“LEGENDÁRIOS”: VELHO NEGÓCIO, NOVA ROUPAGEM DA TEOLOGIA DA PROSPERIDADE

Ricardo André

Há um movimento no Brasil que vem despertando a atenção e a curiosidade de muitos brasileiros: O “Legendários”. Ele se tornou um dos principais assuntos da internet nos últimos dias. O grupo se define como "um movimento que busca a transformação de homens, famílias e comunidades por meio de experiências que levam os homens a encontrar a melhor versão de si mesmos e seu novo potencial". Sua missão é "devolver o herói a cada família", promovendo homens que sejam "inquebrantáveis diante do pecado, mas quebrantados diante de Deus". O grupo enfatiza valores como amor, honra e unidade (representados pelo grito de guerra "AHU") e incentiva a liderança masculina baseada em princípios cristãos.

Como se vê, o Legendários é um movimento cristão interdenominacional que promove retiro somente para homens. E funciona mais ou menos assim: Eles sobem o monte com bonés, camisas laranjas e bolsas nas costas, passam 72 horas realizando uma série de atividades, que combinam pregações religiosas e momentos de orações com atividades físicas intensas (que muitas vezes levam a exaustão) e treinamento militar. Nesses eventos, segundo relatos de pessoas que participaram dos retiros, os homens também choram, gritam, proferem “profecias” e falam “línguas estranhas”, numa clara manifestação de culto pentecostal, e voltam para seus lares alegando que renasceram.

O grupo também promove o “Legendários Tour”, um evento de um dia com palestras e reflexões sobre o papel do homem na família, trabalho e sociedade.

Desde sua criação, o grupo tem ganhado destaque no Brasil, atraindo celebridades, políticos e milhares de participantes, entre eles o investidor e influenciador financeiro Thiago Nigro (Primo Rico), o influente empresário Pablo Marçal, Eliezer (ex-BBB), marido da influenciadora Viih Tube, Kaká Diniz, empresário e marido da cantora Simone Mendes, Gleidson Azevedo (Novo), prefeito de Divinópolis (MG). O teólogo Rodrigo Silva, da Igreja Adventista integrou também uma das atividades do Legendários.

A pergunta de capital importância é: o método empregado pelo Legendários para suposta transformação dos homens tem apoio bíblico? Vale apenas participar desse movimento? É preciso subir literalmente a um monte para ter um encontro com Deus e ser transformado? O presente artigo pretende lançar um olhar teológico nesse movimento, que embora não esteja vinculado a uma igreja específica, mas tem a fé cristã como pilar, referindo-se a Jesus Cristo como o "Legendário nº 1". Não exige filiação religiosa, mas requer abertura para vivências cristãs. Antes, porém conheçamos um pouco a respeito da origem desse movimento.

A GÊNESIS DO MOVIMENTO

O movimento Legendários foi fundado em 23 de julho de 2015, na Guatemala, pelo pastor Chepe Tupzu, da Igreja Casa de Deus. A iniciativa surgiu com a missão de "restaurar a identidade masculina cristã" e promover uma conexão mais profunda entre homens e Deus por meio de experiências transformadoras.

De acordo com o site oficial do grupo, o primeiro evento, um TOP (Track Outdoor de Potencial), reuniu 109 participantes e marcou o início de um movimento que hoje está presente em 13 países e já impactou mais de 100 mil homens globalmente.

No Brasil, o movimento chegou em 2017, com o primeiro TOP realizado em novembro de 2018, em Santa Catarina, organizado por uma equipe de Balneário Camboriú. Desde então, o Brasil se tornou o segundo maior público do movimento, atrás apenas da Guatemala, com mais de 50 mil participantes até 2025. O movimento está presente em pelo menos 10 estados brasileiros, incluindo Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Espírito Santo.

Vejamos agora algumas contradições do movimento, que fazem com que não seja recomendável a participação nos eventos desse grupo.

AS CONTRADIÇÕES DO LEGENDÁRIOS

1) A falácia do novo nascimento do Legendários

Aparentemente o movimento procura buscar na natureza aquilo que o patriarcado lhes deram e a sociedade hodierna tirou deles. Mas, o que mais me impressiona é o desespero por recuperar um tipo de masculinidade, que já não serve mais para nosso mundo contemporâneo.

