e acabaram abandonando a igreja de Deus. O primeiro líder a questionar a doutrina do santuário foi Dudley M. Canright em 1887. Deixou a igreja voluntariamente e tornou-se seu tão feroz oponente como havia sido seu defensor. Ele publicou o livro Seventh-day Adventism Renounced (O Adventismo do Sétimo Dia Renunciado), com o qual pretendia com falsos argumentos demolir os pilares da fé adventista. Seu livro foi traduzido em dezenas de línguas e ainda é usado por muitos líderes evangélicos para combater o adventismo. Depois dele vieram Albion F. Ballenger, em 1905; William W. Fletcher, em 1930; Louis R. Conradi, em 1928-1931; William W. Prescott, em 1934; Harold E. Snide, em 1945; R. A. Greive, em 1956. Mas, nenhum deles causou mais perplexidade, abalo e sofrimento na igreja do que o caso do teólogo Desmond Ford (1929-2019), quando há exatos 40 anos, ele resolveu abandonar a interpretação histórica adventista sobre o santuário.

Quem foi Desmond Ford?

Desmond Ford era australiano, foi professor e pastor adventista durante cinquenta anos. “Ford nasceu em uma família anglicana em Queensland, Austrália. Ele desenvolveu desde cedo o amor por livros e, aos 14 anos, começou a trabalhar no escritório de um jornal em Sydney. Um dos primos de seu pai era adventista do sétimo dia, que se interessou por Desmond. Ele foi batizado na Igreja Adventista do Sétimo Dia em 1946, aos 17 anos. Alguns meses depois, ele se demitiu de seu emprego na redação do jornal e, no início de 1947, começou seus estudos para o ministério no Avondale College. Ele foi um aluno brilhante e se formou no curso ministerial em 1950. Ele começou seu ministério em North New South Wales. Em 1952, ele se casou com sua namorada da faculdade, Gwen Booth, com quem teve três filhos (Elènne, Paul e Luke)”.14

Depois que Ford concluiu sua graduação em Teologia em 1958, a família foi enviada para os Estados Unidos da América, onde ele completou um mestrado no Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia e um doutorado em Retórica sobre as Epístolas de Paulo na Universidade Estadual de Michigan, EUA, em 1961; e outro Ph.D. em escatologia na Universidade de Manchester, Inglaterra, em 1972. Foi diretor do departamento de Teologia na Faculdade de Avondale College na Austrália durante mais de dezesseis anos. Fazia parte do Comitê de Pesquisa Bíblica Adventista na Austrália e os EUA. Ao longo de seu ministério escreveu 20 livros e cem artigos.

Ford era um teólogo brilhante, muito inteligente e influente na igreja. Seu grande conhecimento em escatologia deu-lhe grande notoriedade e prestígio na igreja. Seus comentários publicados sobre os livros de Daniel e o Apocalipse totalizam mais de duas mil páginas. Ele provavelmente dedicou mais estudos acadêmicos ao assunto e escreveu mais sobre ele do que qualquer outra pessoa na história. Era, deveras, uma estrela brilhante na constelação de teólogos denominacionais nas décadas de 1960 e 1970. Durante seu longo mandato como diretor do Departamento de teologia no Avondale College na Austrália, ele preparou cerca da metade dos ministros na Austrália. Na sala de aula e por exemplo pessoal, inspirou milhares de jovens para Cristo. Ele foi sempre procurado como orador, e milhares passaram a ter uma compreensão e apreciação mais claras do evangelho como resultado do seu testemunho.

Para espanto dos administradores, pastores e membros da igreja, no final da década de 1970, Desmond Ford começou a defender pontos de vistas contrários ao Santuário, ao juízo investigativo e ao dom profético de Ellen G. White. Ele afirmou categoricamente, entre outras coisas, que não existe um santuário físico no Céu, que não se podia provar biblicamente o juízo investigativo e que o dia antitípico da Expiação ocorreu no ano 31 A. D., quando, segundo ele, Cristo entrou no lugar santíssimo, não em 1844, e que este evento não envolve a obra do juízo investigativo, como afirma os Adventistas do Sétimo Dia e os escritos de Ellen G. White.

A controvérsia do Dr. Desmond Ford começou num encontro da Associação de Fóruns Adventistas, realizado no campos do Pacific Union College, numa tarde de sábado do dia 27 de outubro de 1979. Naquela dia, ele apresentou o tema: "O juízo Investigativo, Marco Teológico ou Necessidade Histórica?". Nesse discurso, Ford defendeu que não há juízo investigativo começando em 1844 como historicamente os adventistas defenderam. O que aconteceu em 1844, segundo ele, foi o surgimento do povo Adventista para proclamar o evangelho em sua plenitude, assim que todos que ouvirem serão julgados por sua resposta a mensagem do evangelho.