Não há nada de errado na prática do homem querer se conhecer melhor e aprofundar sua fé. Isso é até salutar. O problema é que “legendários” emprega um falso método para produzir um suposto renascimento nos integrantes do movimento. Na realidade, quando estudamos mais detidamente as atividades e propósitos do grupo chegaremos a conclusão de que não ocorre mudança alguma, porque o grupo não propõe uma transformação verdadeira. Ele recria. Ele pega o mesmo homem engessado no modelo evangélico de “macho provedor”, “líder da casa”, “o super herói do lar”, “guerreiro de Deus” e dá um banho e uma roupa de espiritualidade nele, e o devolve para a sociedade dizendo: “Agora sim, isso é um homem de verdade!”

Que mudança tal método gera no homem? Nenhuma! O que se pretende nesse movimento é desesperadamente recuperar uma espécie de masculinidade, que já não serve mais para nosso mundo contemporâneo. Nesse sentido, o Legendários reforça tudo o que está dando errado. E as consequências práticas disso é que, quando aquele mundo místico na montanha acabar os homens continuarão sem saber conversar com mulheres como iguais; se sentindo ameaçados por qualquer um que fugir do modelo hétero dominante; confundindo liderança com controle da mulher. O participante desses eventos permanecerá sendo o homem que não vai cuidar do filho, não vai ajudar a mulher nas atividades domésticas, porque acredita que tudo isso é papel da mãe/esposa e, que a função dele é só sustentar; continuará mandando e a mulher obedecendo; o marido que acha que está sendo protetor, enquanto isso isola a mulher no mundo; o pai que obriga o filho ser “macho”, e ver sensibilidade como fraqueza. Enquanto isso as mulheres continuam sendo vistas como apoio, como ajuda, como auxílio, como alguém que deve orar pelo marido para que ele assuma seu lugar. Ela deve continuar a ser submissa a autoridade masculina “divinamente ordenada”, bem como aceitar tal ordem como sendo a realidade última.

Quando o homem volta da montanha achando que virou “herói”, volta querendo o comando, volta achando que sua palavra é revelação divina. Entretanto, seria isso um “renascimento” para eles? Não há nada de libertador nisso! É só mais um ritual de reafirmação de poder. E não se engane: Por trás de todo esse discurso de cura, renascimento, o que se tem mesmo é medo. Medo de perder o lugar de autoridade e privilégio; medo de dividir espaço.

O que se apresenta como cura da alma é, na verdade, reinvenção do patriarcado em linguagem gospel. No fim das contas, o que os Legendários oferecem é uma masculinidade reciclada - esteticamente atualizada, mas estruturalmente arcaica. Um refúgio emocional para homens que se dizem em crise, mas que, na prática, estão desconfortáveis com o fato de não ocuparem mais, sem contestação, o centro do mundo.

Esse tipo de movimento impede o avanço da saúde mental masculina de verdade, porque ele não ensina a sentir. Ele ensina a segurar. Não acolhe a diversidade. Ele reforça a norma do patriarcado. Isso afeta todo mundo. Homens que vivem com o sofrimento calado. Mulheres que continuam sendo responsabilizadas por sustentar o emocional da casa. Filho que aprendem desde cedo que “homem não chora”. O ciclo nunca termina.

E o mais irônico é que eles dizem que isso tudo é para curar feridas. Porém, as feridas permanecem, mas escondidas debaixo de um discurso bonito, uma camiseta alaranjada suada. Isso não é enfrentamento da ideologia patriarcal e misógina. É fuga. E toda fuga fantasiada de heroísmo é perigosa. Legendários não é somente um retiro. É mais que isso. É um espelho do medo que os homens tem de evoluir. É a tentativa de espiritualizar um modelo velho e falido. E como falou Jesus “ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, pois o remendo forçará a roupa, tornando pior o rasgo” (Mt 9:16, NVI). Em outras palavras, não se pode simplesmente "remendar" problemas ou sistemas velhos com coisas novas. É preciso uma renovação profunda e uma mudança de paradigma para que a mudança seja eficaz e duradoura.

Definitivamente, o “legendários” não produz mudança alguma nos seus integrantes. Por conta de sua ênfase em "valores masculinos tradicionais", o movimento só reforça o poder masculino e a submissão feminina. Se fosse mesmo sobre transformação eles estariam falando sobre responsabilidade afetiva; estariam conversando sobre igualdade, sobre escuta; sobre reconstrução de vínculo; sobre direitos e obrigações de homens e mulheres em todas as áreas. Mas não! Estão falando sobre os homens voltarem a ser como antes.

A perspectiva teológica da Igualdade de gênero. Na perspectiva bíblica homem e mulher são iguais. No relato da criação, no livro de gênesis, encontramos a base teológica da igualdade de gênero. Depois de haver criado tudo o que existe, no sexto dia da criação Deus criou o homem. Deu-lhe um trabalho para fazer: Devia dar nome a todos os animais da Terra. E entre eles, Adão não encontrou ninguém que fosse igual a ele. Estava só (Gn 2:19, 20). E Deus sábio e companheiro, resolveu seu problema de solidão, dando-lhe uma mulher. “Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea" (Gn 2:18). Desde então, a solidão do homem foi resolvida com a companhia de uma mulher. No caso de Adão, deu-lhe a mulher por um ato criador, e aos homens após Adão, Deus dá por meio do casamento.

O fato de que Deus tenha dado a mulher, colocou a Adão, e a todos os homens, num status superior? Não, absolutamente! O relato da criação de Eva, nada tem que assim o determine. Pelo contrário, destaca vários elementos que se referem à sua igualdade. Esta igualdade aparece no conceito de “auxiliadora idônea”, na própria criação de Eva e na união matrimonial.

Ao definir a mulher como auxiliadora idônea, Deus colocou duas ideias importantes para se entender a unidade dos dois. A palavra auxiliadora, em hebraico, nunca é usada para designar um ajudante subordinado. Refere-se a uma “ajudante”, “uma ajuda equivalente a Ele”, “sua contrapartida” (Lição da Escola Sabatina, 4º Trim. 2006, Ed. do Professor, p. 33); por isso, até Deus se definiu como auxiliador do homem. E no texto onde isto aparece, sem negá-la, não fala de Sua superioridade, mas de Seu poder para auxiliar o ser humano. Nosso Deus tem poder e pode nos auxiliar, porque Ele “fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há, e que mantém a sua fidelidade para sempre! Ele defende a causa dos oprimidos e dá alimento aos famintos. O Senhor liberta os presos, o Senhor dá vista aos cegos, o Senhor levanta os abatidos, o Senhor ama os justos. O Senhor protege o estrangeiro e sustém o órfão e a viúva, mas frustra o propósito dos ímpios. O Senhor reina para sempre!” (Sl 146:6-10, NVI). Deus é o auxiliador do ser humano porque está plenamente capacitado para ajudá-lo e quer fazer. O mesmo ocorre com a palavra idônea. Em hebreu significa equivalente, duplicado, parte oposta, igual e adequado a.

Como se vê, o registro de Gênesis valoriza a mulher como igual, uma contraparte, uma parceira ou complemento em cuja companhia o homem encontrasse sua mais plena satisfação e com quem compartilhasse a imagem e semelhança de Deus. Infelizmente, em muitas sociedades, as mulheres são tratadas quase como escravas, com pouca dignidade e poucos direitos, um exemplo poderoso do que o pecado causou à raça humana.

A escritora cristão Ellen G. White ressaltou que, “quando os maridos exigem completa sujeição de suas esposas, declarando que a mulher não tem voz ativa ou vontade na família, mas deve mostrar inteira submissão, estão colocando suas esposas numa posição contrária à Escritura. Interpretando desta forma a Escritura, violam o desígnio do casamento. Esta interpretação é utilizada simplesmente para que possam exercer governo arbitrário, que não é sua prerrogativa. Mas lemos em continuação: "Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a Si mesmo se entregou por ela." Efés. 5:25. Por que devem os maridos se irritar contra suas esposas? Se o esposo lhe descobriu erros e abundância de faltas, irritação de espírito não remedia o mal” (O Lar Adventista [CPB, 2005], p.116).

A criação de Eva também descreve sua igualdade com o homem. Como Deus planejou a criação do homem, também planejou a criação da mulher. Fez os dois de forma pessoal. Embora tenha usado uma parte do corpo do homem, este não participou da criação da mulher. Adão dormia enquanto Deus criava. Portanto os dois foram criados por um ato exclusivamente de Deus. Adão, ao receber Eva, reconheceu sua igualdade de constituição e sua igualdade de ser.