Este aberto desafio do Dr. Ford a posição longamente defendida pela igreja de Dn 8:14 e o juízo investigativo, bem como suas implicações de seu ponto de vista sobre a função e ensinos de Ellen G. White, criaram uma agitação nos círculos Adventistas. De modo que, Dr. Ford foi convidado pelos administradores da Pacific Union a se ausentar de suas responsabilidades de ensino no Pacific Union College durante um período de 6 meses, a fim de se dedicar à pesquisa e escrever seus pontos de vista para uma apresentação a uma comissão de estudo constituído por eruditos da Bíblia, professores e líderes da igreja a ser estabelecida pela Conferência Geral.

Dr. Ford e família mudaram para Washington, onde a Conferência Geral colocava um escritório a sua disposição, e abria os arquivos do White Estate e ajuda de secretária. Durante os primeiros 6 meses de 1980 ele produziu um documento de 6 capítulos de quase 1.000 páginas, mais precisamente 991 páginas, intitulado “Daniel 8:14, o Dia da Expiação e o Juízo Investigativo”. Durante esses seis meses, a comissão da Conferência Geral passou 50 horas acompanhando Dr. Ford fazendo-lhes algumas sugestões para serem incluídas no documento. Mas, para decepção de todos, ele tornou-se inflexível e não mudou um ponto sequer de sua posição.

Seu material denso foi encaminhado a uma comissão formada por 114 estudiosos representantes de todas as áreas da igreja: eruditos, professores, pastores, e administradores, que tinha a missão de analisar e discutir o documento. Este grupo foi convidado a encontrar-se nos dias 10 a 15 de agosto de 1980, no acampamento jovem de Glacier View da Associação do Colorado, para servir como o Comitê de Revisão do Santuário.

Durantes esses cinco dias, os delegados estudavam a Bíblia oravam, levantavam questões e sugeriam respostas. Houve algumas sessões de perguntas e respostas com o Dr. Ford. Nestas ocasiões apelos públicos diversos foram feitos dentro de um espírito cristão de respeito e cortesia. No dia 15 de agosto as reuniões terminaram, sem se conseguir que Dr. Desmond Ford acatasse a posição doutrinária da Igreja Adventista, defendida por este representativo grupo da igreja. Por conta disso, perdeu suas funções de ensino e do ministério pastoral, e suas credenciais como professor adventista foram removidas.

Todo esse triste episódio causou um forte abalo na igreja. Vários membros da igreja e alguns teólogos seguiram Desmond Ford, deixando de crer nas doutrinas do santuário celestial e do juízo investigativo. Diz-se que mais de 150 ministros ordenados, principalmente na Austrália, perderam suas credenciais ministeriais após o caso Ford. Centenas de pessoas leigas, principalmente nos Estados Unidos, deixaram a igreja. Mas, essa crise serviu para despertar nos pastores e membros da igreja no mundo todo a pesquisar mais a respeito do tema, bem como para rejeitar as ideias de Ford e reafirmar mais ainda o tema do santuário como doutrina pilar, e foi assim que a Igreja Adventista do Sétimo Dia superou mais uma crise teológica.

A cada crise que a igreja enfrenta cumprem-se com maravilhosa precisão as palavras da serva do Senhor: “A igreja talvez pareça como prestes a cair, mas não cairá. Ela permanece, ao passo que os pecadores de Sião serão lançados fora na sacudidura - a palha separada do trigo precioso. É esse um transe terrível, não obstante importa que tenha lugar”.15

Com a ajuda de alguns amigos adventistas, Ford estabeleceu um ministério independente chamado Good News Unlimited (Boas Novas Ilimitadas), com sede em Auburn, Califórnia. Por cerca de vinte anos, até sua aposentadoria em 2000, Ford viajou pelo mundo pregando e ensinando. Em 2000, ele e Gillian (sua segunda esposa, a primeira morreu de câncer de mama em 1970) voltaram para a Austrália para morar perto da casa de sua filha Elènne em Queensland. Ele permaneceu Adventista do Sétimo Dia e manteve sua carta como membro de uma congregação local. Morreu no dia 11 de março de 2019, aos 90 anos.