Diz Ellen G. White: “Eva foi criada de uma costela tirada do lado de Adão, significando que não o deveria dominar, como a cabeça, nem ser pisada sob os pés como se fosse inferior, mas estar a seu lado como seu igual, e ser amada e protegida por ele. Como parte do homem, osso de seus ossos, e carne de sua carne, era ela o seu segundo eu, mostrando isto a íntima união e apego afetivo que deve existir nesta relação. "Porque nunca ninguém aborreceu a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta." Efés. 5:29. "Portanto deixará o varão a seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne." Gên. 2:24” (Patriarcas e Profetas, p.  46).

Havia uma diferença de sexo, certamente, mas Deus o fez assim não para criar separação ou desigualdade, mas para produzir unidade e multiplicação, pelo casamento.

Existem alguns trechos das Sagradas Escrituras que muitos homens cristãos empregam para enfatizar a submissão feminina de maneira equivocada. Na realidade, trata-se de uma interpretação enviesada pela ideologia patriarcal e misógina. Basta vermos o que está escrito em Efésios 5:21-33.

Todavia, infelizmente o que vemos comumente são muitos religiosos se baseando, no que está escrito nos versículos de 22 ao 24:

“Mulheres, sujeitem-se a seus maridos, como ao Senhor, pois o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, que é o seu corpo, do qual ele é o Salvador. Assim como a igreja está sujeita a Cristo, também as mulheres estejam em tudo sujeitas a seus maridos” (NVI).

Acontece que eles esquecem de refletir no versículo anterior que diz: “Sujeitem-se uns aos outros, por temor a Cristo” (Efésios 5:21, NVI). Portanto, a ordem bíblica de que tanto a mulher como o homem devem sujeitarem-se mutuamente.

Observamos que, devido à má interpretação ou uso de pequenos trechos das Escrituras em benefício próprio, muitas mulheres em seus lares cristãos, tem sofrido com relacionamentos abrutalhados, autoritários e ditatoriais. E com muita frequência vemos estes casos culminarem em feminicídios, que deixam toda a sociedade estarrecida. Isso é um problema cultural e pecaminoso que Paulo não focaliza na sua carta aos efésios. A visão bíblica da submissão de forma alguma ensina uma posição ditatorial, autoritária e injusta nas relação conjugal, onde um exerce poder e o outro rasteja desamparado. Mas, de submissão mútua de autoridade e de poder.

Cremos que a família que está no coração de Deus, é aquela na qual mulheres não apanham, não são forçadas ao sexo e à subjugação marital. Acreditamos numa família na qual as mulheres são livres. Como cristãos, devemos combater com veemência o machismo, pois ele é ofensivo a Deus, é um pecado por violar o princípio bíblico de igualdade de gênero, por agredir a dignidade da mulher, um ser criado a “imagem e semelhança” Dele (Gn 1:26, 27), e que portanto tem os mesmos direitos que o homem, em Jesus. (Gl 3:28).

Portanto, a luta pela igualdade de gênero em nossa sociedade é um dever de todos, homens e mulheres. É preciso lutar para que a mulher receba salário igual a dos homens, quando homens e mulheres exercem a mesma função e são igualmente qualificados; é preciso ampliar o lugar de fala das mulheres em casa, nas reuniões de trabalho, considerando que opiniões de ambos os sexos são relevantes. Nos parece que “Legendários” não está preocupado em enfatizar esses valores bíblicos.

As Sagradas Escrituras como fonte de poder transformador. Segundo o site do Legendários, a proposta do grupo é promover “a transformação de homens, famílias e comunidades por meio de experiências que levam os homens a encontrar a melhor versão de si mesmos e seu novo potencial”. Isso é uma falácia. Não são as “experiências” que fazem alguém ser um homem de verdade, que fazem um caráter ser transformado. Não são as experiências que fazem um homem ser um bom cristão.  A verdade é que, para ter um encontro com Deus e ser transformado, o homem não precisa necessariamente deixar sua esposa e filhos em casa e subir literalmente um monte, num programa oferecido pelo Legendários. Basta que ele busque a Deus “de todo coração”, através da leitura das Escrituras Sagradas e com oração (Jr 29:13). Tal experiência pode acontecer na igreja, em casa, num bosque, à margem de um rio ou em outro lugar. O lugar é o que menos importa. Até porque não há diferença entre uma pessoa orar num monte ou em casa, ou na igreja (Jo 4:20-24).

É preciso que se entenda que a Palavra de Deus é que possui um poder transformador que pode mudar a vida das pessoas, independente de gênero, idade e status sociais. Ela tem a capacidade de influenciar pensamentos, sentimentos e ações, levando à mudança e renovação interior.

A Palavra de Deus é descrita como "viva e eficaz" e capaz de discernir os pensamentos e intenções do coração (Hb 4:12). Ela não apenas instrui, mas também inspira, confortando e desafiando a viver em conformidade com a vontade de Deus. A leitura e o estudo da Palavra de Deus podem trazer esperança, cura e transformação, mesmo em meio às dificuldades.

A Palavra de Deus é pessoal e individual, adaptando-se às necessidades e desafios de cada pessoa. Ela é como um bálsamo para a alma, capaz de trazer paz e restauração, especialmente em momentos de angústia. Ao se entregar à Palavra, as pessoas podem experimentar uma profunda mudança em suas vidas, sendo guiadas por Deus e cumprindo seus propósitos. Portanto não é necessário viver uma “aventura espiritual” para encontrar Deus numa montanha

2) Os eventos do Legendários são oportunidades de gerar lucros para seus organizadores.

Para participar dos eventos organizados pelos Legendários os homens pagam milhares de reais. Nesse sentido, os organizadores desses eventos viram nisso um ótimo negócio para enriquecer, uma oportunidades para promover os seus valores e, consequentemente, acumularem fortunas. Até porque os custos da participação nesses eventos são muito altos. Variam de R$ 450 a mais de R$ 81 mil, dependendo do tipo de experiência, com eventos mais caros voltados para públicos de alto poder aquisitivo.

"Ei, homens", diz Ricardo Weiler, pastor da Igreja Embaixada, em um vídeo fixado no Instagram do grupo Legendários Brasil. "Venha conquistar a sua montanha e esteja caminhando com homens com um novo nível de amor, honra e unidade. Homens que são íntegros e vão mudar a história dessa nação. Uhul."

Weiler, que é diretor do Legendários Brasil, afirma que qualquer homem maior de idade pode participar das experiências promovidas pelo grupo. No vídeo, porém, ele não explica o que são exatamente essas experiências, nem que elas são pagas — e chegam, como mencionamos acima, a custar mais de R$ 81 mil. Nesse sentido, somente homens de classe média e os ricos podem participar desses programas.

Claramente o Legendários trata-se de um “velho negócio” com roupagem cristã. Velho porque desde a Idade Medieval que líderes religiosos se utilizaram de expedientes escusos para acumular fortunas. Nesse período, a Igreja Católica Romana acumulou muito dinheiro com a venda das “indulgências”, com a falsa promessa de que os fiéis que as comprassem teriam o perdão dos pecados e um lugar no Céu. Hoje, quem emprega esse expediente são as igrejas neopentecostais, que vendem ostensivamente “objetos consagrados” e as periódicas “campanhas”, a exemplo da “Fogueira Santa de Israel”, com a promessa das pessoas receberem as bênçãos da cura de suas doenças, da resolução de todos os problemas pessoais, da prosperidade, enfim. Então, o Legendários está se utilizando de uma velha prática de exploração da fé alheia, e dando-lhe uma nova roupagem cristã.

O Legendários propõe por meio das “experiências” transformar os homens levando-os “a encontrar a melhor versão de si mesmos e seu novo potencial”. Na realidade, eles não querem isso. A proposta deles é clara: é cobrar valores absurdos para entregar algo que somente a Palavra de Deus pode realizar nas nossas vidas. A proposta é fazer as pessoas gastarem dinheiro para seguir uma filosofia neopentecostal mundana, e os líderes do movimento enriquecendo às custas de uma promessa que só a Bíblia Sagrada pode entregar.