Em 1914, Ellen G. White previu que nos últimos dias muitos dirigentes abandonariam a igreja. Ela escreveu: “Muitas estrelas que temos admirado por seu brilho tornar-se-ão trevas”.16 Desmond Ford foi uma dessas estrelas, cujo brilho se apagou. Com isso, não estamos dizendo que Ford perdeu a salvação. Longe disso! Até porque mesmo deixando o ministério adventista ele continuou com seu relacionamento com Cristo e pregando sobre Seu amor. Ao afirmar que sua estrela se apagou, referimo-nos ao fato de que não mais exerceria seu ministério de pregação e ensino em nossas instituições, como fez antes, de forma brilhante, durante anos.

AS lições do caso Ford

Podemos encontrar algumas lições para todos nós na experiência de Ford. Cristo nos chamou para proclamar a verdade presente. Combatê-la é incorrer num grave erro que põe em risco nossa vida espiritual, o risco de “naufragar na fé”, como foi a dolorosa experiência de muitos no passado (1Tm 1:19). Precisamos estudar o relevante ensino do santuário nos livros proféticos de Daniel e Apocalipse com mais afinco, a fim de expandir nossos conhecimentos acerca as profecias do tempo do fim. O Espírito de Profecia nos orienta nesse sentido: “Como povo, devemos ser estudantes diligentes da profecia; não devemos sossegar sem que entendamos claramente o assunto do santuário, apresentado nas visões de Daniel e de João. Este assunto verte muita luz sobre nossa atitude e nossa obra atual, e dá-nos prova irrefutável de que Deus nos dirigiu em nossa experiência passada. Explica nosso desapontamento de 1844, mostrando-nos que o santuário a ser purificado não era a Terra, como supuséramos, mas que Cristo entrou então no lugar santíssimo do santuário celestial, e ali está realizando a obra final de Sua missão sacerdotal, em cumprimento das palavras do anjo, comunicadas ao profeta Daniel: "Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado." Dan. 8:14. [...] Deve o povo de Deus ter agora os olhos fixos no santuário celestial, onde se está processando a ministração final de nosso grande Sumo Sacerdote na obra do juízo - e onde está intercedendo por Seu povo”.17

Irmão(ã), você pode ser um cristão convertido ao Senhor Jesus, pode ser um fiel dizimista, um adventista vegetariano. Pode dar estudos bíblicos, ganhar almas, ser gentil e amoroso. Mas, se não tiver profundo conhecimento a respeito da data de 1844, se não tiver pelo menos uma compreensão ainda que rudimentar desse ensinamento, então não está adequadamente preparado para a sacudidura e o tempo de angústia. Se enfrentarmos o tempo de angústia com um conhecimento superficial acerca da data de 1844, do santuário, da expiação e do juízo investigativo, seremos levado como uma folha num furacão.

Obviamente, não estou defendendo a salvação pela teologia. Longe disso! A data de 1844, ou uma compreensão sobre a mesma, não salva-nos. A salvação é pela graça de Cristo, aceita pela fé pelo pecador arrependido (Ef 2:8-10). Contudo, se 1844 não for uma data bíblica, nossa mensagem é falsa: somos uma igreja falsa ensinando as pessoas por um caminho enganoso. Ou a data de 1844 é verdadeira e temos a verdade, ou é falsa e nós herdamos uma mentira e a temos pregado a 176 anos.

A despeito das crises, de nossa condição laodiceana, dos escândalos, de qualquer coisa, os ensinos sobre 1844 provam, além de qualquer dúvida, que a Igreja Adventista do Sétimo Dia é a Igreja Remanescente da profecia bíblica, e que nossa mensagem constitui-se na “verdade presente” (2Pd 1:12). O juízo investigativo iniciado em 1844 – mais que o estado dos mortos, o sábado, o dom profético e a segunda vida de Cristo – estabelece a verdade do adventismo. Todas estas doutrinas são aceitas por uma ou outra denominação, mas os adventistas são os únicos que possuem a verdade do juízo investigativo. Enquanto não entendermos a verdade do santuário, percebendo que os adventistas são os únicos que a ensinam, não compreenderemos nossa verdadeiro chamado, nosso propósito ou missão.

Agora, ainda que tenhamos dificuldades em compreender alguns pormenores da interpretação tradicional da igreja acerca dessa profecia, precisamos ser fieis aquilo que Deus já nos revelou no passado, fruto de muita oração e estudo da Bíblia. É preciso concordar com a verdade que Ele nos revelou nas Sagradas Escrituras e não inventar nossas próprias verdades, nem nossa própria maneira de salvação.