Curiosamente, todos que participam de alguma experiência do Legendários são orientados a manter em segredo o que acontece nessa “aventura espiritual”. Qual é a intenção? Obviamente, vender cada vez mais “o produto” (o retiro espiritual), fazer com que os homens comprem mais o produto, gerando desse modo riqueza para seus idealizadores. Isso não parece um retiro espiritual, parece mais com um produto do neopentecostalismo de mercado.

Ao fazerem isso, os líderes do Legendários se assemelham aos mercadores da fé contemporâneos de Jesus, que receberam a severa reprimenda Dele: “Está escrito: ‘A minha casa será chamada casa de oração’; mas vocês estão fazendo dela um ‘covil de ladrões’” (Mt 21:13, NVI).

3) A perigosa simbiose do Coaching com cristianismo

Indubitavelmente, o Legendários é uma associação do “Coaching” com a teologia cristã. É uma nova roupagem da enfraquecida Teologia da prosperidade, doutrina religiosa que desde seu surgimento, no final do século XIX, nos EUA, mobilizou (e ainda mobiliza) milhares de pessoas em todo o mundo a “exigir”, “reivindicar” ou “determinar” ao Espírito Santo que lhes conceda o sucesso material (riqueza) ou a cura de sua doenças. Não obstante não possuir nenhuma base bíblica, os pregadores da teologia da prosperidade ensinam que o crente jamais deveria ser pobre ou ficar doente, pois doença e pobreza estariam sempre relacionadas à falta de fé. Acontece que nos últimos anos essa teologia vem perdendo espaço. Isso deve-se, em grande parte, a exposição nas mídias sociais dos escândalos dos líderes que defendem essa teologia, que dá ênfase no dinheiro. A disputa ostensiva no mercado da fé pelos líderes das principais igrejas neopentecostais no Brasil, bem como o conhecimento de suas grandes fortunas oriundas da exploração comercial da fé nos cultos em seus templos contribuíram para a teologia da prosperidade perder força no Brasil e no mundo. Contudo, lamentavelmente, ela ainda faz muitas vítimas devido à falta de conhecimento das Sagradas Escrituras de muitos “crentes”. Mas, aos poucos, parte deste comportamento teológico está sendo substituído pela teologia do "coaching".

O Legendários é useiro e vezeiro dessa teologia. Ao se analisar as “frases de efeitos” e as técnicas empregadas pelos coach cristãos do legendários percebe-se claramente as contradições dessa teologia com as Sagradas Escrituras. De maneira que tais técnicas nada tem que ver com a graça salvadora de Deus. Apontamos abaixo apenas duas dessas contradições.

a) A teologia coaching é antropocêntrica onde o foco é o homem e suas realizações pessoais.

Nas “pregações” coaching durante um retiro e nos vídeos de suas redes sociais geralmente se fala coisas do tipo: Quer ser um marido ou um homem renovado? Conquiste sua montanha. Quer ser feliz? faça isso…Quer ser um empresário de sucesso? Quer ser um bom profissional? Faça aquilo… quer alcançar seus sonhos? Então faça isso...  Exatamente como fazem as propagandas de xampu, por exemplo: “faça isso e você obterá aquilo”. Note que o foco está naquilo que o homem pode fazer através da sua fé pessoal. Fé essa que passa por Cristo, mas que tem seu objeto na própria pessoa e nos seus esforços dirigidos. Como se vê, a teologia coaching possui o mesmo teor antropocêntrico da Teologia da Prosperidade das igrejas neopentecostais. Essa é uma teologia mais sutil, que parece mais humilde, mas na verdade transborda soberba ainda maior do que a Teologia da Prosperidade.

É preciso que se entenda que a autêntica pregação cristã e fiel é cristocêntrica. Em 1 Coríntios 2:2 Paulo escreveu: “Pois decidi nada saber entre vocês, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado” (NVI). O apóstolo Paulo apresentava Cristo em todas as suas pregações. Ele não forçava nem adulterava o texto para pregar Cristo, mas o fazia porque o Senhor é encontrado, direta ou indiretamente, em toda passagem bíblica. O centro das Escrituras é Cristo e seu sacrifício. Todo o desenvolvimento da revelação se deu mediante este cerne, Jesus.

Pregação cristocêntrica não diz respeito a um método, meramente, mas a uma interpretação correta, centrada em Deus, e não no homem. E para se interpretar corretamente o texto inspirado, cristocentricamente, é necessário que se recorra, naturalmente, ao Deus Espírito Santo.

Ellen G. White fala exatamente dessa centralidade de Cristo em nossos sermões: “Exaltai a Jesus, vós que ensinais o povo, exaltai-O nos sermões, em cânticos, em oração. Que todas as vossas forças convirjam para dirigir ao "Cordeiro de Deus" (João 1:29) almas confusas, transviadas, perdidas. Exaltai-O, ao ressuscitado Salvador, e dizei a todos quantos ouvem: Ide Àquele que "vos amou e Se entregou a Si mesmo por nós". Efés. 5:2. Seja a ciência da salvação o tema central de todo sermão, de todo hino. Seja manifestado em toda súplica. Não introduzais em vossas pregações coisa alguma que seja em suplemento a Cristo, a sabedoria e o poder de Deus. Mantende perante o povo a Palavra da vida, apresentando Jesus como a esperança do arrependido e a fortaleza de todo crente. Revelai o caminho da paz à alma turbada e acabrunhada, e manifestai a graça e suficiência do Salvador” (Evangelismo, p. 185).

b) Promove falsa espiritualidade

Nas pregações coaching do Legendários o apelo pode ser até espiritual, mas ainda assim ouve-se assaz frases do tipo “como ser o melhor marido”, “como reconstruir sua vida, seu casamento”, “alcançando sucesso através da fé.” “Homens vencedores”. “Homens transformados”. Tudo isso travestido de espiritualidade. O pano de fundo é o despertar no cliente (crente) o desejo material. Em vez de expor as Escrituras, muitos coach cristãos fazem de suas pregações palestras motivacionais confundindo evangelho com empreendedorismo e Cristo com um guru motivacional. Urge um retorno urgente às Escrituras onde Cristo é o centro das mensagens. E, estas levem os adoradores a uma experiência mais profunda com Cristo. As mensagens do verdadeiro evangelho devem levar os crentes a conhecerem melhor a Jesus. “Quero conhecer a Cristo”, afirmou o apóstolo Paulo (Fl 3:10). A maior ambição do apóstolo dos gentios era conhecer a Jesus. A palavra grega para “conhecer” denota conhecimento íntimo. Conhecer a Cristo mais do que uma percepção intelectual, envolve afeição e compromisso também.

Ellen G. White explica o que significa conhecer a Jesus, ao declarar: “Embora conheçamos a Cristo em certo sentido, que Ele é o Salvador do mundo, conhecê-Lo significa mais do que isso. Precisamos ter conhecimento e experiência pessoais em Cristo Jesus – um conhecimento experimental de Cristo, do que Ele é para nós e do que somos para Cristo. Essa é a experiência de que todos necessitam” (Este Dia com Deus [MM 1980], p. 211). Infelizmente, as “pregações” coaching proferidas nos retiros do Legndários não possuem essa abordagem. Antes, estão “visando à conquista de grandes e efetivos resultados, com foco em qualquer contexto, seja pessoal, profissional, social, familiar, espiritual ou financeiro”.

CONCLUSÃO

A teologia do Coaching empregada pelos líderes do Legendários é maléfica, não promove verdadeira transformação nos homens, mas reforça velhos valores do machismo, velhos interesses financeiros de líderes religiosos, e está distante do cristianismo bíblico que leva o homem a negar a si mesmo, humilhar-se diante de Deus e depender Dele em tudo.

Precisamos de um retorno premente às Escrituras onde Cristo é o centro das mensagens. Que o compassivo Deus abra nossos olhos para que vejamos os perigos que representa introduzir ideias coaching em nossa vida.

Caro leitor, é seu desejo ser cheio do Espírito Santo e ser realmente transformado em um bom marido, bom pai, bom cristão, bom cidadão? Então decida hoje estudar a Bíblia com afinco por si mesmo, para saber o que constitui ter um relacionamento com o Senhor e ser salvo. Você sabe se está recebendo o puro, não adulterado e potente combustível da verdade de Deus? Muitos serão enganados por luzes brilhantes e promessas de riqueza e paraíso na terra, mas poucos vão estudar por si próprios na Palavra de Deus e serem mudados. Qual deles é você?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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