Querido irmão(ã), não permita que a dúvida e a incredulidade ofusquem a luz de Deus em você ou destrua sua fé. Não combata os pilares postos por Deus em sua igreja. Quando Israel, o então povo de Deus, encontrava-se no cativeiro babilônico, Deus por meio do Seu profeta Jeremias enviou-lhe a relevante recomendação: "Coloque marcos e ponha sinais nas estradas, Preste atenção no caminho que você trilhou. Volte, ó Virgem, Israel! Volte para as suas cidades” (Jr 31:21, NVI). Quando recebeu essa mensagem, Israel encontrava-se em um estado de crise. Eles haviam quebrado os termos da aliança que Deus estabelecera e Ele, então, permitiu que os babilônios invadissem suas terras. Agora Deus quer restaurá-los e trazê-los de volta para casa. Então, Deus apelou a Israel para que pusesse “marcos” no caminho que eles haviam trilhado. Era um relacionamento com Deus e a obediência a essa recomendação divina que o levaria de volta em segurança para sua terra. Os israelitas precisavam seguir com alegria as recomendações de Deus, a fim de receberem a restauração.

Tal recomendação ainda é válida para o moderno Israel de Deus. As doutrinas da purificação do santuário celestial, o retorno pessoal, visível e pré-milenar de Jesus, o dever de guardar o sábado, o sétimo dia, e seu papel no grande conflito no contexto do tempo do fim, profetizado em Apocalipse 12-14, a mortalidade da alma, e o dom profético manifestado no ministério de Ellen G. White constituem-se nas chamadas colunas doutrinárias do adventismo. Também denominadas de “marcos” e os “pilares”, que, na verdade, são guias para o povo de Deus em sua jornada rumo ao lar eterno. Uma vez que essas crenças são “marcos”, elas formam o cerne inegociável da teologia adventista, não podendo ser removidas. É preciso ter a confiança de que Deus conduziu o adventismo no caminho progressivo da verdade presente.

Que o compassivo Salvador ajude a nos mantermos firmes na “fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3), com plena confiança nEle.

Querido Deus e bom Pai que estás no Céu, muito obrigado por Tua bondosa guia. Ajuda-nos a vivermos sem separar-nos da profissão que fizemos no começo, quando ocorreu nossa reconciliação contigo. Tu tens conduzido e sustentado a Tua igreja através das crises ao longo das décadas. Ajuda-nos a apoiá-la com nossas orações, pregações, nossos recursos e até mesmo com a própria vida se Tu assim desejares.

Referências:

1. WHITE, Ellen G. Primeiros Escritos. 3ª. ed. Tradução de Carlos Alberto Trezza. Tatuí, SP: CPB, 1988, p. 260.

2. FORTIN, Denis, MOON, Jerry. Enciclopédia Ellen G. White. 1ª ed. Tatuí, SP: CPB, 2018, p. 1288.

3. RODÍGUEZ, Ángel Manuel. Santuário, in Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia. Editado por Raoul Dederen. Tradução de José Barbosa da Silva. 1ª ed. Tatuí, SP: CPB, 2011, p. 448, 449.

4. Ibdem, p. 453.

5. Nisto Cremos: As 28 Crenças Fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia. 10ª ed. Tatuí, SP: CPB, 2018, p. 391.

6. WHITE, Ellen G., Evangelismo. 2ª ed. Santo André, SP: CPB, 1978, p. 221.

7. ______________. O Grande Conflito. 43ª. ed. Tatuí, SP: CPB, 2006, p. 423.

8. ______________. Primeiros Escritos. 3ª. ed. Tradução de Carlos Alberto Trezza. Tatuí, SP: CPB, 1988, p. 32, 33.

9. Revista Ministério Adventista, julho/agosto de 1971, p. 13.

10. Ibdem.

11. WHITE, Ellen G. Olhando Para o Alto [MM 1983], Santo André, SP: CPB, p. 146.

12. Ibdem, p. 93.

13. WHITE, Ellen G., Evangelismo. 2ª ed. Santo André, SP: CPB, 1978, p. 224.

14. Relembrando Desmond Ford. Disponível em: <https://www.adventistreview.org/remembering-desmond-ford>. Acesso em: 07 out. 2020.

15. WHITE, Ellen G. Mensagens Escolhidas. 3ª ed. Tatuí, SP: CPB, 1988, v. 2, p. 380.

16. ______________. Profetas e Reis. 8ª ed. Tatuí, SP: CPB, 2007, p. 188.

17. ______________. Evangelismo. 2ª ed. Santo André, SP: CPB, 1978, p. 222 e 223.

 

 

 

 

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

ATRASAMOS O ADVENTO?

ALÉM DAS LUZES

O CRISTO EXALTADO